goo.gl/vuK8Ti | Por volta do ano de 2004, me aventurei em dar aulas. Uma experiência totalmente desafiadora para mim que: (1) nunca gostei de aulas, (2) não gosto de falar em público e (3) sou meio impaciente. Mas como tive péssimos professores na UFC (outros excelentes, é verdade), percebi que, mesmo com muito esforço, não conseguiria ser pior do que alguns desses “professores” que “ensinam” na Federal. Então, achei que valia a pena tentar.
Naquela época, ensinando Direito Constitucional na Faculdade Farias Brito, escrevi o artigozinho abaixo, dirigido para os alunos do segundo semestre. É um texto despretensioso, cujo objetivo é tão somente tentar motivar o estudante de direito na fase inicial de adaptação ao mundo jurídico.
Penso em incluir este texto no Curso de Direitos Fundamentais, na chamada “Parte Zero”. Sem mais lenga-lenga, vamos ao texto:
“Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso – para viver um grande amor”.
Vinícius de Moraes
“Ubi societas, ib Jus”. Quase todos os livros de introdução ao estudo do direito começam com essa frase em latim que significa que “onde há sociedade, há o direito”. Para não ser diferente, resolvi começar este texto com a mesma frase, mas não para comentá-la e sim para criticar. Não será uma crítica sobre o conteúdo da afirmação, mas sobre a forma em que ela é apresentada. Por que em latim?
Já a primeira leitura de um estudante de direito recém-ingresso retrata que a profissão que ele escolheu é formalista, dando a impressão de que é preciso saber latim, ou fingir que sabe latim, para ser um bom profissional.
Depois do latim, começam a aparecer várias palavras estranhas que acompanharão o estudante por toda a sua vida acadêmica e profissional. Jurisprudência, legítima defesa putativa, exclusão de antijuridicidade, interdito proibitório, repetição de indébito… enfim, é uma salada de esquisitices que assustam num primeiro momento. E, para piorar, ainda ficam inventando sinônimos para palavras bem simples. Por exemplo, interpretação tem um monte de variantes: hermenêutica, ilação, exegese (esta aqui, cada um pronuncia de uma forma diferente). Constituição vira Carta Magna, Lex Fundamentalis. E assim fica aquela impressão de que é preciso falar e escrever difícil para ser um bom jurista.
Ao longo do curso, esse “esnobismo” vai se acentuando. As obras jurídicas ou mesmo as palestras de juristas parecem um verdadeiro concurso de demonstração de conhecimento de palavras complicadas. Então, conseguir ler um livro jurídico torna-se um tormento, até que chega o momento em que o estudante se acostuma com as palavras e dispensa o dicionário. A partir daí, esse estudante – que pode ser considerado, agora, um verdadeiro dicionário ambulante, cheio de “data vênia”, “a priori”, “ad causam”, “ex vi”, “outrossim”, “destarte” – continuará o legado de seus mestres, escrevendo e falando em linguagem empolada e orgulhosamente compreendida por apenas um círculo mínimo de pessoas, como se fosse a coisa mais normal do mundo. É um círculo vicioso difícil de quebrar (mas não impossível!).
As frases em latim e as palavras difíceis podem ser consideradas o primeiro banho de água fria no estudante de Direito.
Muitos conseguem ultrapassar tranqüilamente a essa fase de crise vocacional, até porque já existe uma imagem popular que reforça essa necessidade de ser “orador” para ser um bom profissional jurídico. Outros, porém, já nessa fase, desistem, sem saber que existe muita coisa interessante no Direito em que não são necessários brocardos latinos ou verborragia sem sentido.
Como dica para conseguir ultrapassar a essa fase, recomendo que não dêem muita importância à linguagem jurídica logo no início do curso. Acredito que já está havendo muita melhora nos textos jurídicos (não sei se já me acostumei, mas o certo é que vejo muitos livros “fáceis” de ler) e, com um tempo, serão poucos os autores que continuarão fazendo citações em latim e escrevendo difícil.
Tão logo chegam à faculdade, os estudantes sentem uma saudável necessidade de ler os “clássicos”. Filósofos gregos, pensadores do renascimento e do iluminismo, cientistas políticos modernos, a toda hora querem se aproximar do estudante neófito.
Sempre há um ou outro estudante que carrega consigo um livro de bolso de um autor clássico e você imagina que se não ler vai ficar para trás.
O estudante, sentindo essa necessidade, pensa que será fácil “devorar” esses livros, já que, ao que parece, todos os grandes profissionais do Direito os leram. Porém, logo nas primeiras páginas, percebe que a leitura não será tão simples. “Até que as palavras são compreensíveis”, pensa o aluno, “mas o assunto é chato pra caramba”.
Esse é o segundo banho de água fria do estudante. Ele sente a necessidade de ler os clássicos, tenta ler esses livros, mas não consegue. Alguns até que conseguem, mas após um tremendo esforço.
Na sala de aula, os professores, acertadamente, reforçam a necessidade de ler esses livros. E aí, a crise vocacional surge novamente, já que se imagina que é preciso gostar dos clássicos para ser um bom profissional.
Pois bem. E o que fazer?
Eu seria um irresponsável se dissesse que não é importante ler os clássicos. A base do pensamento atual é toda encontrada nesses autores. Porém, deve-se reconhecer que alguns livros são mesmo difíceis de ler. Não é qualquer um que consegue ler, com gosto, uma obra de trezentas páginas de um filósofo grego, sobretudo nessas impressões mais econômicas com a letrinha miúda.
Por isso, não se desespere se você não gosta de ler os clássicos. Leia-os, mas não imagine que vá encontrar uma leitura tão emocionante quanto um livro de aventura.
Por sinal, há muitos “enlatados” americanos que são bons para o estudante começar a gostar das “tramas” (no sentido bom da palavra) do Direito. Não tenha vergonha de ler, por exemplo, John Grisham, escritor norte-americano que escreveu vários livros que deram origem a filmes holywoodianos, como “A Firma” e “O Dossiê Pelicano”. É lógico que esses livros não ensinam muita coisa útil, especialmente porque o direito americano é diferente do direito brasileiro. Mas só o fato de ler algum tema relacionado com o Direito já ajuda a desenvolver o gosto por essa matéria.
Outro livro bom para começar a gostar do Direito, que já se tornou o livro preferido dos professores de Introdução ao Estudo do Direito, é “O Caso dos Exploradores de Caverna”, de Lon Fuller. É um livrinho pequeno, fácil de ler e que tem tudo para empolgar o aluno.
Dica fundamental: para gostar do Direito é preciso gostar de ler. Se mesmo após ingressar na faculdade de Direito, você ainda não tomou gosto pela leitura, comece com livros fáceis de digerir, como os enlatados americanos antes citados. Pode ler também livros policiais (gosto muito, por exemplo, de Agatha Christie) ou até romances como “O Código da Vinci”, de Dan Brown. Enfim, qualquer leitura é válida. Depois de muitos livros, você perceberá que os clássicos não são tão chatos assim…
O problema do Direito não está apenas nos livros e na linguagem dos profissionais. A forma de tratamento também é intimidadora. Há muita formalidade e frieza entre os profissionais.
Quem assiste pela primeira vez a uma palestra de algum jurista tradicional, ficará assustado com tantos “excelentíssimos” e certamente dormirá antes de o palestrante terminar os cumprimentos de praxe. Assista também a uma sessão de algum tribunal (pode ser até através da TV Justiça) que você tomará um susto com tanta lenga-lenga e pensará que a profissão jurídica é a mais tediosa do mundo.
Não é preciso se assustar com esse tipo de coisa. É natural que ainda existam juristas que valorizem esses protocolos formais, até porque é difícil mudar uma cultura tão antiga. Mas já existem bons palestrantes que estão sendo menos “chatos” e alguns juízes que estão dispensando tanta encenação.
Com relação aos juízes, o problema é um pouco mais sério. De tanto ser bajulado, o juiz acaba se acostumando com tratamentos pomposos e acha que todos devem tratá-los formalmente. Alguns consideram uma afronta serem chamados apenas de “senhor”, exigindo o tratamento “meritíssimo”, “doutor” ou “excelentíssimo”! Quem não se lembra do juiz que ingressou com uma ação judicial para obrigar o porteiro de seu prédio a chamá-lo de doutor? É de se lamentar que ainda existam mentalidades tão pequenas, como se a forma de tratamento fosse um grande sinal de respeito.
Existe, inclusive, uma anedota circulando no meio jurídico que conta que um advogado, cansado de tratar bem um juiz que demorava a julgar seu processo, ao invés de escrever na petição “Excelentíssimo Juiz” escreveu “Esse lentíssimo Juiz”…
Esses tratamentos pomposos, arcaicos, também me fazem lembrar uma fábula poética de La Fontaine:
Um burro carregado de relíquias
Julgava-se adorado.
Nesse pensar se repimpava
Recebendo como seus o incenso e as cantigas.
Alguém se apercebeu do erro, e disse-lhe:
‘Senhor Burro, suprimi do vosso espírito
Uma vaidade tão vã.
Não é a vós, mas sim ao ídolo
Que esta honra é prestada,
E a glória é devida’.
Num magistrado ignorante
É a toga que é saudada.
Pois bem. Como forma de consolo, informo que essa mentalidade também está sendo aos poucos modificada. E cabe a vocês, profissionais do futuro, lutar para que isso seja mesmo mudado.
É justamente por esses formalismos que o povo está cada vez mais se distanciando da Justiça. Os pobres, antes de baterem às portas do Judiciário, costumam fazer filas nas portas dos programas de televisão para tentarem resolver seus problemas. O Ratinho acaba tendo mais credibilidade entre o povão do que os próprios juízes. Será que não está na hora de ser mais moderno e passar a falar a linguagem do povo ou pelo menos uma linguagem mais simples?
Infelizmente, muita gente ingressa no curso de Direito com o objetivo de ganhar dinheiro fácil. Imagina-se que basta ter um diploma e um anel no dedo para se tornar rico. Quem pensa assim será o último a conseguir ter sucesso na profissão, a não ser que já tenha um parente que lhe dê tudo de mão beijada, o que é raríssimo.
O segredo do sucesso no meio jurídico é o amor pelo Direito. Esse amor, algumas raras vezes, vem do berço, mas quase sempre é obtido apenas após muito tempo de estudo e de vivência prática. Há alguns que, desde criança, já sabem que vão ser juízes, advogados ou promotores; outros, somente descobrem sua vocação depois de vários anos de labuta.
O bom profissional do Direito deve, antes de mais nada, amar o Direito. E como diz o Poetinha Vinícius de Moraes, “para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso – para viver um grande amor”.
Não dá para amar sem conhecer. E só se conhece, depois de alguns anos de convivência.
Gostar e, sobretudo, amar o Direito: na minha opinião, esse é o diferencial entre o bom e o mau profissional.
E não precisa se desesperar se você ainda não gosta do Direito. Esse gosto vem naturalmente, depois de muitos anos de decepções e alegrias. Se não vier, aí não tem jeito: você está na profissão errada.
Não se deve escolher o campo de atuação pelo dinheiro que você pode vir a ganhar. Houve um tempo em que quem estudava direito ambiental, por exemplo, era considerado idealista e estava fadado a morrer de fome. Hoje, o direito ambiental é um dos ramos mais promissores.
Há também aqueles que ingressam no curso de Direito por razões ideológicas: o eterno sonho da juventude de querer mudar o mundo e construir uma sociedade mais justa e melhor.
Depois de algum tempo, esses estudantes idealistas acabam se decepcionando, justamente porque o que predomina é a mentalidade da ganância e do dinheiro e acabam se afastando de seus ideais ou desistindo do curso, o que é uma grande pena, pois os idealistas são os mais importantes para o Direito. Para eles imploro que continuem com seus sonhos. Não apaguem nunca a chama da juventude. No Direito, há sim muito espaço para os sonhos. A própria Constituição Federal é um instrumento poderosíssimo para a construção de um Brasil mais justo e solidário. E podem ter certeza de que vocês não estão sós. Há muita gente que acredita no Direito como elemento de mudança social.
Eu mesmo ainda guardo em meu coração uma forte chama de amor à Justiça Social e faço de minha profissão um meio de construir uma sociedade mais fraterna. Digo, com sinceridade, que isso não é conversa para boi dormir, mas é o que sinto e tento pôr em prática na minha missão como juiz e professor.
A partir do segundo ano do curso de Direito, ou até um pouco antes, surge uma outra crise vocacional no estudante: a idéia de que não sabe nada.
Quando a pessoa pensa que não sabe de nada, sem ter estudado, significa que não se dedicou o suficiente e perdeu tempo com futilidades ao longo do curso. Se você está nessa situação, pode tomar dois caminhos: ou começa a estudar de verdade, para recuperar o tempo perdido, ou se acomoda com a situação, preferindo ser um profissional medíocre, sempre descontente com seu trabalho, já que você não aprendeu a gostar do Direito.
Quando falo que se deve estudar para recuperar o tempo perdido, não estou defendendo que se tranque em seu quarto e passe dez horas por dia lendo códigos, leis ou outras chatices. Pelo contrário. Não é preciso perder a melhor fase de sua vida trancado com livros cheios de traças. Continue namorando, bebendo, se divertindo, farreando, praticando esportes.
O importante é começar a adquirir uma disciplina para o estudo. Comece a ler as matérias de que você mais gosta. Tente firmar uma meta a longo prazo e crie um senso de auto-responsabilidade.
Desenvolva técnicas de estudo que sejam eficientes para você. Comece a se interessar pelas discussões jurídicas. Isso não é difícil nem é enfadonho, pois há muito debate jurídico interessante. Pesquise e escreva os resultados de sua pesquisa. De preferência, publique o que você escreveu.
Se entre os dois caminhos acima indicados você optou pelo estudo e ainda assim, mesmo depois de muito estudar, você continua pensando que não sabe de nada, maravilha, bom sinal. Você está no caminho certo, pois esse é o segredo do estudo: quanto mais se aprende, menos se sabe. O conhecimento é sempre limitado, enquanto a ignorância é infinita.
Muita gente pensa que não vale a pena estudar a teoria, pois, segundo o ditado popular, “na prática, a teoria é outra”. Dizem que acompanhar o dia a dia nos fóruns é mais importante do que ficar estudando em uma biblioteca.
Não há nada de mais equivocado nesse pensamento. Na verdade, a teoria é tão ou mais importante do que a prática. E, convenhamos, cada coisa em seu tempo…
O estudante, sobretudo aquele que está nos primeiros anos do curso, deve se preocupar em montar uma boa bagagem doutrinária. Somente depois, talvez no segundo ou terceiro ano, mesclando a prática com a teoria, deve partir para o conhecimento prático.
Não adianta pensar em estágio logo no primeiro ano, até porque o choque será tão grande que poderá se tornar traumático para o estudante. É que há muitos estágios que fazem do estudante um verdadeiro “escraviário” e não um estagiário.
É lógico que, nos primeiros estágios, o estudante será quase um “burro de cargas”, realizando tarefas medíocres e mecânicas e ganhando pouco ou nada por esse trabalho infame. Mas isso não precisa durar muito. Não fique muito tempo em estágios que não lhe proporcionem novos conhecimentos. Aliás, é até bom que você mude várias vezes de estágio, até encontrar um que realmente lhe faça crescer.
Quando você se sentir um profissional “genérico”, ou seja, que faz o mesmo trabalho de seu “orientador” por um preço bem mais baixo, é sinal que você está no caminho certo, pois pelo menos está fazendo um trabalho mais nobre. Nesse momento, você já pode caminhar com as próprias pernas e pensar em algo maior.
Ao final deste texto, talvez você se sinta mais tranqüilo, mas ainda assim esteja em dúvida quanto à sua escolha. “Escolhi direito ou escolhi errado?”, você deve estar pensando em trocadilhos…
Como o curso de Direito se tornou “modismo”, é natural que muitos que ingressam nesse mundo não tenham mesmo vocação para qualquer profissão jurídica. E pode ter certeza: ao longo do curso, várias crises vocacionais lhe acompanharão. Tente apenas não se desesperar. Quase todos sentem a mesma coisa.
Finalmente, para concluir, sugiro que você não dê muita importância às minhas palavras, pois elas representam apenas uma das múltiplas formas de ver o Direito. E o estudante do Direito deve ter como lema não aceitar passivamente os argumentos que ouve ou que lê. A visão crítica é a principal característica de um profissional do Direito. Nunca se satisfaça com uma única maneira de ver qualquer questão. Construa sua própria capacidade de pensar e de tomar decisões. Faça você mesmo a sua história. Já dizia Geraldo Vandré, “quem sabe faz a hora não espera acontecer”.
Por George Marmelstein Lima
Fonte: direitosfundamentais net
Naquela época, ensinando Direito Constitucional na Faculdade Farias Brito, escrevi o artigozinho abaixo, dirigido para os alunos do segundo semestre. É um texto despretensioso, cujo objetivo é tão somente tentar motivar o estudante de direito na fase inicial de adaptação ao mundo jurídico.
Penso em incluir este texto no Curso de Direitos Fundamentais, na chamada “Parte Zero”. Sem mais lenga-lenga, vamos ao texto:
Por que é tão difícil gostar do Direito? Conselhos para estudantes de direito com crise vocacional
“Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso – para viver um grande amor”.
Vinícius de Moraes
Hoje é a semente do Amanhã.Não tenha medo que esse tempo vai passar.Não se desespere / Nem pare de sonhar.Nunca se entregue / Nasça sempre com as manhãs.Deixe a luz do sol brilhar no céu do seu olhar.Fé na vida / Fé no homem / Fé no que virá.Nós podemos tudo / Nós podemos mais.Vamos lá pra ver o que seráGonzaguinha, “Nunca Pare de Sonhar”
1. Ubi Societas, Ibi Jus
“Ubi societas, ib Jus”. Quase todos os livros de introdução ao estudo do direito começam com essa frase em latim que significa que “onde há sociedade, há o direito”. Para não ser diferente, resolvi começar este texto com a mesma frase, mas não para comentá-la e sim para criticar. Não será uma crítica sobre o conteúdo da afirmação, mas sobre a forma em que ela é apresentada. Por que em latim?
Já a primeira leitura de um estudante de direito recém-ingresso retrata que a profissão que ele escolheu é formalista, dando a impressão de que é preciso saber latim, ou fingir que sabe latim, para ser um bom profissional.
Depois do latim, começam a aparecer várias palavras estranhas que acompanharão o estudante por toda a sua vida acadêmica e profissional. Jurisprudência, legítima defesa putativa, exclusão de antijuridicidade, interdito proibitório, repetição de indébito… enfim, é uma salada de esquisitices que assustam num primeiro momento. E, para piorar, ainda ficam inventando sinônimos para palavras bem simples. Por exemplo, interpretação tem um monte de variantes: hermenêutica, ilação, exegese (esta aqui, cada um pronuncia de uma forma diferente). Constituição vira Carta Magna, Lex Fundamentalis. E assim fica aquela impressão de que é preciso falar e escrever difícil para ser um bom jurista.
Ao longo do curso, esse “esnobismo” vai se acentuando. As obras jurídicas ou mesmo as palestras de juristas parecem um verdadeiro concurso de demonstração de conhecimento de palavras complicadas. Então, conseguir ler um livro jurídico torna-se um tormento, até que chega o momento em que o estudante se acostuma com as palavras e dispensa o dicionário. A partir daí, esse estudante – que pode ser considerado, agora, um verdadeiro dicionário ambulante, cheio de “data vênia”, “a priori”, “ad causam”, “ex vi”, “outrossim”, “destarte” – continuará o legado de seus mestres, escrevendo e falando em linguagem empolada e orgulhosamente compreendida por apenas um círculo mínimo de pessoas, como se fosse a coisa mais normal do mundo. É um círculo vicioso difícil de quebrar (mas não impossível!).
As frases em latim e as palavras difíceis podem ser consideradas o primeiro banho de água fria no estudante de Direito.
Muitos conseguem ultrapassar tranqüilamente a essa fase de crise vocacional, até porque já existe uma imagem popular que reforça essa necessidade de ser “orador” para ser um bom profissional jurídico. Outros, porém, já nessa fase, desistem, sem saber que existe muita coisa interessante no Direito em que não são necessários brocardos latinos ou verborragia sem sentido.
Como dica para conseguir ultrapassar a essa fase, recomendo que não dêem muita importância à linguagem jurídica logo no início do curso. Acredito que já está havendo muita melhora nos textos jurídicos (não sei se já me acostumei, mas o certo é que vejo muitos livros “fáceis” de ler) e, com um tempo, serão poucos os autores que continuarão fazendo citações em latim e escrevendo difícil.
2. Os Clássicos
Tão logo chegam à faculdade, os estudantes sentem uma saudável necessidade de ler os “clássicos”. Filósofos gregos, pensadores do renascimento e do iluminismo, cientistas políticos modernos, a toda hora querem se aproximar do estudante neófito.
Sempre há um ou outro estudante que carrega consigo um livro de bolso de um autor clássico e você imagina que se não ler vai ficar para trás.
O estudante, sentindo essa necessidade, pensa que será fácil “devorar” esses livros, já que, ao que parece, todos os grandes profissionais do Direito os leram. Porém, logo nas primeiras páginas, percebe que a leitura não será tão simples. “Até que as palavras são compreensíveis”, pensa o aluno, “mas o assunto é chato pra caramba”.
Esse é o segundo banho de água fria do estudante. Ele sente a necessidade de ler os clássicos, tenta ler esses livros, mas não consegue. Alguns até que conseguem, mas após um tremendo esforço.
Na sala de aula, os professores, acertadamente, reforçam a necessidade de ler esses livros. E aí, a crise vocacional surge novamente, já que se imagina que é preciso gostar dos clássicos para ser um bom profissional.
Pois bem. E o que fazer?
Eu seria um irresponsável se dissesse que não é importante ler os clássicos. A base do pensamento atual é toda encontrada nesses autores. Porém, deve-se reconhecer que alguns livros são mesmo difíceis de ler. Não é qualquer um que consegue ler, com gosto, uma obra de trezentas páginas de um filósofo grego, sobretudo nessas impressões mais econômicas com a letrinha miúda.
Por isso, não se desespere se você não gosta de ler os clássicos. Leia-os, mas não imagine que vá encontrar uma leitura tão emocionante quanto um livro de aventura.
Por sinal, há muitos “enlatados” americanos que são bons para o estudante começar a gostar das “tramas” (no sentido bom da palavra) do Direito. Não tenha vergonha de ler, por exemplo, John Grisham, escritor norte-americano que escreveu vários livros que deram origem a filmes holywoodianos, como “A Firma” e “O Dossiê Pelicano”. É lógico que esses livros não ensinam muita coisa útil, especialmente porque o direito americano é diferente do direito brasileiro. Mas só o fato de ler algum tema relacionado com o Direito já ajuda a desenvolver o gosto por essa matéria.
Outro livro bom para começar a gostar do Direito, que já se tornou o livro preferido dos professores de Introdução ao Estudo do Direito, é “O Caso dos Exploradores de Caverna”, de Lon Fuller. É um livrinho pequeno, fácil de ler e que tem tudo para empolgar o aluno.
Dica fundamental: para gostar do Direito é preciso gostar de ler. Se mesmo após ingressar na faculdade de Direito, você ainda não tomou gosto pela leitura, comece com livros fáceis de digerir, como os enlatados americanos antes citados. Pode ler também livros policiais (gosto muito, por exemplo, de Agatha Christie) ou até romances como “O Código da Vinci”, de Dan Brown. Enfim, qualquer leitura é válida. Depois de muitos livros, você perceberá que os clássicos não são tão chatos assim…
3. Excelentíssimo Doutor
O problema do Direito não está apenas nos livros e na linguagem dos profissionais. A forma de tratamento também é intimidadora. Há muita formalidade e frieza entre os profissionais.
Quem assiste pela primeira vez a uma palestra de algum jurista tradicional, ficará assustado com tantos “excelentíssimos” e certamente dormirá antes de o palestrante terminar os cumprimentos de praxe. Assista também a uma sessão de algum tribunal (pode ser até através da TV Justiça) que você tomará um susto com tanta lenga-lenga e pensará que a profissão jurídica é a mais tediosa do mundo.
Não é preciso se assustar com esse tipo de coisa. É natural que ainda existam juristas que valorizem esses protocolos formais, até porque é difícil mudar uma cultura tão antiga. Mas já existem bons palestrantes que estão sendo menos “chatos” e alguns juízes que estão dispensando tanta encenação.
Com relação aos juízes, o problema é um pouco mais sério. De tanto ser bajulado, o juiz acaba se acostumando com tratamentos pomposos e acha que todos devem tratá-los formalmente. Alguns consideram uma afronta serem chamados apenas de “senhor”, exigindo o tratamento “meritíssimo”, “doutor” ou “excelentíssimo”! Quem não se lembra do juiz que ingressou com uma ação judicial para obrigar o porteiro de seu prédio a chamá-lo de doutor? É de se lamentar que ainda existam mentalidades tão pequenas, como se a forma de tratamento fosse um grande sinal de respeito.
Existe, inclusive, uma anedota circulando no meio jurídico que conta que um advogado, cansado de tratar bem um juiz que demorava a julgar seu processo, ao invés de escrever na petição “Excelentíssimo Juiz” escreveu “Esse lentíssimo Juiz”…
Esses tratamentos pomposos, arcaicos, também me fazem lembrar uma fábula poética de La Fontaine:
Um burro carregado de relíquias
Julgava-se adorado.
Nesse pensar se repimpava
Recebendo como seus o incenso e as cantigas.
Alguém se apercebeu do erro, e disse-lhe:
‘Senhor Burro, suprimi do vosso espírito
Uma vaidade tão vã.
Não é a vós, mas sim ao ídolo
Que esta honra é prestada,
E a glória é devida’.
Num magistrado ignorante
É a toga que é saudada.
Pois bem. Como forma de consolo, informo que essa mentalidade também está sendo aos poucos modificada. E cabe a vocês, profissionais do futuro, lutar para que isso seja mesmo mudado.
É justamente por esses formalismos que o povo está cada vez mais se distanciando da Justiça. Os pobres, antes de baterem às portas do Judiciário, costumam fazer filas nas portas dos programas de televisão para tentarem resolver seus problemas. O Ratinho acaba tendo mais credibilidade entre o povão do que os próprios juízes. Será que não está na hora de ser mais moderno e passar a falar a linguagem do povo ou pelo menos uma linguagem mais simples?
4. Dinheiro, dinheiro, dinheiro
Infelizmente, muita gente ingressa no curso de Direito com o objetivo de ganhar dinheiro fácil. Imagina-se que basta ter um diploma e um anel no dedo para se tornar rico. Quem pensa assim será o último a conseguir ter sucesso na profissão, a não ser que já tenha um parente que lhe dê tudo de mão beijada, o que é raríssimo.
O segredo do sucesso no meio jurídico é o amor pelo Direito. Esse amor, algumas raras vezes, vem do berço, mas quase sempre é obtido apenas após muito tempo de estudo e de vivência prática. Há alguns que, desde criança, já sabem que vão ser juízes, advogados ou promotores; outros, somente descobrem sua vocação depois de vários anos de labuta.
O bom profissional do Direito deve, antes de mais nada, amar o Direito. E como diz o Poetinha Vinícius de Moraes, “para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso – para viver um grande amor”.
Não dá para amar sem conhecer. E só se conhece, depois de alguns anos de convivência.
Gostar e, sobretudo, amar o Direito: na minha opinião, esse é o diferencial entre o bom e o mau profissional.
E não precisa se desesperar se você ainda não gosta do Direito. Esse gosto vem naturalmente, depois de muitos anos de decepções e alegrias. Se não vier, aí não tem jeito: você está na profissão errada.
Não se deve escolher o campo de atuação pelo dinheiro que você pode vir a ganhar. Houve um tempo em que quem estudava direito ambiental, por exemplo, era considerado idealista e estava fadado a morrer de fome. Hoje, o direito ambiental é um dos ramos mais promissores.
Há também aqueles que ingressam no curso de Direito por razões ideológicas: o eterno sonho da juventude de querer mudar o mundo e construir uma sociedade mais justa e melhor.
Depois de algum tempo, esses estudantes idealistas acabam se decepcionando, justamente porque o que predomina é a mentalidade da ganância e do dinheiro e acabam se afastando de seus ideais ou desistindo do curso, o que é uma grande pena, pois os idealistas são os mais importantes para o Direito. Para eles imploro que continuem com seus sonhos. Não apaguem nunca a chama da juventude. No Direito, há sim muito espaço para os sonhos. A própria Constituição Federal é um instrumento poderosíssimo para a construção de um Brasil mais justo e solidário. E podem ter certeza de que vocês não estão sós. Há muita gente que acredita no Direito como elemento de mudança social.
Eu mesmo ainda guardo em meu coração uma forte chama de amor à Justiça Social e faço de minha profissão um meio de construir uma sociedade mais fraterna. Digo, com sinceridade, que isso não é conversa para boi dormir, mas é o que sinto e tento pôr em prática na minha missão como juiz e professor.
5. A infinita ignorância
A partir do segundo ano do curso de Direito, ou até um pouco antes, surge uma outra crise vocacional no estudante: a idéia de que não sabe nada.
Quando a pessoa pensa que não sabe de nada, sem ter estudado, significa que não se dedicou o suficiente e perdeu tempo com futilidades ao longo do curso. Se você está nessa situação, pode tomar dois caminhos: ou começa a estudar de verdade, para recuperar o tempo perdido, ou se acomoda com a situação, preferindo ser um profissional medíocre, sempre descontente com seu trabalho, já que você não aprendeu a gostar do Direito.
Quando falo que se deve estudar para recuperar o tempo perdido, não estou defendendo que se tranque em seu quarto e passe dez horas por dia lendo códigos, leis ou outras chatices. Pelo contrário. Não é preciso perder a melhor fase de sua vida trancado com livros cheios de traças. Continue namorando, bebendo, se divertindo, farreando, praticando esportes.
O importante é começar a adquirir uma disciplina para o estudo. Comece a ler as matérias de que você mais gosta. Tente firmar uma meta a longo prazo e crie um senso de auto-responsabilidade.
Desenvolva técnicas de estudo que sejam eficientes para você. Comece a se interessar pelas discussões jurídicas. Isso não é difícil nem é enfadonho, pois há muito debate jurídico interessante. Pesquise e escreva os resultados de sua pesquisa. De preferência, publique o que você escreveu.
Se entre os dois caminhos acima indicados você optou pelo estudo e ainda assim, mesmo depois de muito estudar, você continua pensando que não sabe de nada, maravilha, bom sinal. Você está no caminho certo, pois esse é o segredo do estudo: quanto mais se aprende, menos se sabe. O conhecimento é sempre limitado, enquanto a ignorância é infinita.
6. Na prática, a teoria é outra
Muita gente pensa que não vale a pena estudar a teoria, pois, segundo o ditado popular, “na prática, a teoria é outra”. Dizem que acompanhar o dia a dia nos fóruns é mais importante do que ficar estudando em uma biblioteca.
Não há nada de mais equivocado nesse pensamento. Na verdade, a teoria é tão ou mais importante do que a prática. E, convenhamos, cada coisa em seu tempo…
O estudante, sobretudo aquele que está nos primeiros anos do curso, deve se preocupar em montar uma boa bagagem doutrinária. Somente depois, talvez no segundo ou terceiro ano, mesclando a prática com a teoria, deve partir para o conhecimento prático.
Não adianta pensar em estágio logo no primeiro ano, até porque o choque será tão grande que poderá se tornar traumático para o estudante. É que há muitos estágios que fazem do estudante um verdadeiro “escraviário” e não um estagiário.
É lógico que, nos primeiros estágios, o estudante será quase um “burro de cargas”, realizando tarefas medíocres e mecânicas e ganhando pouco ou nada por esse trabalho infame. Mas isso não precisa durar muito. Não fique muito tempo em estágios que não lhe proporcionem novos conhecimentos. Aliás, é até bom que você mude várias vezes de estágio, até encontrar um que realmente lhe faça crescer.
Quando você se sentir um profissional “genérico”, ou seja, que faz o mesmo trabalho de seu “orientador” por um preço bem mais baixo, é sinal que você está no caminho certo, pois pelo menos está fazendo um trabalho mais nobre. Nesse momento, você já pode caminhar com as próprias pernas e pensar em algo maior.
7. Escolhi direito ou escolhi errado?
Ao final deste texto, talvez você se sinta mais tranqüilo, mas ainda assim esteja em dúvida quanto à sua escolha. “Escolhi direito ou escolhi errado?”, você deve estar pensando em trocadilhos…
Como o curso de Direito se tornou “modismo”, é natural que muitos que ingressam nesse mundo não tenham mesmo vocação para qualquer profissão jurídica. E pode ter certeza: ao longo do curso, várias crises vocacionais lhe acompanharão. Tente apenas não se desesperar. Quase todos sentem a mesma coisa.
Finalmente, para concluir, sugiro que você não dê muita importância às minhas palavras, pois elas representam apenas uma das múltiplas formas de ver o Direito. E o estudante do Direito deve ter como lema não aceitar passivamente os argumentos que ouve ou que lê. A visão crítica é a principal característica de um profissional do Direito. Nunca se satisfaça com uma única maneira de ver qualquer questão. Construa sua própria capacidade de pensar e de tomar decisões. Faça você mesmo a sua história. Já dizia Geraldo Vandré, “quem sabe faz a hora não espera acontecer”.
Por George Marmelstein Lima
Fonte: direitosfundamentais net