Benefício familiar: licença-paternidade ampliada é mudança de paradigma social

goo.gl/YlV2ho | A ampliação da licença-paternidade para além dos cinco a 20 dias garantidos por lei é um avanço que beneficia a própria família e a sociedade. Mais que um direito a trabalhadores que se tornaram mães e pais, o afastamento é, também, um direito à criança, cujos cuidados dependem de um adulto e estão na Constituição como prioridade absoluta.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O relatório Situação da Paternidade no Brasil, de 2016, aponta um estudo do Instituto Papai em que 50,7% dos homens entrevistados não tiraram licença-paternidade depois do nascimento do último filho. Desses, 31,4% afirmaram que não tiveram permissão no trabalho para o afastamento e 27,6% não conheciam esse direito.

Pela legislação brasileira, o trabalhador que se torna pai tem direito a cinco dias consecutivos de licença sem prejuízo na remuneração. O período é 24 vezes menor que o destinado às mulheres, que podem ficar 120 dias afastadas.

Embora o Brasil ainda tenha um longo caminho a percorrer nesse sentido, alguns passos promissores já foram dados. O Marco Legal da Primeira Infância, sancionado pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2016, criou o Programa Empresa Cidadã, que concede mais 15 dias de licença aos pais, além dos cinco já garantidos. Somente empresas cadastradas nesse programa, porém, é que podem oferecer o benefício aos funcionários.

De acordo com o relatório sobre paternidade, o envolvimento do pai de forma afetuosa e ativa tem grande potencial para contribuir com mudanças positivas em diversos aspectos da vida de cada integrante da família. Soma-se a isso a construção de divisão de cuidados da criança e da casa entre homens e mulheres.

"Ao garantir que o pai esteja lá, a legislação transmite uma mensagem de mudança de paradigma da sociedade e de igualdade de papéis que é superpositiva e complementar nas referências e formação das crianças", diz Guilherme Perisse, advogado do programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana.

Novo olhar. Algumas empresas foram além e oferecem, por conta, um período maior. Na Johnson & Johnson Brasil, os funcionários têm direito a 40 dias úteis de licença-paternidade desde o dia 22 de maio. Porém, é obrigatória a retirada de 20 dias corridos após o nascimento ou adoção da criança. Os demais dias podem ser retirados quando o pai quiser, desde que seja ao longo do primeiro ano de vida ou de adoção.

A nova política também vale para casais do mesmo sexo. "Estamos orgulhosos de estar na vanguarda da condução do tipo de mudança necessária para alinhar as políticas de local de trabalho com as realidades da família do século 21", diz Guilherme Rhinow, diretor de Recursos Humanos da Johnson & Johnson do Brasil.

"A sociedade está percebendo que essa diferenciação entre paternidade e maternidade não faz muito sentido e as licenças ampliadas são um exemplo claro desse avanço", diz Perisse. O advogado lembra que, até a Constituição de 1988, a licença-paternidade era de um dia, pois se acreditava que o papel do pai era apenas de registrar a criança.

O diretor associado de estratégia da J&J Brasil, Guilherme Coelho, de 35 anos, é um dos 6 mil funcionários brasileiros que vão se beneficiar com a nova política da empresa. Prestes a ter filhas gêmeas e sendo pai de um menino de quase 3 anos, a notícia trouxe alívio para a família. Ele conta que a esposa nem acreditou e ficou mais tranquila. Por ser autônoma, ela não pôde deixar de trabalhar após a primeira gestação e voltou à atividade em menos de três meses.

"Da minha parte, vai ser fantástico estar presente nessa fase inicial que passa tão rápido. Com meu primeiro filho, fiquei uma semana em casa e, em seguida, passei uma semana fora do País a trabalho. Não foi fácil ver meu filho só por Skype", conta Coelho. "Embora a gente já tenha a experiência do primeiro filho, não sabemos como será com duas, mas eu quero estar presente", declara.

Exceções. O jornalista Rodrigo Gomes, de 32 anos, contou com a compreensão dos chefes e do departamento de Recursos Humanos para ter mais do que os cinco dias de licença oferecidos pela empresa onde trabalha. "Eu vinha dialogando com os chefes para poder ficar mais tempo em casa quando minha filha nascesse. A gente tinha a meta de compartilhar o cuidado dela o máximo de tempo possível. Meu chefe e o RH não fizeram objeções", disse.

O acordo foi adiar as férias que estavam prestes a vencer e somar com horas acumuladas de trabalho. Quando Sofia nasceu, em novembro de 2015, Rodrigo ficou 45 dias em casa, o que, segundo ele, "foi fundamental para nós três".

"A gente nunca imaginou a quantidade de trabalho que dava cuidar de uma criança, todas as noites mal dormidas, as tarefas sem fim, mais o cotidiano da casa", declara. Para ele, a empresa também saiu no benefício. "Eu não teria condições de trabalhar pleno naquele momento. Quando voltei, estava bastante animado por ter sido compreendido", afirma.

Mas nem sempre a ampliação da licença-paternidade é compreendida, mesmo em casos mais delicados. Neste mês, um servidor público do Distrito Federal conseguiu 180 dias de licença-paternidade depois de uma decisão judicial. Em abril, ele apresentou um pedido administrativo de licença equiparada a fim de cuidar do filho, cuja mãe morreu 21 dias após o parto.

A princípio, o governo do DF negou o pedido, alegando que "não há previsão legal" para o caso, conforme informou ao E+ a Procuradoria-Geral do município. Mas a juíza substituta da 1ª Vara de Fazenda Pública do Distrito Federal concedeu a medida de urgência solicitada pelo pai.

A decisão, porém, não é definitiva e cabe recurso. Questionada se o governo iria recorrer, a Procuradoria disse que sim. No Distrito Federal, os servidores públicos têm direito a 30 dias de licença-paternidade quando se tornam pais. O período varia pelo Brasil de acordo com o Estado e o órgão.

Por Ludimila Honorato
Fonte: emais estadao
Anterior Próxima