Durou quase 12 horas a audiência de instrução realizada na Comarca de Três Passos para ouvir testemunhas no processo criminal que apura a morte de Bernardo Uglione Boldrini. Inicialmente, o Juiz de Direito Marcos Luís Agostini determinou a inquirição de 33 testemunhas, sendo 11 de acusação e 22 de defesa. Entretanto, apenas quatro pessoas foram ouvidas, devido ao tempo de duração dos depoimentos.
Atuaram pelo Ministério Público os promotores Silvia Jappe e Leandro Capaverde Pereira. Na Assistência de Acusação, o Advogado Marlon Taborda.Inquérito policial
Duas delegadas de Polícia foram arroladas pelo Ministério Público como testemunhas de acusação. A primeira delas, que presidiu o inquérito policial que indiciou Leandro Boldrini, Graciele Ugulini, Edelvânia Wirganovicz e Evandro Wirganovicz pelo crime de homicídio e ocultação de cadáver, falou por quase cinco horas. No extenso depoimento, que começou às 10h e foi até por volta das 14h40min, a delegada reiterou os motivos que a levaram a indiciar os réus. Ela fez um relato sobre as investigações, desde a ida à escola em que Bernardo estudava até a conversa com a família e a suspeita de que o pai e a madrasta estavam envolvidos no sumiço da criança.
A delegada também citou os principais depoimentos que foram decisivos para as investigações. Como o de uma amiga de Graciele que relatou que a madrasta de Bernardo ameaçava deixar Leandro por causa do filho dele. Ela dizia que ele (Leandro) teria que escolher entre ela e Bernardo. A amiga também relatou à delegada que o plano do casal seria sumir com o guri e, uns três ou quatro dias depois, darem conta do desaparecimento dele.
Laudo pericial apontou que a criança foi morta em 4/4, dia do seu desaparecimento. Também indicou que haviab Midazolam no estômago da vítima. Quanto ao uso desse medicamento, a delegada disse que investigou nas farmácias de Frederico Westphalen e constatou que Edelvânia comprou o remédio com uma receita assinada pelo médico Leandro Boldrini. Uma funcionária da clínica do réu informou que deu falta de algumas ampolas da substância. Solicitamos à pericia que nos informassem, conforme o peso, a altura e a idade de Bernardo, se uma superdosagem de midazolam poderia matá-lo e nos foi informado que sim. Que 10 ml do medicamento seriam suficientes, detalhou.
Vídeos
A titular da Delegacia de Polícia de Três Passos também destacou a existência de um vídeo gravado no celular de Leandro (que havia sido apagado, mas as imagens foram recuperadas por peritos), que considerou chocante, onde Graciele ameaça Bernardo. O guri aparece gritando por socorro e afirmando que seria morto pelo pai e pela madrasta. Dizia também que tinha sido agredido e que tinha marcas pelo corpo. Segundo a policial, Graciele aparece dizendo: Vamos ver quem vai para baixo da terra primeiro. Tu vai ter o mesmo fim da tua mãe, destacou a policial. Esse vídeo teria sido feito em agosto do ano passado.
Em outra gravação feita pelo celular de Leandro, o menino teria em mãos um facão que teria sido dado pelo pai e, em seguida, retirado das mãos da criança, como se esse o estivesse ameaçando. Leandro foi até a Delegacia e mostrou essas imagens, com a intenção de ¿se precaver¿, segundo ele. O policial que o atendeu disse que esse não era o comportamento de um pai, pois ele estava instigando a violência no filho. A delegada enfatizou que, das mais de cem pessoas que ouviu durante as investigações, nenhuma descrevia Bernardo como agressivo. Mas sim como uma criança calma, carinhosa, carente de afeto, disse a testemunha.
Apontados como mentores
No relato, a delegada disse que Graciele usava as roupas da mãe de Bernardo e que ele era proibido de falar nela dentro de casa. Leandro dizia tua mãe te deixou, o que seria de ti sem mim.
A delegada confirmou também considerar Leandro e Graciele os mentores do crime, apontando os elementos de sua convicção: Desde o início, eles forjaram um álibi de ¿família perfeita¿, contradizendo os relatos. Leandro mascarou o ódio de Graciele por Bernardo. Ele estava despreocupado em procurar o guri. Quando ligou para a rádio (Farroupilha) do domingo à noite para relatar o sumiço do filho, se referiu a ele como ¿esse menino morava com a nossa família¿. A compra do midazolam com receita assinada por Leandro. E nos chamou a atenção o fato deles nunca irem atrás do menino quando ele saía e, desta vez, resolveram procurá-lo para demonstrar preocupação.
Para a delegada, o casal tinha certeza de que não seria pego. Para a titular do inquérito policial que investigou a morte de Bernardo, ficou claro que Leandro queria tanto quanto Graciele se livrar do garoto. Mas que o médico não queria meter a mão na massa, deixando para Kelly a execução do crime.
A defesa de Leandro Boldrini levou quatro malas e dois sacos plásticos cheios de roupas e sapatos de Bernardo, confrontando as afirmações da autoridade policial de que o menino andava mal vestido e dependia de doações de terceiros.
O advogado de Evandro questionou sobre os fatos que levaram a delegada a indiciar o irmão de Edelvânia. Argumentou que poucas vezes ele foi citado pelas testemunhas, que a irmã dele tinha calos nas mãos (e, por isso, poderia ter sido ela a pessoa que cavou o buraco onde Bernardo foi enterrado) e que o detector de mentiras a que o acusado foi submetido apontou para um resultado inconclusivo.
A delegada lembrou que uma testemunha viu o carro de Evandro próximo ao local onde estava o corpo e que a mesma anotou o número da placa e ligou para a Brigada Militar para confirmar a quem pertencia o veículo. Isso teria ocorrido na quarta-feira, dois dias antes do crime. Ele se esquivou para ir na Delegacia. A mulher dele também suspeitou e ele não negou para ela, só chorou, relembrou.
A outra delegada, cujo depoimento encerrou o dia de oitivas, também deu detalhes das investigações, das análises das escutas telefônicas e do relato das testemunhas. Toda a história leva a crer que Bernardo era um estorvo na vida do casal, afirmou.
Carência afetiva
Em seguida, por volta das 14h45min, o ginecologista amigo de Leandro passou a testemunhar. O depoimento dele foi até próximo das 15h30min. No relato, o médico contou que fez o parto da filha de Graciele e afirmou conhecer bem Leandro, mas não tinha muito contato com Bernardo. Ele contou que a esposa, psicóloga especialista em terapia familiar, atendeu o menino algumas vezes e deu o diagnóstico para Leandro: Bernardo não tinha nenhum problema psicólogico, era uma carência afetiva, afirmou o ginecologista.
Graciele teria levado o menino nas primeiras sessões, mas depois ele passou a ir sozinho. Depois do desaparecimento do garoto, a testemunha conta que visitou Leandro duas vezes, mas que observou a falta de emoção do colega: Ele não demonstrou nenhuma emoção. Não parecia um pai abalado pelo desaparecimento do filho. Contou ainda que Leandro, mesmo com o filho desaparecido, continuou trabalhando e, inclusive, fez cirurgias.
O ginecologista descreveu Leandro Boldrini como um médico dedicado e excelente profissional.
"Bernardo fazia tudo sozinho"
A dentista que atendia Bernardo também testemunhou. Ela contou que o garoto ia com frequência ao seu consultório, sempre sozinho. Ela explicou que o menino precisava usar um aparelho dentário extensor e que isso iria requerer a ajuda de um adulto, devido à necessidade de higienização correta da boca. A dentista foi procurar Leandro e a resposta foi negativa: Ele disse para que eu achasse outra solução porque não teria como, afirmou a dentista ao ressaltar que Leandro concordava com a rigidez de Graciele com o menino, porque esse precisava de disciplina.A testemunha afirmou que via o médico como uma pessoa superocupada, sem tempo para a casa e para a família. Bernardo fazia tudo sozinho, não tinha ajuda, frisou.
Ela pensou, então, pedir a cooperação de Graciele. E ele respondeu que não havia essa chance. Mesmo assim, a dentista foi procurar a madrasta de Bernardo e pedir ajuda dela para o tratamento. Ela falou muito mal dele. Disse que ele era relaxado e que ficava dias sem escovar os dentes.
Percebendo a solidão da criança, a dentista disse que o aconselhava a ficar mais em casa e aproveitar a família, mas Bernardo fugia do assunto. Ele dizia que o pai não tinha tempo para ele porque estava salvando vidas.
Próximos passos
As sete testemunhas de acusação que não foram ouvidas hoje irão depor no próximo dia 8/9, às 9h, no Foro de Três Passos. Ao todo, 77 pessoas foram arroladas pelo Ministério Público, autor da ação, e pelas defesas dos quatro acusados. Algumas delas serão ouvidas através de carta precatória (quando residem em outra Comarca).
Já há data definida para a inquirição de testemunhas em Coronel Bicaco (3/9), Tenente Portela (4/9), Rodeio Bonito (9/9) e Frederico Westphalen (11/9). Haverá cartas precatórias sendo cumpridas também em Campo Novo, Santo Augusto, Palmeira das Missões, Ijuí, Santo Angelo, Porto Alegre e Florianópolis (SC).
O réu Leandro Boldrini, a pedido da defesa, não estará presente em nenhuma das audiências em que serão ouvidas as testemunhas. Edelvânia acompanhará as oitivas em Três Passos, Frederico Westphalen e Rodeio Bonito. Já Evandro, estará presente nessas duas últimas. Graciele não deverá acompanhar a audiência do dia 8/9, em Três Passos.
Fonte: tjrs.jus.br