No que se refere a evolução e conceito dos três poderes, pode-se afirmar que a sociedade vivenciou períodos distintos de prevalência entre as diferentes esferas de atuação estatal: Executivo, Legislativo e Judiciário. Retire-se deste fato a vetusta utilização do poder Moderador, mecanismo imperial alocado na Constituição de 1824 com a finalidade de conferir ao Imperador o controle sobre os demais poderes.
Sem dúvida alguma estamos vivenciando o período de prevalência do Poder Judiciário. A sociedade enxerga no Magistrado o guru espiritual para a resolução dos problemas, frente ao desprestígio do Poder Legislativo e pouco contato direto com a sociedade, por parte do Poder Executivo.
Com a evolução social o número de conflitos no meio aumentou significativamente, forçando uma atualização e aperfeiçoamento dos mecanismos legislativos de regulação da sociedade. Todavia, em grande parte, houve uma verdadeira ineficácia da legislação especificamente na parte de tratamento preventivo dos conflitos, bem como na instituição de instrumentos de resolução antecipada.
Um exemplo concreto e de simples percepção é o Código de Defesa do Consumidor. Talvez, salvo o texto constitucional, o CDC seja a legislação mais perfeita, do ponto de vista técnico e jurídico, que o brasileiro possui. Este diploma normativo elenca uma série de prerrogativas materiais e processuais finalisticamente direcionadas à preservação da isonomia nas relações de consumo. Os postulados elencados nesta lei são de uso no seio social, antes mesmo de existir o conflito, mas com a finalidade de previní-los.
Infelizmente, o que vemos cotidianamente na sociedade é a utilização exclusiva das normas, inclusive do CDC, no seio de uma relação processual. O manejo dos princípios - normas de maior grau de generalidade e aplicação volátil - é perpretado em meio a defesa de teses jurídicas na relação entre as partes e o Juiz. Será que ninguém percebe que a utilização destas normas pode ser efetivada em relações extraprocessuais? A vulnerabilidade, a proteção integral, a boa-fé objetiva, a dignidade da pessoa humana, são elementos utilizáveis no mundo desburocratizado da realidade.
Daí, alavanca-se uma enxurrada de processos e mais processos tratando do mesmo assunto, as empresas, o Estado e os próprios indivíduos continuam a cometer os mesmos erros e buscar as mesmas formas de resolução: sempre no Poder Judiciário. Não é a toa que o Supremo tribunal Federal, guardião da constituição, corte de interpretação constitucional, tornou-se mais que isso, um órgão estatal de consulta e decisões, muitas vezes políticas, de onde a sociedade apenas assiste e torce de acordo com os interesses do grupo dominante.
Um bom exemplo, bem elucidativo desta constatação, foi o recente julgamento do RE 603583, que discutia a constitucionalidade do Exame de Ordem. Desconsiderando a decisão do STF, seria necessário uma manifestação do Judiciário para que se reconhecesse a necessidade de maior fiscalização dos cursos de Direito em todo o país, bem como da maior participação da sociedade na elaboração dos Exames, além de sua correção? E assim se questiona, pois o voto do Ministro Luiz Fux foi, de certa forma, surpreendente para muitos:
"Parece plenamente razoável que outros setores da comunidade jurídica passem a ter assento nas comissões de organização e nas bancas examinadoras do exame de Ordem, o que, aliás, tende a aperfeiçoar o certame, ao proporcionar visão mais pluralista da prática jurídica"
O exame do bom senso seria suficiente para reconhecer esta falha em nosso sistema de ensino.
O abismo que separa a nossa legislação da nossa realidade não é descoberta do Poder Judiciário, qualquer cidadão pode ver isto. Mas, quando da promoção de qualquer ação judicial, ninguém ressalta que determinada empresa, que o Estado, ou mesmo que qualquer indivíduo não lesionou tão somente um interesse particular, mas lesionou a própria sociedade, o bem comum.
Ademais, é inegável que um processo, por vezes, muito mais que meio de resolução de conflitos, funciona apenas como uma abstração, ou ilusão da própria resolução. A ação judicial arrasta-se por meses e anos sem uma decisão, mas é julgada em um momento, possivelmente quando o desfrute da prestação jurisdicional, já exaurida, agoniza por um fim, apenas um fim, sem qualquer efeito prático.
O Poder Judiciário como ultima ratio de resolução dos conflitos da sociedade ainda é um elemento utópico em nosso Estado Democrático de Direito, o que gera indesejáveis sequelas em nosso ordenamento jurídico, tais como: inflação legislativa, conflito de leis tratando do mesmo tema, leis assistemáticas etc. Agora, ninguém duvida que a legislação, quando editada, funciona como regulamentação das relações sociais, assim, em sua essência, há uma busca incansável da prevenção dos conflitos entre os cidadãos, bem como entre estes e as entidades estatais. A errônea interpretação desta função legislativa direcionam os nosso poderes ao exercício equivocado, por vezes proposital, de sua funções.
Quando se fala nesta problemática, creio eu, atribui-se a maior responsabilidade ao próprio cidadão, que permanece inerte, movendo-se unicamente na defesa de seus interesses exclusivos e esquecendo que aquilo é apenas um acontecimento, um elemento de um conjunto infindável de atritos.
Desde que iniciei o exercício da advocacia percebo que a tentativa de resolução amigável dos conflitos esbarra sempre no preconceito da falcatrua e do engano. As pessoas tem em mente um “passar a perna” generalizado, sem observar, que o advogado também é um solucionador de conflitos: todos nós somos.
O desprestígio dos profissionais, o desprestígio de suas meras ilusões em tentar melhorar a sociedade, o nosso meio, em inculcar a cidadania na mente dos indivíduos, ou mesmo aperfeiçoar o conceito de cidadão esbarra sempre em uma submissão constante do bom senso ao conflito.
Por Melquíades Soares
Fonte: direitojusticaerealidade.blogspot.com.br
Sem dúvida alguma estamos vivenciando o período de prevalência do Poder Judiciário. A sociedade enxerga no Magistrado o guru espiritual para a resolução dos problemas, frente ao desprestígio do Poder Legislativo e pouco contato direto com a sociedade, por parte do Poder Executivo.
Com a evolução social o número de conflitos no meio aumentou significativamente, forçando uma atualização e aperfeiçoamento dos mecanismos legislativos de regulação da sociedade. Todavia, em grande parte, houve uma verdadeira ineficácia da legislação especificamente na parte de tratamento preventivo dos conflitos, bem como na instituição de instrumentos de resolução antecipada.
Um exemplo concreto e de simples percepção é o Código de Defesa do Consumidor. Talvez, salvo o texto constitucional, o CDC seja a legislação mais perfeita, do ponto de vista técnico e jurídico, que o brasileiro possui. Este diploma normativo elenca uma série de prerrogativas materiais e processuais finalisticamente direcionadas à preservação da isonomia nas relações de consumo. Os postulados elencados nesta lei são de uso no seio social, antes mesmo de existir o conflito, mas com a finalidade de previní-los.
Infelizmente, o que vemos cotidianamente na sociedade é a utilização exclusiva das normas, inclusive do CDC, no seio de uma relação processual. O manejo dos princípios - normas de maior grau de generalidade e aplicação volátil - é perpretado em meio a defesa de teses jurídicas na relação entre as partes e o Juiz. Será que ninguém percebe que a utilização destas normas pode ser efetivada em relações extraprocessuais? A vulnerabilidade, a proteção integral, a boa-fé objetiva, a dignidade da pessoa humana, são elementos utilizáveis no mundo desburocratizado da realidade.
Daí, alavanca-se uma enxurrada de processos e mais processos tratando do mesmo assunto, as empresas, o Estado e os próprios indivíduos continuam a cometer os mesmos erros e buscar as mesmas formas de resolução: sempre no Poder Judiciário. Não é a toa que o Supremo tribunal Federal, guardião da constituição, corte de interpretação constitucional, tornou-se mais que isso, um órgão estatal de consulta e decisões, muitas vezes políticas, de onde a sociedade apenas assiste e torce de acordo com os interesses do grupo dominante.
Um bom exemplo, bem elucidativo desta constatação, foi o recente julgamento do RE 603583, que discutia a constitucionalidade do Exame de Ordem. Desconsiderando a decisão do STF, seria necessário uma manifestação do Judiciário para que se reconhecesse a necessidade de maior fiscalização dos cursos de Direito em todo o país, bem como da maior participação da sociedade na elaboração dos Exames, além de sua correção? E assim se questiona, pois o voto do Ministro Luiz Fux foi, de certa forma, surpreendente para muitos:
"Parece plenamente razoável que outros setores da comunidade jurídica passem a ter assento nas comissões de organização e nas bancas examinadoras do exame de Ordem, o que, aliás, tende a aperfeiçoar o certame, ao proporcionar visão mais pluralista da prática jurídica"
O exame do bom senso seria suficiente para reconhecer esta falha em nosso sistema de ensino.
O abismo que separa a nossa legislação da nossa realidade não é descoberta do Poder Judiciário, qualquer cidadão pode ver isto. Mas, quando da promoção de qualquer ação judicial, ninguém ressalta que determinada empresa, que o Estado, ou mesmo que qualquer indivíduo não lesionou tão somente um interesse particular, mas lesionou a própria sociedade, o bem comum.
Ademais, é inegável que um processo, por vezes, muito mais que meio de resolução de conflitos, funciona apenas como uma abstração, ou ilusão da própria resolução. A ação judicial arrasta-se por meses e anos sem uma decisão, mas é julgada em um momento, possivelmente quando o desfrute da prestação jurisdicional, já exaurida, agoniza por um fim, apenas um fim, sem qualquer efeito prático.
O Poder Judiciário como ultima ratio de resolução dos conflitos da sociedade ainda é um elemento utópico em nosso Estado Democrático de Direito, o que gera indesejáveis sequelas em nosso ordenamento jurídico, tais como: inflação legislativa, conflito de leis tratando do mesmo tema, leis assistemáticas etc. Agora, ninguém duvida que a legislação, quando editada, funciona como regulamentação das relações sociais, assim, em sua essência, há uma busca incansável da prevenção dos conflitos entre os cidadãos, bem como entre estes e as entidades estatais. A errônea interpretação desta função legislativa direcionam os nosso poderes ao exercício equivocado, por vezes proposital, de sua funções.
Quando se fala nesta problemática, creio eu, atribui-se a maior responsabilidade ao próprio cidadão, que permanece inerte, movendo-se unicamente na defesa de seus interesses exclusivos e esquecendo que aquilo é apenas um acontecimento, um elemento de um conjunto infindável de atritos.
Desde que iniciei o exercício da advocacia percebo que a tentativa de resolução amigável dos conflitos esbarra sempre no preconceito da falcatrua e do engano. As pessoas tem em mente um “passar a perna” generalizado, sem observar, que o advogado também é um solucionador de conflitos: todos nós somos.
O desprestígio dos profissionais, o desprestígio de suas meras ilusões em tentar melhorar a sociedade, o nosso meio, em inculcar a cidadania na mente dos indivíduos, ou mesmo aperfeiçoar o conceito de cidadão esbarra sempre em uma submissão constante do bom senso ao conflito.
Por Melquíades Soares
Fonte: direitojusticaerealidade.blogspot.com.br