Desculpa, mas quem foi que disse, mesmo, que alguém merecia? Mais da metade da população brasileira[1]? De acordo com quem? Ah, segundo o IPEA? Bem, então só pode ser verdade. Portanto, em bom internetês, “bóra” tirar a blusa e fazer campanha nas redes sociais[2]!
Mas nem só de topless viverão as redes. Diversos internautas tentaram manter o sangue frio e dedicaram um olhar mais demorado para os quesitos propostos na pesquisa do IPEA: - “Calma, não queimem seus soutiens ainda; os dados estão manipulados porque a pesquisa é tendenciosa”[3].
E para surpresa geral da Nação, em 4 de Abril de 2014, o IPEA não atacou a questão da consolidação, mas comunicou ter cometido um equívoco numérico: os 65% (sessenta e cinco por cento), na verdade, eram 26% (vinte e seis por cento) ou 2.820 entrevistados. Ainda uma quantidade significativa de pessoas, mas, convenhamos, em torno de 1/3 (um terço) do primeiro panorama. Ainda que uma única resposta “sim” já me surpreenda, o fato é que, com 26% (vinte e seis por cento), não se aprovaria sequer uma reforma de condomínio.
A retificação oficial demorou uma semana, mas era um pouco tarde para alguns internautas menos pudicos, que a essa altura já tinham mostrado bem mais do que um cartaz sobre o peito. E a #eunaomerecoserestuprada ganhara suporte até mesmo no Palácio do Planalto.
Cenário 2 – 19-Setembro-2014: - “O IBGE vem a público, por meio desta nota, informar que foram verificados erros nos resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2013, após a sua divulgação, ontem (18/09/2104)[4]”.
E para nossa alegria, após esse comunicado, toda a tristeza e revolta social que sentimos “por causa exclusivamente” do resultado da pesquisa do dia 18 caiu por terra. Agora, desde o dia 19, já podemos nos alegrar: os números provam (e números não mentem, certo?) que as riquezas estão distribuídas de maneira mais justa, menos concentrada; e o Brasil está menos desigual, desde 2012. E não precisava nem ter dito, afinal, “todo brasileiro pode afirmar que tem mais comida na mesa e que a saúde está melhor no país”.
Cidadãos chocados, mídia inflamada. E com razão. Em menos de 6 (seis) meses, os dois institutos públicos de pesquisa de maior relevância no Brasil divulgaram importantes consolidação de dados sociais contendo erros crassos na totalização dos números.
Mas se em ambos os casos, os erros foram retificados “para melhor”, por que não estamos felizes? Seriamos nós um bando de insatisfeitos?
A desigualdade de renda caiu; e se você usar um tomara que caia “somente” 26% dos entrevistados acreditam que você deve ser punido com estupro (isso se admitirmos que a ideologia social realmente pode ser consolidada nesse indicador). Então, por que a pulga atrás da orelha continua coçando? Vejamos algumas respostas empiricamente plausíveis.
- Porque o IBGE e o IPEA são institutos do Governo, que recebem pesquisas encomendadas pelo Governo e que totalizam os dados do Governo.
O IBGE e o IPEA são fundações públicas federais, “fundações institutos” atreladas por força da Constituição Federal aos ministérios de maior relevância para o Governo Federal.
Criadas há mais de 6 décadas, ambas foram instituídas inicialmente com a nobre missão de mapear o país, de demonstrar a realidade nua e crua dos números brasileiros.
O regimento interno do IBGE é aprovado pelo Ministério do Planejamento[5]. O IPEA é diretamente ligado à Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governo Federal.
As atribuições do IBGE são notoriamente conhecidas e se repartem entre os seus diversos órgãos componentes, dos quais se destaca a missão de consolidar a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).
Já o IPEA, para quem não está familiarizado, tem por missão fundamental receber os pedidos de pesquisa do Governo Federal, para averiguar eventuais deficiências em setores sociais, da economia, do desenvolvimento. E também para constatar as benesses (ou não!) conquistadas por políticas públicas já implementadas pelo Governo, para demonstrar que as metas foram (ou não!) atingidas. E coisas do estilo.
Não estou dizendo que as pesquisas sejam "encomendadas", no sentido depreciativo da expressão. Toda fundação é instituída obrigatoriamente com uma finalidade. E a finalidade do IPEA, de acordo com eles mesmos, é produzir atividades de pesquisa que "fornecem suporte técnico e institucional às ações governamentais para a formulação e reformulação de políticas públicas e programas de desenvolvimento brasileiros"[6].
E já que o assunto gira em torno de fundações públicas federais, mais do que nunca é legítimo abordarmos um tema ultrassensível vinculado à gestão pública como um todo: Transparência!
Sim, é não apenas desejável, mas imperativo que existam institutos oficiais responsáveis por averiguar a quantas anda o resultado das políticas publicas e, assim, dimensionando o caos e apontando a direção certa para propostas sócio-políticas de cunho curativo. Mas o que mais nós queremos? Transparência! Ética na tecnicidade metodológica. Um verdadeiro mapa do Brasil.
E neste caso, ainda muito mais grave, estamos falando de transparência de dados, na constatação dos resultados das diversas políticas aplicadas no país com as verbas previstas no orçamento e cujas diretrizes nascem dos programas políticos que, em última análise, são escolhidos juntamente com os governantes eleitos pela maioria dos votantes.
Eu não posso falar por todos, mas falo por mim. E eu sou absolutamente a favor da proteção das garantias constitucionais. Uma vez eleito o governante, estamos todos no mesmo barco. Vazamentos levam todos ao naufrágio. Por isso, qualquer que seja o partido que esteja governando a Nação, o Estado ou o Município: eu sou a favor da destinação responsável de verbas públicas para a redução (e, quiçá, da eliminação) das diferenças de gênero e das minorias e da desigualdade social. Eu sou a favor da Lei Maria da Penha, parabenizo o governo por sua edição e, inclusive, escrevi dois livros referentes ao tema e comemoro os avanços que o Brasil tem conquistado nessa área, ainda que reconheça que existe muito a ser feito. Eu trabalho para que isso seja verdade e acredito, que você, caro leitor, onde quer que esteja inserido no mercado de trabalho, também busca promover a paz social nas relações da sua empresa ou profissão.
A questão é que uma boa prática da administração é averiguar se as medidas implementadas estão mesmo funcionando. Ou se elas se prestam unicamente a reafirmar o ponto de vista de um programa político-ideológico. E se os gráficos demonstrarem que não, a próxima boa prática de responsabilidade social (estatal ou empresarial) é buscar soluções, ainda que isso implique mudança de rumos.
- Porque há pelo menos três mandatos existe suspeita de manipulação dos índices de desenvolvimento humano no país.
Em um dos momentos mais inesquecíveis da sucessão presidencial de 2002, o candidato da oposição sobe ao palanque e emociona as multidões, recordando a dor do fato de sua mãe ter “nascido analfabeta”. E o mais interessante é que esse argumento, segundo ele, servia de credencial para seus intentos presidenciáveis. Atualmente, a história se repete e a carta das raízes humildes tem sido colocada na mesa.
É evidente que é fantástico que uma pessoa de origens humildes (e com todas as chances naturalmente contra ela) manifeste seu potencial e alcance grandes conquistas. Mas nem por isso precisamos entregar o cetro e a coroa para ela. Nem por isso essa pessoa está gabaritada a receber o cetro. Pode até estar, mas não porque sua mãe “nasceu analfabeta” ou por causa da matéria prima do berço em que foi embalada, seja ele de ouro ou de papelão.
É plausível supor que essa pessoa tenha maior empatia pelo sofrimento alheio e tenha uma vocação interior para a justiça social. Ou não; pode ser que o cinismo e o sentimento de alienação tenha dominado sua psique. Isso só pode ser investigado caso a caso. O que não é plausível é estruturar uma campanha eleitoral com base nesse tipo de argumentos. E, ainda mais grave, estruturar toda a ideologia e práticas de governo e inflamados discursos nas Nações Unidas e locais que a valha, em um eterno palanque de comício.
A falecida ex-primeira dama Ruth Cardoso implementou projetos sociais estruturados em contrapartida pedagógica para o desenvolvimento humano. O Bolsa Escola, por exemplo, era um programa que redistribuía renda, mas que fiscalizava se as famílias mantinham seus filhos de tal e tal faixa etária matriculados e frequentando a sala de aula. Educação para uma futura emancipação.
São inegáveis os avanços sociais dos Governos Lula e Dilma, que certamente expandiram e muito o número de “bolsas” e numericamente ampliaram a redistribuição de renda, diminuindo a desigualdade social, ainda que instantaneamente. Mas será que a desigualdade foi real e sustentavelmente reduzida?
Bem... Você sabia que para receber determinados investimentos advindos do exterior, a reputação do país é medida por seu ranking de IDH? A solução? De acordo com muitos críticos, a solução adotada pelo país na última década e meia foi sofismar estatisticamente, manipulando os índices de desenvolvimento humano no país. Apesar de que, infelizmente, no último mês têm sido escrachadas na mídia as significantes perdas do Brasil em indicadores sociais de toda sorte e natureza. Por exemplo, veja essa chocante informação, no link citado em rodapé[7].
O problema é a geração artificial de renda, sem garantir que o destinatário da benesse se liberte da futura escravidão do assistencialismo. O que desperta muitas críticas é a ideologia dessas políticas públicas que, em resumo, daria “bolsa presidiário” para o filho do estuprador da moça da minissaia que “mereceu a agressão”.
- Porque a crítica que se faz é que o Governo não está efetivamente tirando as pessoas da linha da pobreza. Ele está apenas "movendo a linha mais pra lá". A linha anda mais para a frente, enquanto a realidade do desenvolvimento humano retrocede.
Os índices de consumo são artificializados por meio de incentivos ao superendividamento. Aquilo que deveria ser uma política pública de redistribuição de renda fica desatrelada de uma contrapartida educacional e a necessária busca por igualdade, fraternidade e efetiva promoção de oportunidade de desenvolvimento humano vêm tão disfarçadas no pacote do "mero assistencialismo fixador do homem em sua condição de pobreza" que se torna impossível reconhecer essa tal justiça social.
Por isso as questões caóticas do IBGE e do IPEA são apenas sintomas de um mal maior, onde está em jogo não apenas a ideologia (do Governo ou das perguntas pesquisadas), mas toda a reputação de institutos de aferimento de nossos números oficiais, responsáveis por estabelecer as métricas de avanço brasileiras também diante dos investidores externos.
Os extremos e chocantes casos de supostos erros estatísticos cometidos pelos diversos setores do Governo, responsáveis pela averiguação do "estado da arte", impedem que nós, cidadãos, tenhamos acesso, de forma transparente aos resultados práticos efetivos dessas políticas públicas e da fiscalização da boa destinação que deve ser dada ao orçamento público.
E imaginem vocês que tipo de tornado a desconfiança sobre os dados consolidados por esses institutos pode provocar sobre o Brasil! Como se nosso país estivesse podendo se dar ao luxo de mais uma crise de desconfiança!
- Por que estamos mesmo falando de erros ou de um patrulhamento daqueles que apontaram de uma possível suposta nudez do imperador?
Mantendo o foco nas dramáticas falhas dos resultados das pesquisas do IPEA e do PNAD, as quais, assustadoramente, acontecem com menos de 6 meses de diferença, muitas perguntas precisam ser respondidas e precisam ser respondidas pra já, pra ontem, não daqui a pouco, não depois que as coisas esfriarem e outro escândalo precisar surgir para "reanimar a pauta".
- Estamos mesmo falando de erros ou de um patrulhamento daqueles que apontaram a suposta nudez do imperador?
- E se estamos mesmo falando de erros, seriam eles equívocos decorrentes da inabilidade técnica? No IPEA, a responsabilidade, trocando em miúdos, foi colocada sobre as costas de algum técnico de informática disléxico[8]. Mas no fim das contas, quem pediu exoneração? Leiamos o que estampa orgulhoso o site do IPEA[9]: * O diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea pediu sua exoneração assim que o erro foi detectado. Na questão do IBGE, tem-se notícia de que alguns técnicos de carreira já alertavam para erros no PNAD, falhas na aplicação do rigor metodológico habitual à apuração de outros dados e pesquisas e sucateamento do instituto[10].
- Teriam sido erros ou golpes oportunistas? A melhoria considerável na consciência da nossa sociedade deveria ser comemorada e não tida como motivo para temer a pressão por reduzir investimentos nas celeumas de gênero. A dislexia bombástica do IPEA, deliberadamente ou não, lançou uma cortina de fumaça sobre andamentos da CPI da Petrobrás e sobre as discussões acerca do Marco Civil regulatório da internet.
Por sua vez, a correção dos dados do PNAD inegavelmente substancia as plataformas da reeleição presidencial. Em ambos os casos poderíamos estar falando de erros “inocentes” ou que “simplesmente acontecem”. Mas em momentos de tamanha relevância social e com tamanhos efeitos não se pode aceitar a palavra como pronta. Muitas vozes têm se levantado, afirmando que existe um aparelhamento político dessas instituições.
Eu não sei, não posso afirmar e não cabe a mim responder a essas perguntas. Cabe a mim, como cidadã, questionar! Cabe a nós, como cidadãos exigir uma resposta. E então, quem pode responder a essas perguntas? Somente uma auditoria externa, isenta e desejavelmente independente poderia averiguar a precisão dos dados, a tecnicidade dos métodos de levantamento estatísticos e se de fato as questões consistiram em erros retificáveis ou se estamos diante de uma grave fraude eleitoreira.
facebook. Com/anacecilia. Parodi.7
Quer saber mais? Compre hoje mesmo o mais novo livro de Ana Cecília Parodi: O Direito É Todo Seu – Um Guia Jurídico Para Todas As Fases da Vida. Ed. Saraiva. Um livro escrito em linguagem acessível, para todo o mundo, detonando com os jargões do juridiquês.
Um livro que fala da vida real, para pessoas reais
Derrubando as barreiras que tornam o Direito um bicho de sete cabeças, Ana Cecília Parodi lança O Direito É Todo Seu, publicado pela Editora Saraiva. A autora coloca nas mãos do leitor ferramentas jurídicas que lhe permitem assumir o controle da própria vida e blindar suas relações e seu patrimônio, garantindo que a vontade pessoal seja preservada.
Para quem este livro foi escrito? Para todo o mundo. O livro é abrangente e com certeza mais de um tema abordado sempre interessa a qualquer leitor.
sobre a linguagem diferenciada: Este livro não foi escrito em “linguagem de advogado”. Com maestria, Ana Cecília dialoga com o leitor utilizando linguagem clara e bem-humorada. Trazendo informações sólidas, é uma fonte segura para consultas. Os jargões técnicos são explicados. Apresenta ferramentas que podem ser aplicadas de maneira prática. Conectando os cidadãos aos seus direitos, este livro torna acessíveis, aos profissionais de todas as áreas, até mesmo os temas jurídicos mais complexos.
Esse livro revela tudo o que o leitor sempre quis saber sobre: gestão jurídica do patrimônio do solteiro e do casal. Direitos dos solteiros. Direitos dos comprometidos em qualquer forma de relacionamento. Regimes de bens. Rompimento das relações, Partilhas e Pensão. Direitos dos Filhos. Procurações. Planejamento Patrimonial. Doações (em vida ou depois dela). Testamentos. Direitos de Herança. Roteiro dos Inventários passo a passo. E aborda questões de qualidade de vida: dicas para contratar e otimizar a relação com o advogado e como sobreviver emocionalmente a um processo judicial.
[1] Da população brasileira representada, por amostragem, em uma pesquisa que entrevistou aproximadamente 3.810 pessoas.
[2] Quero deixar claro que sou a favor de campanhas e mobilizações sadias nas redes sociais. E sou a favor, democraticamente, de que os internautas escolham se manifestar da maneira que acharem mais conveniente (desde que não firam as garantias constitucionais e nem ofendam a direito de terceiros). Também registro total repúdio a ameaças que tenham sido feitas contra a jornalista Nana Queiroz, líder do protesto virtual. Violência doméstica e de gênero são repugnáveis. E não é o topless que me incomoda e, sim, a perspectiva de que tenhamos sido induzidos a nos comportar (vestidos ou não) como massa de manobra.
[3] A esse respeito, recomendo a leitura de dois posts no blog do Rafael Moura Brasil: http://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil/2014/03/28/a-culpa-do-estupro-naoeda-mulher-masada-confusaoeda-pesquisa-do-ipea-essa-sim-merece-ser-atacada/ e http://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil/2014/04/05/pais-de-estupradores-uma-ova-ipea-admite-que-eu-estava-certo-ai-que-chato-maioria-discorda-de-ataques-as-mulheres-so-faltaoinstituto-os-jornaisatveos-ativistas-admitiremoprose/
[4] Disponível em: http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias?view=noticia&id=1&busca=1&idnoticia=2725. Acesso em: 23 set. 2014.
[5] Consultem, por exemplo, o decreto 4740 de 13 de junho de 2003, assinado pelo então Presidente Lula.
[6] Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=1226&Itemid=68. Acesso em: 23 set 2014.
[7] Por exemplo, leiam: http://oglobo.globo.com/economia/relatorio-omite-24-bilhoes-em-previsoes-de-gasto-este-ano-14064689. E também: http://exame.abril.com.br/economia/noticias/desigualdade-no-brasil-pode-nao-estar-caindo-diz-estudo.
[8] Minha solidariedade a todos que, assim como eu, sobrevivem aos desafios diários da dislexia patológica. Mas não simpatizo com “dislexias de sistema”.
[9] Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=21971. Acesso em: 23 set. 2014.
[10] Disponível em: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/política/2014/09/23/interna_politica,448363/tecnicos-alertaram-ibge-sobre-erro-antes-da-divulgacao-do-pnad.shtml. Acesso em: 23 set. 2014.
Por Ana Cecilia Parodi
Fonte: anaceciliaparodi.jusbrasil.com.br
Mas nem só de topless viverão as redes. Diversos internautas tentaram manter o sangue frio e dedicaram um olhar mais demorado para os quesitos propostos na pesquisa do IPEA: - “Calma, não queimem seus soutiens ainda; os dados estão manipulados porque a pesquisa é tendenciosa”[3].
E para surpresa geral da Nação, em 4 de Abril de 2014, o IPEA não atacou a questão da consolidação, mas comunicou ter cometido um equívoco numérico: os 65% (sessenta e cinco por cento), na verdade, eram 26% (vinte e seis por cento) ou 2.820 entrevistados. Ainda uma quantidade significativa de pessoas, mas, convenhamos, em torno de 1/3 (um terço) do primeiro panorama. Ainda que uma única resposta “sim” já me surpreenda, o fato é que, com 26% (vinte e seis por cento), não se aprovaria sequer uma reforma de condomínio.
A retificação oficial demorou uma semana, mas era um pouco tarde para alguns internautas menos pudicos, que a essa altura já tinham mostrado bem mais do que um cartaz sobre o peito. E a #eunaomerecoserestuprada ganhara suporte até mesmo no Palácio do Planalto.
Cenário 2 – 19-Setembro-2014: - “O IBGE vem a público, por meio desta nota, informar que foram verificados erros nos resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2013, após a sua divulgação, ontem (18/09/2104)[4]”.
E para nossa alegria, após esse comunicado, toda a tristeza e revolta social que sentimos “por causa exclusivamente” do resultado da pesquisa do dia 18 caiu por terra. Agora, desde o dia 19, já podemos nos alegrar: os números provam (e números não mentem, certo?) que as riquezas estão distribuídas de maneira mais justa, menos concentrada; e o Brasil está menos desigual, desde 2012. E não precisava nem ter dito, afinal, “todo brasileiro pode afirmar que tem mais comida na mesa e que a saúde está melhor no país”.
Cidadãos chocados, mídia inflamada. E com razão. Em menos de 6 (seis) meses, os dois institutos públicos de pesquisa de maior relevância no Brasil divulgaram importantes consolidação de dados sociais contendo erros crassos na totalização dos números.
Mas se em ambos os casos, os erros foram retificados “para melhor”, por que não estamos felizes? Seriamos nós um bando de insatisfeitos?
A desigualdade de renda caiu; e se você usar um tomara que caia “somente” 26% dos entrevistados acreditam que você deve ser punido com estupro (isso se admitirmos que a ideologia social realmente pode ser consolidada nesse indicador). Então, por que a pulga atrás da orelha continua coçando? Vejamos algumas respostas empiricamente plausíveis.
- Porque o IBGE e o IPEA são institutos do Governo, que recebem pesquisas encomendadas pelo Governo e que totalizam os dados do Governo.
O IBGE e o IPEA são fundações públicas federais, “fundações institutos” atreladas por força da Constituição Federal aos ministérios de maior relevância para o Governo Federal.
Criadas há mais de 6 décadas, ambas foram instituídas inicialmente com a nobre missão de mapear o país, de demonstrar a realidade nua e crua dos números brasileiros.
O regimento interno do IBGE é aprovado pelo Ministério do Planejamento[5]. O IPEA é diretamente ligado à Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governo Federal.
As atribuições do IBGE são notoriamente conhecidas e se repartem entre os seus diversos órgãos componentes, dos quais se destaca a missão de consolidar a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).
Já o IPEA, para quem não está familiarizado, tem por missão fundamental receber os pedidos de pesquisa do Governo Federal, para averiguar eventuais deficiências em setores sociais, da economia, do desenvolvimento. E também para constatar as benesses (ou não!) conquistadas por políticas públicas já implementadas pelo Governo, para demonstrar que as metas foram (ou não!) atingidas. E coisas do estilo.
Não estou dizendo que as pesquisas sejam "encomendadas", no sentido depreciativo da expressão. Toda fundação é instituída obrigatoriamente com uma finalidade. E a finalidade do IPEA, de acordo com eles mesmos, é produzir atividades de pesquisa que "fornecem suporte técnico e institucional às ações governamentais para a formulação e reformulação de políticas públicas e programas de desenvolvimento brasileiros"[6].
E já que o assunto gira em torno de fundações públicas federais, mais do que nunca é legítimo abordarmos um tema ultrassensível vinculado à gestão pública como um todo: Transparência!
Sim, é não apenas desejável, mas imperativo que existam institutos oficiais responsáveis por averiguar a quantas anda o resultado das políticas publicas e, assim, dimensionando o caos e apontando a direção certa para propostas sócio-políticas de cunho curativo. Mas o que mais nós queremos? Transparência! Ética na tecnicidade metodológica. Um verdadeiro mapa do Brasil.
E neste caso, ainda muito mais grave, estamos falando de transparência de dados, na constatação dos resultados das diversas políticas aplicadas no país com as verbas previstas no orçamento e cujas diretrizes nascem dos programas políticos que, em última análise, são escolhidos juntamente com os governantes eleitos pela maioria dos votantes.
Eu não posso falar por todos, mas falo por mim. E eu sou absolutamente a favor da proteção das garantias constitucionais. Uma vez eleito o governante, estamos todos no mesmo barco. Vazamentos levam todos ao naufrágio. Por isso, qualquer que seja o partido que esteja governando a Nação, o Estado ou o Município: eu sou a favor da destinação responsável de verbas públicas para a redução (e, quiçá, da eliminação) das diferenças de gênero e das minorias e da desigualdade social. Eu sou a favor da Lei Maria da Penha, parabenizo o governo por sua edição e, inclusive, escrevi dois livros referentes ao tema e comemoro os avanços que o Brasil tem conquistado nessa área, ainda que reconheça que existe muito a ser feito. Eu trabalho para que isso seja verdade e acredito, que você, caro leitor, onde quer que esteja inserido no mercado de trabalho, também busca promover a paz social nas relações da sua empresa ou profissão.
A questão é que uma boa prática da administração é averiguar se as medidas implementadas estão mesmo funcionando. Ou se elas se prestam unicamente a reafirmar o ponto de vista de um programa político-ideológico. E se os gráficos demonstrarem que não, a próxima boa prática de responsabilidade social (estatal ou empresarial) é buscar soluções, ainda que isso implique mudança de rumos.
- Porque há pelo menos três mandatos existe suspeita de manipulação dos índices de desenvolvimento humano no país.
Em um dos momentos mais inesquecíveis da sucessão presidencial de 2002, o candidato da oposição sobe ao palanque e emociona as multidões, recordando a dor do fato de sua mãe ter “nascido analfabeta”. E o mais interessante é que esse argumento, segundo ele, servia de credencial para seus intentos presidenciáveis. Atualmente, a história se repete e a carta das raízes humildes tem sido colocada na mesa.
É evidente que é fantástico que uma pessoa de origens humildes (e com todas as chances naturalmente contra ela) manifeste seu potencial e alcance grandes conquistas. Mas nem por isso precisamos entregar o cetro e a coroa para ela. Nem por isso essa pessoa está gabaritada a receber o cetro. Pode até estar, mas não porque sua mãe “nasceu analfabeta” ou por causa da matéria prima do berço em que foi embalada, seja ele de ouro ou de papelão.
É plausível supor que essa pessoa tenha maior empatia pelo sofrimento alheio e tenha uma vocação interior para a justiça social. Ou não; pode ser que o cinismo e o sentimento de alienação tenha dominado sua psique. Isso só pode ser investigado caso a caso. O que não é plausível é estruturar uma campanha eleitoral com base nesse tipo de argumentos. E, ainda mais grave, estruturar toda a ideologia e práticas de governo e inflamados discursos nas Nações Unidas e locais que a valha, em um eterno palanque de comício.
A falecida ex-primeira dama Ruth Cardoso implementou projetos sociais estruturados em contrapartida pedagógica para o desenvolvimento humano. O Bolsa Escola, por exemplo, era um programa que redistribuía renda, mas que fiscalizava se as famílias mantinham seus filhos de tal e tal faixa etária matriculados e frequentando a sala de aula. Educação para uma futura emancipação.
São inegáveis os avanços sociais dos Governos Lula e Dilma, que certamente expandiram e muito o número de “bolsas” e numericamente ampliaram a redistribuição de renda, diminuindo a desigualdade social, ainda que instantaneamente. Mas será que a desigualdade foi real e sustentavelmente reduzida?
Bem... Você sabia que para receber determinados investimentos advindos do exterior, a reputação do país é medida por seu ranking de IDH? A solução? De acordo com muitos críticos, a solução adotada pelo país na última década e meia foi sofismar estatisticamente, manipulando os índices de desenvolvimento humano no país. Apesar de que, infelizmente, no último mês têm sido escrachadas na mídia as significantes perdas do Brasil em indicadores sociais de toda sorte e natureza. Por exemplo, veja essa chocante informação, no link citado em rodapé[7].
O problema é a geração artificial de renda, sem garantir que o destinatário da benesse se liberte da futura escravidão do assistencialismo. O que desperta muitas críticas é a ideologia dessas políticas públicas que, em resumo, daria “bolsa presidiário” para o filho do estuprador da moça da minissaia que “mereceu a agressão”.
- Porque a crítica que se faz é que o Governo não está efetivamente tirando as pessoas da linha da pobreza. Ele está apenas "movendo a linha mais pra lá". A linha anda mais para a frente, enquanto a realidade do desenvolvimento humano retrocede.
Os índices de consumo são artificializados por meio de incentivos ao superendividamento. Aquilo que deveria ser uma política pública de redistribuição de renda fica desatrelada de uma contrapartida educacional e a necessária busca por igualdade, fraternidade e efetiva promoção de oportunidade de desenvolvimento humano vêm tão disfarçadas no pacote do "mero assistencialismo fixador do homem em sua condição de pobreza" que se torna impossível reconhecer essa tal justiça social.
Por isso as questões caóticas do IBGE e do IPEA são apenas sintomas de um mal maior, onde está em jogo não apenas a ideologia (do Governo ou das perguntas pesquisadas), mas toda a reputação de institutos de aferimento de nossos números oficiais, responsáveis por estabelecer as métricas de avanço brasileiras também diante dos investidores externos.
Os extremos e chocantes casos de supostos erros estatísticos cometidos pelos diversos setores do Governo, responsáveis pela averiguação do "estado da arte", impedem que nós, cidadãos, tenhamos acesso, de forma transparente aos resultados práticos efetivos dessas políticas públicas e da fiscalização da boa destinação que deve ser dada ao orçamento público.
E imaginem vocês que tipo de tornado a desconfiança sobre os dados consolidados por esses institutos pode provocar sobre o Brasil! Como se nosso país estivesse podendo se dar ao luxo de mais uma crise de desconfiança!
- Por que estamos mesmo falando de erros ou de um patrulhamento daqueles que apontaram de uma possível suposta nudez do imperador?
Mantendo o foco nas dramáticas falhas dos resultados das pesquisas do IPEA e do PNAD, as quais, assustadoramente, acontecem com menos de 6 meses de diferença, muitas perguntas precisam ser respondidas e precisam ser respondidas pra já, pra ontem, não daqui a pouco, não depois que as coisas esfriarem e outro escândalo precisar surgir para "reanimar a pauta".
- Estamos mesmo falando de erros ou de um patrulhamento daqueles que apontaram a suposta nudez do imperador?
- E se estamos mesmo falando de erros, seriam eles equívocos decorrentes da inabilidade técnica? No IPEA, a responsabilidade, trocando em miúdos, foi colocada sobre as costas de algum técnico de informática disléxico[8]. Mas no fim das contas, quem pediu exoneração? Leiamos o que estampa orgulhoso o site do IPEA[9]: * O diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea pediu sua exoneração assim que o erro foi detectado. Na questão do IBGE, tem-se notícia de que alguns técnicos de carreira já alertavam para erros no PNAD, falhas na aplicação do rigor metodológico habitual à apuração de outros dados e pesquisas e sucateamento do instituto[10].
- Teriam sido erros ou golpes oportunistas? A melhoria considerável na consciência da nossa sociedade deveria ser comemorada e não tida como motivo para temer a pressão por reduzir investimentos nas celeumas de gênero. A dislexia bombástica do IPEA, deliberadamente ou não, lançou uma cortina de fumaça sobre andamentos da CPI da Petrobrás e sobre as discussões acerca do Marco Civil regulatório da internet.
Por sua vez, a correção dos dados do PNAD inegavelmente substancia as plataformas da reeleição presidencial. Em ambos os casos poderíamos estar falando de erros “inocentes” ou que “simplesmente acontecem”. Mas em momentos de tamanha relevância social e com tamanhos efeitos não se pode aceitar a palavra como pronta. Muitas vozes têm se levantado, afirmando que existe um aparelhamento político dessas instituições.
Eu não sei, não posso afirmar e não cabe a mim responder a essas perguntas. Cabe a mim, como cidadã, questionar! Cabe a nós, como cidadãos exigir uma resposta. E então, quem pode responder a essas perguntas? Somente uma auditoria externa, isenta e desejavelmente independente poderia averiguar a precisão dos dados, a tecnicidade dos métodos de levantamento estatísticos e se de fato as questões consistiram em erros retificáveis ou se estamos diante de uma grave fraude eleitoreira.
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Derrubando as barreiras que tornam o Direito um bicho de sete cabeças, Ana Cecília Parodi lança O Direito É Todo Seu, publicado pela Editora Saraiva. A autora coloca nas mãos do leitor ferramentas jurídicas que lhe permitem assumir o controle da própria vida e blindar suas relações e seu patrimônio, garantindo que a vontade pessoal seja preservada.
Para quem este livro foi escrito? Para todo o mundo. O livro é abrangente e com certeza mais de um tema abordado sempre interessa a qualquer leitor.
sobre a linguagem diferenciada: Este livro não foi escrito em “linguagem de advogado”. Com maestria, Ana Cecília dialoga com o leitor utilizando linguagem clara e bem-humorada. Trazendo informações sólidas, é uma fonte segura para consultas. Os jargões técnicos são explicados. Apresenta ferramentas que podem ser aplicadas de maneira prática. Conectando os cidadãos aos seus direitos, este livro torna acessíveis, aos profissionais de todas as áreas, até mesmo os temas jurídicos mais complexos.
Esse livro revela tudo o que o leitor sempre quis saber sobre: gestão jurídica do patrimônio do solteiro e do casal. Direitos dos solteiros. Direitos dos comprometidos em qualquer forma de relacionamento. Regimes de bens. Rompimento das relações, Partilhas e Pensão. Direitos dos Filhos. Procurações. Planejamento Patrimonial. Doações (em vida ou depois dela). Testamentos. Direitos de Herança. Roteiro dos Inventários passo a passo. E aborda questões de qualidade de vida: dicas para contratar e otimizar a relação com o advogado e como sobreviver emocionalmente a um processo judicial.
[1] Da população brasileira representada, por amostragem, em uma pesquisa que entrevistou aproximadamente 3.810 pessoas.
[2] Quero deixar claro que sou a favor de campanhas e mobilizações sadias nas redes sociais. E sou a favor, democraticamente, de que os internautas escolham se manifestar da maneira que acharem mais conveniente (desde que não firam as garantias constitucionais e nem ofendam a direito de terceiros). Também registro total repúdio a ameaças que tenham sido feitas contra a jornalista Nana Queiroz, líder do protesto virtual. Violência doméstica e de gênero são repugnáveis. E não é o topless que me incomoda e, sim, a perspectiva de que tenhamos sido induzidos a nos comportar (vestidos ou não) como massa de manobra.
[3] A esse respeito, recomendo a leitura de dois posts no blog do Rafael Moura Brasil: http://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil/2014/03/28/a-culpa-do-estupro-naoeda-mulher-masada-confusaoeda-pesquisa-do-ipea-essa-sim-merece-ser-atacada/ e http://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil/2014/04/05/pais-de-estupradores-uma-ova-ipea-admite-que-eu-estava-certo-ai-que-chato-maioria-discorda-de-ataques-as-mulheres-so-faltaoinstituto-os-jornaisatveos-ativistas-admitiremoprose/
[4] Disponível em: http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias?view=noticia&id=1&busca=1&idnoticia=2725. Acesso em: 23 set. 2014.
[5] Consultem, por exemplo, o decreto 4740 de 13 de junho de 2003, assinado pelo então Presidente Lula.
[6] Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=1226&Itemid=68. Acesso em: 23 set 2014.
[7] Por exemplo, leiam: http://oglobo.globo.com/economia/relatorio-omite-24-bilhoes-em-previsoes-de-gasto-este-ano-14064689. E também: http://exame.abril.com.br/economia/noticias/desigualdade-no-brasil-pode-nao-estar-caindo-diz-estudo.
[8] Minha solidariedade a todos que, assim como eu, sobrevivem aos desafios diários da dislexia patológica. Mas não simpatizo com “dislexias de sistema”.
[9] Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=21971. Acesso em: 23 set. 2014.
[10] Disponível em: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/política/2014/09/23/interna_politica,448363/tecnicos-alertaram-ibge-sobre-erro-antes-da-divulgacao-do-pnad.shtml. Acesso em: 23 set. 2014.
Por Ana Cecilia Parodi
Fonte: anaceciliaparodi.jusbrasil.com.br