Brasileiro e americana se enfrentam na Justiça pela guarda de 4 filhos

Mulher relata vida de terror, violência e ameaças contra ela e as crianças. Guarda está com o pai, herdeiro de uma das famílias mais ricas do país.

De um lado, uma professora americana. Do outro, um advogado brasileiro, herdeiro de uma das famílias mais ricas do país. Os dois foram casados, e disputam quem fica com os quatro filhos. A mulher relata uma vida de terror, de violência e de ameaças contra ela e as crianças. Mesmo assim, a guarda das crianças está com o pai. Por quê? Veja na reportagem de Rodrigo Vaz e Giuliana Girardi.

“Bem no começo eram agressões verbais. Depois, socos. Socos nos ombros”, conta a professora Tiffany Nicole Fontana.

Tiffany é americana, tem 48 anos e vive em São Paulo. Afirma que era espancada com frequência pelo ex-marido, sete anos mais novo do que ela. Um advogado brasileiro, de família muito rica.

“Ele me trancava no banheiro e as crianças, os nenês, chorando para fora: ‘mamãe, mamãe’", conta Tiffany.

O casal tem três meninas e um menino.

Fantástico: Quantos tempo os seus filhos não dormem com você à noite?
Tiffany: Dois anos. Vai fazer quase dois anos

Para ela, a Justiça brasileira errou ao dar a guarda das crianças ao pai.

“Eu estou sofrendo uma coisa abominável. Ele denegria meus filhos, chamando eles de animais. Eu peço perdão para minha filha mais velha. Que eu juro, ele segurava ela no chão e ele cuspia na cara dela. E ela pediu ajuda. Ela pedia ajuda. Eu estava no corredor, em pânico. E ele falou para eu não entrar no quarto. Ele segurava no chão e cuspia na cara porque ela mordeu o braço dele”, conta Tiffany.

Tiffany vivia em uma cidade pequena chamada Los Gatos, na Califórnia, perto de São Francisco, no Estados Unidos, quando conheceu Oliver Fontana, 20 anos atrás. Ele estava lá passeando. No início, Oliver voltou para o Brasil e o namoro seguiu à distância. Depois Oliver se mudou para os Estados Unidos e eles se casaram em 1998. Menos de um ano depois, Tiffany ficou grávida da primeira filha, hoje com 15 anos. E teve mais duas que, atualmente, têm 12 e 11 anos. A mãe conta que quando o primeiro bebê nasceu o marido começou a mostrar seu lado agressivo.

“Ela, como uma criança, aprendendo como andar, ela não estava bem equilibrada e caiu no abdômen dele. E de reação, de impulso, ele empurrou ela para longe mas com toda força que ela voou”, conta a professora.

Tiffany diz que, nos Estados Unidos, Oliver não trabalhava. Só estudava e fazia estágios. Sem emprego, decidiu voltar com toda a família para o Brasil em 2002. Em São Paulo, nasceu o quarto filho do casal. O caçula hoje tem oito anos.

“A gente morava em uma casa, mansão. Mas por dentro, eu só tive violência”, relata.

Dos Estados Unidos, a família dela ficou sabendo das agressões e procurou ajuda no consulado americano em São Paulo, que acionou a Justiça.

A pedido do consulado, um psiquiatra brasileiro examinou a mãe e os quatro filhos em 2008 e recomendou que eles fossem "retirados rapidamente do risco desta convivência e enviados para a casa da família da mãe". Lá, todos deveriam fazer "tratamento psiquiátrico e psicológico"

Tiffany seguiu com os filhos até o aeroporto, escoltada por policiais federais. Depois viajou para os Estados Unidos com as quatro crianças.

“Meu ex-marido não cumpriu as coisas de separação. Não pagava escola, plano de saúde. Então quem ajudava foi meus pais”, conta a americana.

Nesse período, Oliver ficou afastado dos filhos, não pode viajar porque o visto americano foi negado. Depois de três anos longe, a mãe e os quatro filhos voltaram para São Paulo. Tiffany conta que foi uma tentativa de reconstruir a família, já que Oliver dizia que tinha mudado.

“Eu tentei acreditar nele e eu pensei: ‘mesmo se a gente não ficar junto, eu pego uma pensão, eu moro num apartamento’. Mas isso é que não aconteceu”, disse Tiffany.

A mãe afirma que as agressões contra ela e as crianças continuaram.

“Ela chamou ele em palavrão um dia, no café da manhã e ele se levantou e deu com a mão fechada e ele é grande, dois socos de boxe. Um aqui e um aqui e encheu de hematoma”, conta Tiffany.

Fantástico: A tua filha mais velha?
Tiffany: A minha filha mais velha.

Em 2010, Oliver Fontana entrou na Justiça e, mesmo com os relatos da mulher, conseguiu a guarda das crianças. A defesa de Tiffany só vê uma explicação para isso.

“A decisão do juiz foi pautada em um laudo psiquiátrico que afirma que a Tiffany tem um transtorno”, diz a defensora pública Ana Paula Lewin.

O laudo da psiquiatra Cristiane Barbieri diz que Tiffany tem "quadro de ansiedade extrema e sintomas depressivos", e também que ela não tem "controle" e "limite" sobre as crianças. Segundo esse diagnóstico, ela sofre de "transtorno de personalidade Borderline". Ou seja, “se comporta com impulsividade e instabilidade de afetos”.

A psiquiatra Cristiane Barbieri atendeu Tiffany de 2005 a 2007. A americana disse que procurou ajuda para tratar uma depressão pós-parto. O laudo psiquiátrico foi feito dois anos depois do tratamento.

Fantástico: Você tem algum transtorno psicológico?
Tiffany: Não, não, não.

Ano passado, Tiffany foi examinada por outra médica, a psiquiatra Karine Higa que não constatou o transtorno de personalidade.

“A gente tem provas de que ela é uma boa mãe, que ela tem total capacidade de estar na companhia dos seus filhos. É uma cidadã americana que abriu mão de tudo para poder hoje lutar somente pela guarda dos filhos”, destaca a defensora pública.

Tiffany fez denúncia ao Conselho Regional de Medicina contra a pisiquiatra Cristiane Barbieri. Segundo o Cremesp, foi aberta uma "sindicância" que se transformou em "processo ético-profissional". Esse processo ainda está em "andamento".

O Fantástico procurou a psiquiatra mas ela não retornou nossas ligações.

Durante as visitas autorizadas pela Justiça, Tiffany diz que pedia aos filhos que desenhassem e escrevessem o que acontecia quando estavam com o pai. O menino de oito anos chegou a relatar que levou um soco.

“Ele falou que ele estava na mesa de jantar, e que o pai falou que ele é um imbecil porque ele não colocou o molho no lugar certo”, conta Tiffany.

O garoto contou que eu pai deixou que ele desse tiros na parede da casa da avó com uma arma de Oliver. E uma das filhas escreveu que o pai bateu com um sapato nela.

“Hoje eu quase não reconheço meus filhos. Cabeça para baixo, um olhar esquisito. Não tem ânimo”, relata Tiffany.

Nos últimos dez anos, Tiffany registrou 12 boletins de ocorrência contra o ex-marido, por diversos motivos. Entre eles: lesão corporal, ameaça, maus tratos. Em maio do ano passado, a Justiça determinou: Oliver deve manter uma distância mínima de 300 metros da ex-mulher. É a chamada medida protetiva.

Duas crianças prestaram depoimento à polícia e confirmaram que apanharam do pai. Também há prontuários médicos, de novembro de 2004 e de março de 2013, atestando que Tiffany e uma filha do casal apresentavam hematomas e lesões.

O Ministério Público denunciou Oliver à Justiça por ameaça contra Tiffany e por lesão corporal contra a ex-mulher e a filha de 11 anos.

“Já que as crianças estão falando que estão sendo agredidas - o que está no inquérito policial, o ideal seria retirar, deixar com a mãe, até avaliação”, destaca a delegada Celli Paulino Carlota.

Fantástico: Ou seja, essas crianças estão pedindo socorro?
Celli Paulino Carlota, Delegada: Com certeza. Pode se caracterizar uma tortura psicológica sim.

Recentemente, a Justiça determinou que Tiffany se encontre com os filhos no Centro de Visitação Assistida do Tribunal de Justiça de São Paulo. As visitas sempre vão ser monitoradas por assistentes sociais e psicólogos. A Justiça decidiu que tem que ser assim porque Tiffany não estaria aproveitando bem os momentos de lazer com os filhos na casa dela. Segundo o Ministério Público, em algumas dessas ocasiões, ela levou as crianças para delegacias para registrar boletim de ocorrência contra o pai.

“Quem vai responder todos os danos causados aos meus filhos? Quem vai dar de volta essa época tão preciosa de infância?”, questiona Tiffany.

Ligamos para o ex-marido de Tiffany, Oliver Fontana, e para o advogado dele. Os dois não quiseram gravar entrevista.

A defesa de Oliver enviou uma nota ao Fantástico dizendo que "as decisões judiciais vêm reiteradamente refutando as levianas e inverídicas acusações levantadas por sua ex-esposa". E "que todas as imputações atribuídas" a Oliver "são absolutamente mentirosas".

Duas empregadas testemunharam contra Tiffany. Disseram que ela era descontrolada e que chegou a agredir os filhos em mais de uma ocasião. A mãe nega.

“Não tem nada que me desabone como mãe.  Só pergunta para uma dos meus filhos”, diz Tiffany.
Oliver, que é um dos herdeiros de uma das famílias mais ricas do Brasil, chegou a registrar um Boletim de Ocorrência ano passado contra a ex-mulher. Primeiro, o filho de 8 anos disse à polícia que a mãe o arranhou nos braços e no peito.

“Meu filho falou que ele caiu na escola e se machucou e quando ele estava tomando banho, o pai dele entrou e falou que ele tem que falar para o amigo policial que mamãe arranhou ele. E ele falou: ‘mas não foi a mãe que arranhou’”, conta Tiffany.

Depois, o filho confirmou à polícia que não foi agredido pela mãe. A situação de Tiffany já está sendo analisada por um deputado dos Estados Unidos que atua na área de Direitos Humanos. Chris Smith disse que envolveu-se no caso para ajudar Tiffany a ter os filhos de volta e pra que eles fiquem bem e em segurança.

O Claden, Comitê Latino-Americano e do Caribe para a defesa dos direitos da mulher, também está pedindo providências.

“Nós encaminhamos cartas falando do problema e pedindo atenção a várias autoridades, desde o Ministério da Justiça, Poder Judiciário de São Paulo”, destaca a coordenadora do Cladem, Rubia Abs da Cruz.

“Eu tenho esperança que a gente vai ter um futuro de paz. Cheio de amor”, diz Tiffany.

Fonte: g1.globo.com
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