Vencedor do prêmio de melhor longa para o júri popular, no recém-encerrado Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o documentário paulista “Sem Pena”, de Eugênio Puppo, se arriscou a superar o tradicional modelo de entrevistas com imagens dos rostos dos depoentes – as chamadas “cabeças falantes” – num longa que se apoia nas vozes dos entrevistados, com a declarada intenção de que os espectadores se concentrem no conteúdo do que é dito, sem sofrerem influência da aparência, cargo ou classe social de quem é ouvido.
A montagem, que levou 14 meses, foi um dos grandes desafios do filme, resultado de uma operação sobre 270 horas de material, com 52 entrevistados – dos quais restaram apenas 11.
A opção de fugir de um formato televisivo, centrado nos rostos, criou dificuldades adicionais, como a necessidade de imagens para cobrir o áudio, num visual que percorre instituições, ruas e fragmentos de imagens de pessoas ou objetos para deflagrar uma contundente discussão sobre uma das mais dramáticas mazelas nacionais – a situação da justiça criminal no país.
Se o tema é recorrente no cinema nacional, inclusive em outros documentários como “Justiça”, de Maria Augusta Ramos, à ficção “De Menor”, de Caru Alves, Puppo, um notório estudioso do cinema marginal, autor do recente documentário “Ozualdo Candeias e o Cinema”, talvez por não ser um habituê do universo dos chamados “filmes sociais”, conseguiu injetar-lhe oxigênio. Em primeiro lugar pelas opções estéticas.
Além da opção de somente mostrar os rostos dos entrevistados no final, o diretor fez um uso original da edição de som, um belo trabalho de Fabio Gonçalves com ruídos diretos e sua manipulação, além de melodias de John Cage - negociadas com a fundação responsável pelos direitos da obra do compositor norte-americano, morto em 1992, e que se mostrou sensível ao projeto do filme, reduzindo sensivelmente os valores para seu uso.
Quebrando o próprio molde que criou, no entanto, o documentário mostra, em sua porção final, todos os personagens de uma audiência, em que uma senhora se defende da acusação de tráfico de drogas.
Com a ré, uma testemunha, uma promotora, um advogado de defesa e o juiz diante das câmeras – situação raramente permitida -, ilustra-se com a máxima eloquência alguns dos pontos levantados pelos depoentes do filme, como a desigualdade social e o arcaísmo de alguns mecanismos judiciais.
Do ponto de vista do conteúdo, ou seja, das ideias discutidas, valeu muito ao cineasta a parceria com o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), entidade ativa no circuito judicial há 14 anos que garantiu o acesso a muitos locais normalmente proibidos à presença das câmeras. Uma invisibilidade que impede um debate mais livre sobre as soluções para o inegável problema do aumento da criminalidade no país.
“Sem Pena”, que estreia em circuito em 12 cidades na quinta-feira, felizmente não se propõe a esgotar seu tema, um labirinto de dramas e fracassos de abordagem.
A pior delas, segundo um dos entrevistados do filme, o antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário da segurança do Rio de Janeiro, o frenético encarceramento de suspeitos e jovens pobres, fenômeno que nega o surrado chavão de “país da impunidade” – ou pelo menos esclarece que a impunidade é relativa apenas a algumas classes sociais.
O documentário vale também por isso, por procurar quebrar o círculo infernal das frases feitas que contaminam o imaginário popular em torno do assunto.
Por Neusa Barbosa, do Cineweb
Fonte: br.reuters.com
A montagem, que levou 14 meses, foi um dos grandes desafios do filme, resultado de uma operação sobre 270 horas de material, com 52 entrevistados – dos quais restaram apenas 11.
A opção de fugir de um formato televisivo, centrado nos rostos, criou dificuldades adicionais, como a necessidade de imagens para cobrir o áudio, num visual que percorre instituições, ruas e fragmentos de imagens de pessoas ou objetos para deflagrar uma contundente discussão sobre uma das mais dramáticas mazelas nacionais – a situação da justiça criminal no país.
Se o tema é recorrente no cinema nacional, inclusive em outros documentários como “Justiça”, de Maria Augusta Ramos, à ficção “De Menor”, de Caru Alves, Puppo, um notório estudioso do cinema marginal, autor do recente documentário “Ozualdo Candeias e o Cinema”, talvez por não ser um habituê do universo dos chamados “filmes sociais”, conseguiu injetar-lhe oxigênio. Em primeiro lugar pelas opções estéticas.
Além da opção de somente mostrar os rostos dos entrevistados no final, o diretor fez um uso original da edição de som, um belo trabalho de Fabio Gonçalves com ruídos diretos e sua manipulação, além de melodias de John Cage - negociadas com a fundação responsável pelos direitos da obra do compositor norte-americano, morto em 1992, e que se mostrou sensível ao projeto do filme, reduzindo sensivelmente os valores para seu uso.
Quebrando o próprio molde que criou, no entanto, o documentário mostra, em sua porção final, todos os personagens de uma audiência, em que uma senhora se defende da acusação de tráfico de drogas.
Com a ré, uma testemunha, uma promotora, um advogado de defesa e o juiz diante das câmeras – situação raramente permitida -, ilustra-se com a máxima eloquência alguns dos pontos levantados pelos depoentes do filme, como a desigualdade social e o arcaísmo de alguns mecanismos judiciais.
Do ponto de vista do conteúdo, ou seja, das ideias discutidas, valeu muito ao cineasta a parceria com o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), entidade ativa no circuito judicial há 14 anos que garantiu o acesso a muitos locais normalmente proibidos à presença das câmeras. Uma invisibilidade que impede um debate mais livre sobre as soluções para o inegável problema do aumento da criminalidade no país.
“Sem Pena”, que estreia em circuito em 12 cidades na quinta-feira, felizmente não se propõe a esgotar seu tema, um labirinto de dramas e fracassos de abordagem.
A pior delas, segundo um dos entrevistados do filme, o antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário da segurança do Rio de Janeiro, o frenético encarceramento de suspeitos e jovens pobres, fenômeno que nega o surrado chavão de “país da impunidade” – ou pelo menos esclarece que a impunidade é relativa apenas a algumas classes sociais.
O documentário vale também por isso, por procurar quebrar o círculo infernal das frases feitas que contaminam o imaginário popular em torno do assunto.
Por Neusa Barbosa, do Cineweb
Fonte: br.reuters.com