http://goo.gl/eoJrJd | No longínquo ano de 1764 o Marquês de Beccaria trazia a público o seu manifesto iluminista Dos delitos e das penas, em que denunciava a má condição dos cárceres europeus e mais do que isso, propunha novas balizas para a ideia de pena, lançando aquelas que seriam as bases para o Direito Penal moderno.
Exatos 250 anos passados, pode-se dizer que no Brasil as condições do sistema carcerário ainda são muito próximas daquelas, e que nos casos em que melhoraram materialmente, ainda demandam um novo olhar para o fenômeno da criminalidade e o sentido da pena.
Intitulado “Seminário”, um evento criativo teve lugar no Teatro Gazeta, à av. Paulista, no último sábado, organizado pelas advogadas Adriana Nunes Martorelli (foto esquerda) e Fabiana Zanatta, respectivamente presidente e vice-presidente da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB/SP. A ideia central do acontecimento era compartilhar com a sociedade as múltiplas atividades terapêuticas desenvolvidas com as presas do CPP – Centro de Progressão Penitenciária Feminino do Butantan, e os efeitos positivos na vida de várias daquelas mulheres.
Tão vasto quanto as boas experiências colhidas, o programa do encontro estendeu-se das 9:20 da manhã às 16:30 da tarde, sem interrupção para cafés e até mesmo para almoço. Muita gente tinha o que falar, muitos profissionais tinham o que mostrar – após breves explanações sobre a atividade proposta para as presas, cada um dos profissionais mostrava um pequeno vídeo feito in loco – com autorização judicial, é claro – e algumas chegaram mesmo a propor atividades com a plateia. Meditação e relaxamento, dança, canto, música, poesia são algumas das atividades que vêm colhendo bons frutos no CPP Feminino do Butantan.
Para Rosana Munhoz, que prefere ser chamada de Siari, a meditação segundo as regras da yoga permite às presas vivenciarem o silêncio, o que aos poucos contribui para o desenvolvimento da autorresponsabilidade, mas sobretudo da consciência de que o espaço em que vivem é interno, é o ser de cada uma, que pode e deve ser cuidado e cultivado, mesmo enquanto na prisão.
Foi a partir dessa perspectiva, aliás, que o hoje professor, mestre, doutor e livre-docente do Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação da USP Roberto da Silva (foto meio) retratou a sua própria experiência, uma trajetória que começou aos dois anos e meio de idade em um abrigo para órfãos e abandonados, passou pela experiência da extinta Febem e culminaria com uma condenação a 36 anos de pena, não fosse a percepção de que a liberdade poderia ser vivenciada internamente, em seu intelecto: “A partir da noção de que passaria boa parte da vida preso, busquei a liberdade no meu pensamento, aproximando-me da literatura e da filosofia”. E o resto não é silêncio, e sim uma história capaz de converter o mais cético dos homens.
Tão surpreendente quanto a história do professor foi ouvir a diretora interdisciplinar de segurança e disciplina da penitenciária do Butantan, a bacharel em Direito Rosângela dos Santos Silva de Souza, narrar à plateia a transformação operada em sua visão das próprias presas a partir do contato com profissionais de fora do sistema – em sua maioria voluntários – que desenvolvem diferentes trabalhos com as reeducandas. “Eu preciso dessa parceria”, reconheceu a diretora de disciplina, em uma fala que remete à capacidade humana de constituir-se a partir do olhar do outro.
O evento foi fechado com chave de ouro com a narrativa da experiência pioneira desenvolvida dentro da penitenciária Desembargador Adriano Marrey, em Guarulhos/SP. A partir da sugestão de um agente penitenciário, foi criado um grupo de teatro integrado por presos e funcionários, que resultou no filme Na quebrada (foto direita), em cartaz em cinemas Brasil afora. Juiz da Corregedoria do TJ/SP, Jayme Garcia Junior, um dos avalistas do projeto, foi quem chamou a atenção para algo óbvio, mas que ainda teimamos em não ver, e que corrobora a visão externada pela diretora de disciplina Rosângela de que o sistema carcerário é um assunto que diz respeito a toda a comunidade: “O cárcere não está fora da sociedade. Não temos que falar em reintegrar, e sim em olhá-lo como algo que já faz parte do agrupamento social”.
Em metáfora tão perfeita como só é permitido pela arte, minutos antes boa parte do auditório havia deixado suas cadeiras e dado as mãos em uma roda proposta pela professora de dança Jacqueline Carla Sandes: advogados, estudantes de direito, familiares de detentos, egressos do sistema penitenciário e até mesmo um preso em cumprimento de pena no regime aberto, a quem o estigma tem pesado demais, segundo seu próprio relato, giravam todos sob a mesma música: a crença em um iluminismo que começou lá atrás mas que ainda luta para se firmar.
Fonte: migalhas.com.br
Exatos 250 anos passados, pode-se dizer que no Brasil as condições do sistema carcerário ainda são muito próximas daquelas, e que nos casos em que melhoraram materialmente, ainda demandam um novo olhar para o fenômeno da criminalidade e o sentido da pena.
Intitulado “Seminário”, um evento criativo teve lugar no Teatro Gazeta, à av. Paulista, no último sábado, organizado pelas advogadas Adriana Nunes Martorelli (foto esquerda) e Fabiana Zanatta, respectivamente presidente e vice-presidente da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB/SP. A ideia central do acontecimento era compartilhar com a sociedade as múltiplas atividades terapêuticas desenvolvidas com as presas do CPP – Centro de Progressão Penitenciária Feminino do Butantan, e os efeitos positivos na vida de várias daquelas mulheres.
Tão vasto quanto as boas experiências colhidas, o programa do encontro estendeu-se das 9:20 da manhã às 16:30 da tarde, sem interrupção para cafés e até mesmo para almoço. Muita gente tinha o que falar, muitos profissionais tinham o que mostrar – após breves explanações sobre a atividade proposta para as presas, cada um dos profissionais mostrava um pequeno vídeo feito in loco – com autorização judicial, é claro – e algumas chegaram mesmo a propor atividades com a plateia. Meditação e relaxamento, dança, canto, música, poesia são algumas das atividades que vêm colhendo bons frutos no CPP Feminino do Butantan.
Para Rosana Munhoz, que prefere ser chamada de Siari, a meditação segundo as regras da yoga permite às presas vivenciarem o silêncio, o que aos poucos contribui para o desenvolvimento da autorresponsabilidade, mas sobretudo da consciência de que o espaço em que vivem é interno, é o ser de cada uma, que pode e deve ser cuidado e cultivado, mesmo enquanto na prisão.
Foi a partir dessa perspectiva, aliás, que o hoje professor, mestre, doutor e livre-docente do Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação da USP Roberto da Silva (foto meio) retratou a sua própria experiência, uma trajetória que começou aos dois anos e meio de idade em um abrigo para órfãos e abandonados, passou pela experiência da extinta Febem e culminaria com uma condenação a 36 anos de pena, não fosse a percepção de que a liberdade poderia ser vivenciada internamente, em seu intelecto: “A partir da noção de que passaria boa parte da vida preso, busquei a liberdade no meu pensamento, aproximando-me da literatura e da filosofia”. E o resto não é silêncio, e sim uma história capaz de converter o mais cético dos homens.
Tão surpreendente quanto a história do professor foi ouvir a diretora interdisciplinar de segurança e disciplina da penitenciária do Butantan, a bacharel em Direito Rosângela dos Santos Silva de Souza, narrar à plateia a transformação operada em sua visão das próprias presas a partir do contato com profissionais de fora do sistema – em sua maioria voluntários – que desenvolvem diferentes trabalhos com as reeducandas. “Eu preciso dessa parceria”, reconheceu a diretora de disciplina, em uma fala que remete à capacidade humana de constituir-se a partir do olhar do outro.
O evento foi fechado com chave de ouro com a narrativa da experiência pioneira desenvolvida dentro da penitenciária Desembargador Adriano Marrey, em Guarulhos/SP. A partir da sugestão de um agente penitenciário, foi criado um grupo de teatro integrado por presos e funcionários, que resultou no filme Na quebrada (foto direita), em cartaz em cinemas Brasil afora. Juiz da Corregedoria do TJ/SP, Jayme Garcia Junior, um dos avalistas do projeto, foi quem chamou a atenção para algo óbvio, mas que ainda teimamos em não ver, e que corrobora a visão externada pela diretora de disciplina Rosângela de que o sistema carcerário é um assunto que diz respeito a toda a comunidade: “O cárcere não está fora da sociedade. Não temos que falar em reintegrar, e sim em olhá-lo como algo que já faz parte do agrupamento social”.
Em metáfora tão perfeita como só é permitido pela arte, minutos antes boa parte do auditório havia deixado suas cadeiras e dado as mãos em uma roda proposta pela professora de dança Jacqueline Carla Sandes: advogados, estudantes de direito, familiares de detentos, egressos do sistema penitenciário e até mesmo um preso em cumprimento de pena no regime aberto, a quem o estigma tem pesado demais, segundo seu próprio relato, giravam todos sob a mesma música: a crença em um iluminismo que começou lá atrás mas que ainda luta para se firmar.
Fonte: migalhas.com.br