http://goo.gl/3FkJEz | Nos Estados Unidos, milhares de pessoas detidas pela polícia passam de três a 70 dias na cadeia, culpadas ou inocentes, porque não têm dinheiro para pagar a fiança, segundo um novo relatório do Comitê Nacional do Direito a um Advogado (National Right to Counsel Committee), da organização The Constitution Project. Isso acontece, diz o relatório, porque elas comparecem à primeira audiência — a que define se vão responder ao processo presas ou em liberdade e, se for o caso, o valor da fiança — sem um advogado.
O relatório do comitê, formado por juízes e ex-juízes, promotores, criminalistas, advogados do Projeto Inocência e de entidades que representam as vítimas, professores de Direito e policiais, traz diversos argumentos e recomendações para defender o direito constitucional do cidadão a um advogado, desde a detenção — alguns dos argumentos se assemelham aos mencionados no Brasil, nas discussões sobre a audiência de custódia.
Um exemplo é o efeito benéfico que a presença de um defensor público — ou advogado nomeado por juiz — na audiência, para defender os direitos dos detidos, pode trazer para todo o sistema. Segundo o relatório, se o poder público investir mais na Defensoria Pública e na nomeação de advogados, muito menos pessoas irão para a cadeia. Se isso acontecer, haverá uma economia considerável de custos para o sistema, o que permitirá ao poder público investir mais na Defensoria Pública e na nomeação de advogados, o que irá resultar em ainda menos pessoas presas e em mais economia de recursos.
Em outras palavras, isso cria uma espécie de círculo virtuoso, que pode contribuir significativamente para reduzir a superlotação nas cadeias. Pode também beneficiar os contribuintes — um argumento ao qual os americanos dão muito valor — porque deixarão de pagar para manter uma leva maior de presos nas cadeias. Pode, ainda, beneficiar a sociedade, de uma maneira geral, porque uma grande quantidade de pessoas se declaram culpadas de delitos que não cometeram para pegar uma pena alternativa e escapar da cadeia.
Um advogado, diz o relatório, pode quebrar a tendência dos juízes — em algumas jurisdições, alguma outra autoridade do tribunal ou mesmo autoridades carcerárias, quando o processo de fiança é feito na cadeia — de fixar valores muito altos para a fiança. Qualquer uma dessas autoridades dá pouca ou nenhuma credibilidade a qualquer pessoa acusada de crime pela Polícia, quando ela tenta a autodefesa. E procura resolver tudo rapidamente, para se livrar do “problema”. Esse é o primeiro e importante ponto que muda, quando a defesa é feita por um advogado.
O advogado pode, em muitos casos, defender o direito da pessoa de responder o processo em liberdade, sem sequer pagar fiança. Se isso não for possível, pode conseguir a fixação de um valor razoável para a fiança, com o qual seu cliente pode arcar. Ou pode propor soluções alternativas, como a liberação do cliente sob a supervisão de outra pessoa (talvez um membro da família) ou uma espécie de prisão domiciliar, com horário de recolher — nesse caso, a pessoa pode continuar trabalhando, para sustentar sua família, pode frequentar algum curso, fazer algum tratamento.
Como o advogado sabe — e uma pessoa que tenta a autodefesa não sabe — nessa primeira audiência não se discute culpa ou inocência. A função do juiz, com a ajuda do advogado e do promotor, é apenas estabelecer se a pessoa acusada de qualquer delito pode responder o processo em liberdade ou não. Isto é, se ela não voltará a cometer o mesmo delito se ficar em liberdade e se não tentará fugir, deixando de comparecer às audiências judiciais.
Nos EUA, existem empresas especializadas em pagamentos de fiança, às quais a maioria dos juízes já se acostumou a incorporar no processo. Elas depositam a fiança em juízo, em favor do “réu”. Se ele comparecer a todas as audiências, ela recebe a devolução da fiança e mais uma taxa de 10% a 15% sobre seu valor, que é paga pelo “réu”. Se ele fugir, as empresas podem, na maioria dos estados, colocar um “caçador de fugitivos” atrás dele.
O comitê também sugere uma medida para simplificar o procedimento: uma autoridade judiciária poderia preparar um relatório para o juiz, tão conciso quanto possível — talvez com informações recebidas do promotor e do advogado, entre outras. O relatório traria a descrição do delito, informações sobre a periculosidade ou não da pessoa, fatos que evidenciam perigo de fuga ou o contrário, antecedentes criminais, trabalho e outras informações necessárias para a tomada de decisão do juiz. Nesse caso, o juiz poderia decidir mesmo quando não estivesse no tribunal, por telefone ou pela Internet, por exemplo.
O grupo também aponta outros prejuízos para quem é detido, em função da perda da liberdade, muitas vezes desnecessária. A prisão impede, por exemplo, que a pessoa conduza — ou ajude a conduzir — investigações que possam esclarecer o caso, busque testemunhas, avalie as acusações e prepare a defesa com seu advogado. Além disso, ela pode também perder seu emprego, sua casa e a capacidade de sustentar sua família.
O comitê argumenta ainda que, além de a Constituição garantir ao réu a representação por um advogado, independentemente de sua capacidade financeira, a legislação criminal também o ajuda: como a lei presume que todo mundo é inocente até que se prove o contrário, ela indica que responder o processo em liberdade é a melhor opção, sempre que possível. “A doutrina diz que a liberdade é a norma e a detenção antes do julgamento — ou sem julgamento — é a exceção, que deve ser cuidadosamente limitada”, diz o relatório.
2. A primeira audiência deve ser pública e deve dar a oportunidade ao advogado de defesa, a representantes de serviços de libertação antes do julgamento e a membros da família de prestar informações, para instruir as condições de libertação ou de fixação de fiança.
3. Um representante do Judiciário deve apresentar uma avaliação objetiva de riscos de a pessoa detida fugir ou de representar um perigo para a comunidade. O representante também deve oferecer uma recomendação ao juiz e cópias de sua avaliação devem ser entregues ao advogado e ao promotor, que também devem ser ouvidos.
4. O representante do Judiciário deve recomendar a condição “menos onerosa” para o sistema, levando em conta todos os fatores que estão a sua disposição, incluindo capacidade financeira da pessoa detida.
5. As jurisdições devem usar as economias conseguidas no sistema prisional, através da redução da população carcerária, para prover os recursos necessários para os defensores públicos e advogados nomeados, com o objetivo de que todas as pessoas detidas sejam representadas de forma eficaz na primeira audiência.
6. O governo federal e os governos estaduais devem ajudar na coleta de dados para essa primeira audiência, a fim de se obter melhores resultados para todos.
Por João Ozorio de Melo
Fonte: conjur.com.br
O relatório do comitê, formado por juízes e ex-juízes, promotores, criminalistas, advogados do Projeto Inocência e de entidades que representam as vítimas, professores de Direito e policiais, traz diversos argumentos e recomendações para defender o direito constitucional do cidadão a um advogado, desde a detenção — alguns dos argumentos se assemelham aos mencionados no Brasil, nas discussões sobre a audiência de custódia.
Um exemplo é o efeito benéfico que a presença de um defensor público — ou advogado nomeado por juiz — na audiência, para defender os direitos dos detidos, pode trazer para todo o sistema. Segundo o relatório, se o poder público investir mais na Defensoria Pública e na nomeação de advogados, muito menos pessoas irão para a cadeia. Se isso acontecer, haverá uma economia considerável de custos para o sistema, o que permitirá ao poder público investir mais na Defensoria Pública e na nomeação de advogados, o que irá resultar em ainda menos pessoas presas e em mais economia de recursos.
Em outras palavras, isso cria uma espécie de círculo virtuoso, que pode contribuir significativamente para reduzir a superlotação nas cadeias. Pode também beneficiar os contribuintes — um argumento ao qual os americanos dão muito valor — porque deixarão de pagar para manter uma leva maior de presos nas cadeias. Pode, ainda, beneficiar a sociedade, de uma maneira geral, porque uma grande quantidade de pessoas se declaram culpadas de delitos que não cometeram para pegar uma pena alternativa e escapar da cadeia.
Um advogado, diz o relatório, pode quebrar a tendência dos juízes — em algumas jurisdições, alguma outra autoridade do tribunal ou mesmo autoridades carcerárias, quando o processo de fiança é feito na cadeia — de fixar valores muito altos para a fiança. Qualquer uma dessas autoridades dá pouca ou nenhuma credibilidade a qualquer pessoa acusada de crime pela Polícia, quando ela tenta a autodefesa. E procura resolver tudo rapidamente, para se livrar do “problema”. Esse é o primeiro e importante ponto que muda, quando a defesa é feita por um advogado.
O advogado pode, em muitos casos, defender o direito da pessoa de responder o processo em liberdade, sem sequer pagar fiança. Se isso não for possível, pode conseguir a fixação de um valor razoável para a fiança, com o qual seu cliente pode arcar. Ou pode propor soluções alternativas, como a liberação do cliente sob a supervisão de outra pessoa (talvez um membro da família) ou uma espécie de prisão domiciliar, com horário de recolher — nesse caso, a pessoa pode continuar trabalhando, para sustentar sua família, pode frequentar algum curso, fazer algum tratamento.
Como o advogado sabe — e uma pessoa que tenta a autodefesa não sabe — nessa primeira audiência não se discute culpa ou inocência. A função do juiz, com a ajuda do advogado e do promotor, é apenas estabelecer se a pessoa acusada de qualquer delito pode responder o processo em liberdade ou não. Isto é, se ela não voltará a cometer o mesmo delito se ficar em liberdade e se não tentará fugir, deixando de comparecer às audiências judiciais.
Nos EUA, existem empresas especializadas em pagamentos de fiança, às quais a maioria dos juízes já se acostumou a incorporar no processo. Elas depositam a fiança em juízo, em favor do “réu”. Se ele comparecer a todas as audiências, ela recebe a devolução da fiança e mais uma taxa de 10% a 15% sobre seu valor, que é paga pelo “réu”. Se ele fugir, as empresas podem, na maioria dos estados, colocar um “caçador de fugitivos” atrás dele.
O comitê também sugere uma medida para simplificar o procedimento: uma autoridade judiciária poderia preparar um relatório para o juiz, tão conciso quanto possível — talvez com informações recebidas do promotor e do advogado, entre outras. O relatório traria a descrição do delito, informações sobre a periculosidade ou não da pessoa, fatos que evidenciam perigo de fuga ou o contrário, antecedentes criminais, trabalho e outras informações necessárias para a tomada de decisão do juiz. Nesse caso, o juiz poderia decidir mesmo quando não estivesse no tribunal, por telefone ou pela Internet, por exemplo.
O grupo também aponta outros prejuízos para quem é detido, em função da perda da liberdade, muitas vezes desnecessária. A prisão impede, por exemplo, que a pessoa conduza — ou ajude a conduzir — investigações que possam esclarecer o caso, busque testemunhas, avalie as acusações e prepare a defesa com seu advogado. Além disso, ela pode também perder seu emprego, sua casa e a capacidade de sustentar sua família.
O comitê argumenta ainda que, além de a Constituição garantir ao réu a representação por um advogado, independentemente de sua capacidade financeira, a legislação criminal também o ajuda: como a lei presume que todo mundo é inocente até que se prove o contrário, ela indica que responder o processo em liberdade é a melhor opção, sempre que possível. “A doutrina diz que a liberdade é a norma e a detenção antes do julgamento — ou sem julgamento — é a exceção, que deve ser cuidadosamente limitada”, diz o relatório.
Resumo das recomendações:
1. As jurisdições devem apontar um advogado, em tempo hábil, antes da audiência para decidir se a pessoa vai responder ao processo presa ou em liberdade e, se for o caso, o valor da fiança.2. A primeira audiência deve ser pública e deve dar a oportunidade ao advogado de defesa, a representantes de serviços de libertação antes do julgamento e a membros da família de prestar informações, para instruir as condições de libertação ou de fixação de fiança.
3. Um representante do Judiciário deve apresentar uma avaliação objetiva de riscos de a pessoa detida fugir ou de representar um perigo para a comunidade. O representante também deve oferecer uma recomendação ao juiz e cópias de sua avaliação devem ser entregues ao advogado e ao promotor, que também devem ser ouvidos.
4. O representante do Judiciário deve recomendar a condição “menos onerosa” para o sistema, levando em conta todos os fatores que estão a sua disposição, incluindo capacidade financeira da pessoa detida.
5. As jurisdições devem usar as economias conseguidas no sistema prisional, através da redução da população carcerária, para prover os recursos necessários para os defensores públicos e advogados nomeados, com o objetivo de que todas as pessoas detidas sejam representadas de forma eficaz na primeira audiência.
6. O governo federal e os governos estaduais devem ajudar na coleta de dados para essa primeira audiência, a fim de se obter melhores resultados para todos.
Por João Ozorio de Melo
Fonte: conjur.com.br