http://goo.gl/VWW2vL | A recente divulgação de pedaços da operação zelotes vem mostrando que vitórias paradigmáticas dos contribuintes no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) estão na mira dos investigadores. O maior deles é o do aproveitamento do ágio decorrente de uma operação de reestruturação societária pela Gerdau para abatimento da base de cálculo do Imposto de Renda.
Trata-se de uma discussão tributária cujo caso concreto envolve ao menos R$ 4 bilhões, e, por isso, tem sido merecedora de atenção especial por parte da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. A operação zelotes está sendo promovida pelo Ministério da Fazenda, ao lado do Ministério Público Federal, Polícia Federal e Receita Federal, para investigar denúncias de pagamento de propina e advocacia administrativa em decisões do Carf.
O Carf é um órgão do Ministério da Fazenda que serve como última instância administrativa para discussões a respeito de autuações fiscais. É um colegiado paritário, formado por conselheiros indicados pela Fazenda e por um conselho de contribuintes em igual número. Em caso de empate, o voto de minerva é da Fazenda.
No dia 4 de abril, o jornal O Estado de S. Paulo divulgou a gravação de um telefonema entre os advogados Paulo Roberto Cortez (também conselheiro substituto do Carf) e Nelson Mallmann que mostraria a existência de um esquema para decidir sobre a autuação fiscal da Gerdau. Nesse esquema, estaria o conselheiro do Carf Valmir Sandri, relator dos processos da Gerdau. Sandri nega a existência de qualquer irregularidade no caso.
Ele é um dos conselheiros representantes dos contribuintes. Foi sorteado relator dos processos da Gerdau, hoje em grau de recurso à Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), a última instância dentro do Carf. Há dois processos. Em um, a empresa saiu vencedora. No outro, julgado um ano depois, a Fazenda é que ganhou — uma vitória de mais de R$ 1 bilhão.
No caso em que a Gerdau ganhou, a vitória se deu por meio do voto de qualidade do conselheiro Carlos Eduardo de Almeida Guerreiro. A recompensa oferecida a ele foi não ter sua indicação ao Carf renovada pela Receita Federal, que o transferiu para trabalhar no aeroporto de Porto Alegre.
O caso que a Fazenda ganhou foi julgado um ano depois do episódio de Guerreiro. Por quatro votos a dois, a 3ª Câmara da 1ª Turma Ordinária da 1ª Seção do Carf entendeu que não houve “propósito negocial” na reestruturação da empresa. A operação foi feita para dissimular lucros e renda e, com isso, pagar menos imposto. Ambos os casos foram alvo de recurso para o Conselho Superior, sorteados a Sandri.
Na conversa interceptada pela Polícia Federal, Cortez fala que Sandri contou que negaria provimento ao recurso da Gerdau e que pautaria o caso. “Interessante, né, já colocar em pauta?”, indaga o advogado. “Todo mundo sabe do esquema do Carf com a Gerdau.”
Sandri também explica que só decidiu por pautar os casos por causa de uma emenda regimental de fevereiro deste ano que determinava a perda do mandato do conselheiro que demorasse mais de seis meses para pautar um caso.
O conselheiro foi um dos votos vencidos na derrota da Gerdau, mas Cortez garante a Mallmann que Sandri negaria provimento aos recursos da empresa. Na nota de esclarecimento, Sandri afirma: "Naturalmente, com a divulgação por terceiros do meu posicionamento antes mesmo de iniciar o julgamento, estarei impedido de votar no caso concreto da Gerdau".
Cortez também dá a entender, em seu telefonema a Mallmann, que o então presidente do Carf, Otacílio Dantas Cartaxo, estaria preocupado com as denúncias sobre corrupção no órgão. Cortez fala de uma conversa com Sandri em que o conselheiro relata apreensão de Cartaxo em relação à imagem do órgão.
Sandri explica que, como é um dos decanos do Carf, tem uma “ótima relação de coleguismo e amizade” com todos os que lá circulam. “Inclusive com o conselheiro Paulo Cortez.”
Em se tratando de um processo envolvendo o chamado “ágio interno”, o interesse da Fazenda é conhecido e declarado. Logo que a Fazenda saiu vitoriosa das primeiras discussões a respeito do tema, o procurador-chefe da PGFN no Carf, Paulo Riscado, deu entrevistas falando de seu alvo principal, as operações tributárias com ágio. Ágio é o preço a mais pago por uma empresa quando da compra de outra. O ágio interno seria o usado em operações societárias dentro do mesmo grupo empresarial.
A discussão é técnica. A Lei 9.532/1997 autoriza às empresas abaterem o ágio da base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido. Foi uma lei aprovada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso para estimular as privatizações do fim dos anos 1990.
Já no governo Lula, a Receita Federal passou a promover a interpretação de que só poderia ser aproveitado o ágio de operações promovidas entre empresas independentes. Depois das vitórias no Carf, em 2013 o governo federal editou a Medida Provisória 627 promovendo a interpretação fazendária, mas falando em “goodwill”, e não é ágio.
A MP foi convertida na Lei 12.973/2014, que entrou em vigor no dia 1º de janeiro deste ano. E a lei não trata de ágio interno, apenas em “ágio por rentabilidade futura”, ou “goodwill”.
Em quase todas as ações, a argumentação era de que, ao decidir que determinado auto de infração fiscal era improcedente, o Carf estava fazendo com que a União deixasse de arrecadar. E como o Carf é um órgão do Ministério da Fazenda e, portanto, da União, o autor das ações alegava que a União estava sendo omissa em seu papel de arrecadar.
Na ação popular sobre a compra do Banespa pelo Santander, o nome de Sandri aparecia logo depois do nome do banco. Era mais um caso de ágio. Em 2011, a 2ª Turma da 4ª Câmara da 1ª Seção do Carf declarou legítimo o aproveitamento de ágio de R$ 7,5 bilhões pelo banco espanhol, gerado na compra, em 2000, do Banespa. O Fisco cobrava R$ 4 bilhões em tributos não pagos entre 2002 e 2004.
Foi a única ação popular que andou no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por conta de um parecer favorável do Ministério Público Federal. A inicial da ação dizia que Sandri, por ser sócio de um escritório com atuação em contencioso tributário administrativo, não poderia ser conselheiro do Carf. Haveria conflito de interesses e uma infração ao Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil. A ação foi trancada sem resolução de mérito pelo TRF-1 e já transitou em julgado.
Clique aqui para ler a nota de esclarecimento de Valmir Sandri.
Por Pedro Canário
Fonte: conjur.com.br
Trata-se de uma discussão tributária cujo caso concreto envolve ao menos R$ 4 bilhões, e, por isso, tem sido merecedora de atenção especial por parte da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. A operação zelotes está sendo promovida pelo Ministério da Fazenda, ao lado do Ministério Público Federal, Polícia Federal e Receita Federal, para investigar denúncias de pagamento de propina e advocacia administrativa em decisões do Carf.
O Carf é um órgão do Ministério da Fazenda que serve como última instância administrativa para discussões a respeito de autuações fiscais. É um colegiado paritário, formado por conselheiros indicados pela Fazenda e por um conselho de contribuintes em igual número. Em caso de empate, o voto de minerva é da Fazenda.
No dia 4 de abril, o jornal O Estado de S. Paulo divulgou a gravação de um telefonema entre os advogados Paulo Roberto Cortez (também conselheiro substituto do Carf) e Nelson Mallmann que mostraria a existência de um esquema para decidir sobre a autuação fiscal da Gerdau. Nesse esquema, estaria o conselheiro do Carf Valmir Sandri, relator dos processos da Gerdau. Sandri nega a existência de qualquer irregularidade no caso.
Ele é um dos conselheiros representantes dos contribuintes. Foi sorteado relator dos processos da Gerdau, hoje em grau de recurso à Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), a última instância dentro do Carf. Há dois processos. Em um, a empresa saiu vencedora. No outro, julgado um ano depois, a Fazenda é que ganhou — uma vitória de mais de R$ 1 bilhão.
No caso em que a Gerdau ganhou, a vitória se deu por meio do voto de qualidade do conselheiro Carlos Eduardo de Almeida Guerreiro. A recompensa oferecida a ele foi não ter sua indicação ao Carf renovada pela Receita Federal, que o transferiu para trabalhar no aeroporto de Porto Alegre.
O caso que a Fazenda ganhou foi julgado um ano depois do episódio de Guerreiro. Por quatro votos a dois, a 3ª Câmara da 1ª Turma Ordinária da 1ª Seção do Carf entendeu que não houve “propósito negocial” na reestruturação da empresa. A operação foi feita para dissimular lucros e renda e, com isso, pagar menos imposto. Ambos os casos foram alvo de recurso para o Conselho Superior, sorteados a Sandri.
Na conversa interceptada pela Polícia Federal, Cortez fala que Sandri contou que negaria provimento ao recurso da Gerdau e que pautaria o caso. “Interessante, né, já colocar em pauta?”, indaga o advogado. “Todo mundo sabe do esquema do Carf com a Gerdau.”
Esclarecimento
Valmir Sandri nega o envolvimento em qualquer irregularidade, e afirma que o comentário de Cortez “está desprovido de realidade”. Em nota de esclarecimento enviada à revista eletrônica Consultor Jurídico, Sandri remonta que ele recebeu os processo da Gerdau, junto com outros dez, no dia 17 de julho de 2014. E só no dia 26 de março de 2015 é que ele incluiu os casos da siderúgica em pauta.Sandri também explica que só decidiu por pautar os casos por causa de uma emenda regimental de fevereiro deste ano que determinava a perda do mandato do conselheiro que demorasse mais de seis meses para pautar um caso.
O conselheiro foi um dos votos vencidos na derrota da Gerdau, mas Cortez garante a Mallmann que Sandri negaria provimento aos recursos da empresa. Na nota de esclarecimento, Sandri afirma: "Naturalmente, com a divulgação por terceiros do meu posicionamento antes mesmo de iniciar o julgamento, estarei impedido de votar no caso concreto da Gerdau".
Cortez também dá a entender, em seu telefonema a Mallmann, que o então presidente do Carf, Otacílio Dantas Cartaxo, estaria preocupado com as denúncias sobre corrupção no órgão. Cortez fala de uma conversa com Sandri em que o conselheiro relata apreensão de Cartaxo em relação à imagem do órgão.
Sandri explica que, como é um dos decanos do Carf, tem uma “ótima relação de coleguismo e amizade” com todos os que lá circulam. “Inclusive com o conselheiro Paulo Cortez.”
Interesse da Fazenda
A palavra “esquema” usada por Cortez sobre o caso da Gerdau no Carf pode querer dizer uma porção de coisas. Por exemplo, que Sandri tem algum interesse no caso. Ou que a Fazenda tem algum interesse no caso.Em se tratando de um processo envolvendo o chamado “ágio interno”, o interesse da Fazenda é conhecido e declarado. Logo que a Fazenda saiu vitoriosa das primeiras discussões a respeito do tema, o procurador-chefe da PGFN no Carf, Paulo Riscado, deu entrevistas falando de seu alvo principal, as operações tributárias com ágio. Ágio é o preço a mais pago por uma empresa quando da compra de outra. O ágio interno seria o usado em operações societárias dentro do mesmo grupo empresarial.
A discussão é técnica. A Lei 9.532/1997 autoriza às empresas abaterem o ágio da base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido. Foi uma lei aprovada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso para estimular as privatizações do fim dos anos 1990.
Já no governo Lula, a Receita Federal passou a promover a interpretação de que só poderia ser aproveitado o ágio de operações promovidas entre empresas independentes. Depois das vitórias no Carf, em 2013 o governo federal editou a Medida Provisória 627 promovendo a interpretação fazendária, mas falando em “goodwill”, e não é ágio.
A MP foi convertida na Lei 12.973/2014, que entrou em vigor no dia 1º de janeiro deste ano. E a lei não trata de ágio interno, apenas em “ágio por rentabilidade futura”, ou “goodwill”.
Na mira
O conselheiro Valmir Sandri está no centro dos interesses da Fazenda já há algum tempo. E muito por conta de seu caminho ter cruzado o do “ágio por rentabilidade futura”. No fim de 2012, quando um ex-procurador da Fazenda ajuizou 59 ações populares contra decisões do Carf, Sandri era um dos seus alvos preferidos.Em quase todas as ações, a argumentação era de que, ao decidir que determinado auto de infração fiscal era improcedente, o Carf estava fazendo com que a União deixasse de arrecadar. E como o Carf é um órgão do Ministério da Fazenda e, portanto, da União, o autor das ações alegava que a União estava sendo omissa em seu papel de arrecadar.
Na ação popular sobre a compra do Banespa pelo Santander, o nome de Sandri aparecia logo depois do nome do banco. Era mais um caso de ágio. Em 2011, a 2ª Turma da 4ª Câmara da 1ª Seção do Carf declarou legítimo o aproveitamento de ágio de R$ 7,5 bilhões pelo banco espanhol, gerado na compra, em 2000, do Banespa. O Fisco cobrava R$ 4 bilhões em tributos não pagos entre 2002 e 2004.
Foi a única ação popular que andou no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por conta de um parecer favorável do Ministério Público Federal. A inicial da ação dizia que Sandri, por ser sócio de um escritório com atuação em contencioso tributário administrativo, não poderia ser conselheiro do Carf. Haveria conflito de interesses e uma infração ao Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil. A ação foi trancada sem resolução de mérito pelo TRF-1 e já transitou em julgado.
Clique aqui para ler a nota de esclarecimento de Valmir Sandri.
Por Pedro Canário
Fonte: conjur.com.br