Quem erra mais: o Congresso ou o ministro Lewandowski?

http://goo.gl/vhwpeQ | 1. Reformatório e Bancada da Bala. No século XIX e no reino do Piemonte, menores infratores perigosos eram internados em estabelecimento denominado “reformatório”. Na capital Turim ficou famoso, pelos maus-tratos e nenhuma tentativa de ressocialização, o reformatório La Generala, destinado a “delinquentes juvenis”, dados como irrecuperáveis. À época, estava em voga o darwinismo e empolgava, até antes da publicação da obra L’Uomo Delinquente, o posicionamento antropológico sobre o criminoso nato  sustentado pelo médico Cesare Lombroso:  a influência social não estava na gênese do crime e contava apenas o fator biológico. No ano de 1871, Lombroso publicou a sua célebre obra.  Um dos poucos a levar conforto aos internos do La Generala foi Giovanni Bosco, respeitado educador e padre salesiano.

Em 1855, Bosco apresentou ao anticlerical Urbano Rattazzi, titular da pasta da Segurança Pública, um inusitado pedido para, pelas ruas e praças de Turim, marchar com 300 menores do La Generala.  A permissão foi deferida e um fato dado como extraordinário pelos turineses aconteceu, ou seja, os adolescentes comportaram-se de maneira exemplar. Com isso, o padre que se tornaria santo colocou em xeque o método empregado no reformatório e deu a receita: “A minha força é uma força moral. O reino, no particular, só sabe ordenar e punir. Eu vou diretamente ao coração dos jovens e a minha palavra é a palavra de Deus”.

Os nossos constituintes proibiram as penas de prisão perpétua e de morte nos crimes comuns. Com isso, e para maiores e menores de idade, claro ficou terem as sanções penais e infracionais a finalidade ética de emendar e ressocializar. Desde a entrada em vigor da Constituição de 1988, jamais se investiu na recuperação, e continuamos com as nossas La Generala para crianças e adolescentes e, para adultos, com os Pedrinhas.  A emenda de redução da maioridade penal para 16 anos, se vingar, provocará a entrada de uma enxurrada de jovens em presídios até agora reservados para adultos, muitos deles sob domínio de organizações criminosas.

Pasme: a porcentagem de reincidência dos egressos do sistema prisional fechado beira os 80%. Essa emenda da redução da responsabilidade criminal está amparada na crença lombrosiana do infrator irrecuperável e é marcadamente populista: na comissão especial recém-formada para deliberar na segunda etapa do processo legislativo, é integrada, na maioria, por parlamentares da denominada “Bancada da Bala”.  Fora isso, a iniciativa parlamentar de ressuscitar uma emenda de mais de 20 anos de idade, carece de legitimidade, pois os governos federal e estaduais nunca cumpriram o dever constitucional e ético de investir na emenda.  A solução, por evidente, está em mudar, com relação a infratores, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em que, para crimes graves e hediondos, o prazo máximo de internação, dita educacional, é de três anos, mas, dada a impositiva e expressa regra da brevidade, pode durar seis meses.

2. Agora, vai. Na ONU, Itália e Alemanha lutam pela abolição da pena de morte. Na Sexta-feira da Paixão, ganharam o apoio do papa Francisco. Como Estados Unidos e China são a favor da pena capital e a consideram questão soberana, vingou, por iniciativa da Alemanha, o compromisso de alguns Estados membros de aderir à moratória (suspensão das execuções capitais) até debates em futura convenção.  O país que mais mata é a China e os processos condenatórios não são regidos por garantias mínimas e ínsitas ao direito natural de defesa do réu. Porém, tudo vai mudar, certamente. Isso depois da visita e formalização de termo de cooperação e troca de experiências celebrado em solo chinês pelo supremo presidente Ricardo Lewandowski.

Pela fundamental visita à China, o ministro recebeu, dos cofres da União, diárias de viagem. Na volta, adotou postura castrense em defesa do seu projeto de lei complementar do Estatuto da Magistratura e relativo a magistrado acusado de infração disciplinar. Para ele, o magistrado suspeito deve ser, em procedimento correcional do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), “interrogado por um magistrado da sua categoria, a exemplo do praticado nas Forças Armadas”. Pela proposta, conselheiros indicados pela Câmara, Senado, OAB e Ministério Público não poderão interrogar magistrados suspeitos no CNJ, um órgão considerado de controle externo.

Lewandowski esqueceu, no que toca à hierarquia constitucional estabelecida aos órgãos do Poder Judiciário, estar o CNJ abaixo apenas do Supremo Tribunal Federal. E os conselheiros são os seus representantes, sendo inconstitucional a capitis diminutio almejada por Lewandowski. Por outro lado, ares autoritários respirados na China, ao que tudo indica, influenciaram Lewandowski no seu propósito de livrar os integrantes do Tribunal Superior Eleitoral do poder correcional e fiscalizador do CNJ. Em resumo, deveria Lewandowski reler, para seu melhor entendimento, a Constituição.

Por Wálter Maierovitch
Fonte: cartacapital.com.br
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