http://goo.gl/wW2t1d | Recentemente um colega recebeu uma multa de um radar eletrônico, coisa comum em Brasília. Ele comparou o procedimento a um julgamento instantâneo. Existe uma norma que regula a velocidade máxima no trecho monitorado por um instrumento com fé pública. Este instrumento detectou, com precisão de casa após a vírgula, que a norma foi ferida pelo carro que estava passando no ponto de controle e fotografou com alguns megapixels de resolução a placa do carro transmitindo a foto para uma central que reconheceu os números e letras da foto da placa com algumas casas após a vírgula de precisão. Os números e letras foram comparados a um banco de dados com os registros dos carros e o colega recebeu pelo correio uma penalidade pecuniária e uns pontos na carteira. A carta do Detran deixou a possibilidade de um recurso caso exista outra explicação para a medição de velocidade e a foto de sua placa ampliada.
Guardadas as proporções, realmente parece um julgamento sumário. O Estado aplicou uma penalidade instantânea e extremamente precisa, e neste sentido com características de justiça célere e dosada.
A discussão sobre máquinas que julgam e computadores inteligentes é quase um clichê e assunto de ficção cientifica. Tudo bem, já havia ouvido esta analogia dos radares com os julgamentos, mas sempre poderemos dizer que isso é tão fácil e padronizado que até um computador resolve. Quero ver interpretar a lei, a doutrina e a jurisprudência, entender depoimentos.
Um primeiro passo para esta possibilidade seria a questão da padronização. Existem aproximadamente 90 milhões de processos em trâmite no judiciário brasileiro. Destes, mais da metade tratam de assuntos ligados a execuções fiscais, sistema de habitação e previdência. São em grande parte discussões valores pecuniários em relação à aplicação de normas no tempo, em suma, questões numéricas. Será que os computadores atuais são tão limitados que não conseguem cruzar centenas de variáveis possíveis para cada caso desses e classificar o resultado em uma categoria de decisão? Veja que são muitas possibilidades, mesmo elas sendo padronizadas.
Até alguns anos atrás o maior feito da chamada inteligência artificial era o jogo de xadrez Kasparov X Deep Blue. Quem joga xadrez sabe que as partidas, depois da abertura, praticamente sempre são diferentes, as variações são muitas, milhões de possibilidades, pois cada peça possui seus movimentos e a cada movimento as possibilidades das outras peças se transformam e assim por diante. Milhões de possibilidades, mas possibilidades não infinitas. A famosa partida comprovou que o processamento pesado e bem projetado pode superar a capacidade das melhores mentes e hoje não há mais novos desafios desses, pois o ser humano não teria a menor chance.
Mas, e daí? Talvez alguns processos (milhões) sejam padronizáveis e processáveis por máquinas, talvez isso só signifique que eles nem deveriam estar no judiciário, poderiam ser resolvidos administrativamente, seriam como multas de trânsito. Quero ver interpretar a lei, a doutrina e a jurisprudência, entender depoimentos.
Muito bem, deixei a bola quicando no momento que indiquei que o maior feito da inteligência artificial era o duelo de xadrez, pois não é mais.
Em fevereiro de 2011, a IBM, mesma empresa que desafiou, e venceu, o maior mestre de xadrez da atualidade, apresentou um novo computador experimental.
Para um contexto mais claro, descrevo que nos EUA existe um programa de televisão chamado Jeopardy! Ele está no ar há mais de três décadas e consiste em um teste de conhecimentos, cultura e velocidade de raciocínio. Funciona da seguinte maneira:
Três humanos ficam cada um em uma bancada com um botão vermelho em sua frente. A cada rodada o apresentador do programa coloca na tela uma dica, para que algum dos três jogadores descubra qual a pergunta que deve ser feita para que a dica que está na tela seja a resposta.
Por exemplo:
Dica 1: Um inglês que viveu na era vitoriana.
Dica 2: Autor de um formoso romance sobre um vampiro.
Bééé!! Alguém apertou o botão vermelho.
— Diga qual é a pergunta, fala o apresentador.
— Quem foi Bram Stoker? Responde o jogador que apertou o botão.
— Acertou, diz o apresentador. Vamos para as próximas dicas.
E assim o programa seguiu por mais de 8 mil episódios, colocando os campeões para jogaram com desafiantes e distribuindo prêmios maiores para os que chegavam ao final as temporadas.
A IBM convidou para uma rodada especial, o jogador que mais vezes acertou e o que mais ganhou dinheiro história do programa. Ambos reconhecidos por sua vasta cultura geral e velocidade de raciocínio.
O terceiro jogador, o desafiante calouro, foi o IBM Watson. Do tamanho de um pequeno caminhão e com tecnologia de última geração em hardware, este computador possuía como diferencial um software, um avançado algoritmo processador de linguagem natural capaz de entender perguntas e apresentar respostas.
Pois é, o Watson ganhou, sem sombra de dúvida. E, para além de entender a sintática e a semântica das frases apresentadas, ele possuía o desafio de falar as respostas e conversar com o apresentador e os participantes sozinho, sem interferências dos humanos que o construíram. Ele também fez isso com maestria e para espanto da equipe de cientistas teve um momento do que chamaram de ‘ironia não programada’, Watson fez uma brincadeira!
Felicidade total para a IBM, e para a ciência em geral. A plataforma de software cognitivo do Watson, que é seu grande diferencial, é hoje um produto da IBM sendo oferecido para diversas áreas do conhecimento.
O Watson já está sendo utilizado em tratamento personalizado contra o câncer, propondo estratégias de tratamento com maior probabilidade de sucesso para o contexto específico do paciente e em análises de regulações para propositura de documentos alfandegários precisos com base em compliance e riscos ligados aos países exportadores e importadores.
E neste ano, 2015, a plataforma Watson foi utilizada por estudantes da Universidade de Toronto para a criação do projeto e da empresa Ross, um advogado e pesquisador jurídico inteligente e virtual. A aplicação responde perguntas em linguagem natural com uma resposta e não com milhares de resultados para você pesquisar. Indica ainda as chances positivas e negativas do caso concreto perante os precedentes e apreende cada vez que novas perguntas e respostas são discutidas com os advogados. O serviço ainda está voltado para escritórios de advocacia, provavelmente por questões de reserva de mercado.
O argumento contrário do ‘quero ver interpretar a lei, a doutrina e a jurisprudência, entender depoimentos’ está fadado ao insucesso diante do estado da arte da tecnologia. O site LegalTechNews (LTN), ao comentar o lançamento do Ross Watson, fez a reflexão: Seria ele o melhor amigo dos profissionais jurídicos ou seu pior pesadelo?
Por Marcelo Stopanovski
Fonte: conjur.com.br
Guardadas as proporções, realmente parece um julgamento sumário. O Estado aplicou uma penalidade instantânea e extremamente precisa, e neste sentido com características de justiça célere e dosada.
A discussão sobre máquinas que julgam e computadores inteligentes é quase um clichê e assunto de ficção cientifica. Tudo bem, já havia ouvido esta analogia dos radares com os julgamentos, mas sempre poderemos dizer que isso é tão fácil e padronizado que até um computador resolve. Quero ver interpretar a lei, a doutrina e a jurisprudência, entender depoimentos.
Um primeiro passo para esta possibilidade seria a questão da padronização. Existem aproximadamente 90 milhões de processos em trâmite no judiciário brasileiro. Destes, mais da metade tratam de assuntos ligados a execuções fiscais, sistema de habitação e previdência. São em grande parte discussões valores pecuniários em relação à aplicação de normas no tempo, em suma, questões numéricas. Será que os computadores atuais são tão limitados que não conseguem cruzar centenas de variáveis possíveis para cada caso desses e classificar o resultado em uma categoria de decisão? Veja que são muitas possibilidades, mesmo elas sendo padronizadas.
Até alguns anos atrás o maior feito da chamada inteligência artificial era o jogo de xadrez Kasparov X Deep Blue. Quem joga xadrez sabe que as partidas, depois da abertura, praticamente sempre são diferentes, as variações são muitas, milhões de possibilidades, pois cada peça possui seus movimentos e a cada movimento as possibilidades das outras peças se transformam e assim por diante. Milhões de possibilidades, mas possibilidades não infinitas. A famosa partida comprovou que o processamento pesado e bem projetado pode superar a capacidade das melhores mentes e hoje não há mais novos desafios desses, pois o ser humano não teria a menor chance.
Mas, e daí? Talvez alguns processos (milhões) sejam padronizáveis e processáveis por máquinas, talvez isso só signifique que eles nem deveriam estar no judiciário, poderiam ser resolvidos administrativamente, seriam como multas de trânsito. Quero ver interpretar a lei, a doutrina e a jurisprudência, entender depoimentos.
Muito bem, deixei a bola quicando no momento que indiquei que o maior feito da inteligência artificial era o duelo de xadrez, pois não é mais.
Em fevereiro de 2011, a IBM, mesma empresa que desafiou, e venceu, o maior mestre de xadrez da atualidade, apresentou um novo computador experimental.
Para um contexto mais claro, descrevo que nos EUA existe um programa de televisão chamado Jeopardy! Ele está no ar há mais de três décadas e consiste em um teste de conhecimentos, cultura e velocidade de raciocínio. Funciona da seguinte maneira:
Três humanos ficam cada um em uma bancada com um botão vermelho em sua frente. A cada rodada o apresentador do programa coloca na tela uma dica, para que algum dos três jogadores descubra qual a pergunta que deve ser feita para que a dica que está na tela seja a resposta.
Por exemplo:
Dica 1: Um inglês que viveu na era vitoriana.
Dica 2: Autor de um formoso romance sobre um vampiro.
Bééé!! Alguém apertou o botão vermelho.
— Diga qual é a pergunta, fala o apresentador.
— Quem foi Bram Stoker? Responde o jogador que apertou o botão.
— Acertou, diz o apresentador. Vamos para as próximas dicas.
E assim o programa seguiu por mais de 8 mil episódios, colocando os campeões para jogaram com desafiantes e distribuindo prêmios maiores para os que chegavam ao final as temporadas.
A IBM convidou para uma rodada especial, o jogador que mais vezes acertou e o que mais ganhou dinheiro história do programa. Ambos reconhecidos por sua vasta cultura geral e velocidade de raciocínio.
O terceiro jogador, o desafiante calouro, foi o IBM Watson. Do tamanho de um pequeno caminhão e com tecnologia de última geração em hardware, este computador possuía como diferencial um software, um avançado algoritmo processador de linguagem natural capaz de entender perguntas e apresentar respostas.
Pois é, o Watson ganhou, sem sombra de dúvida. E, para além de entender a sintática e a semântica das frases apresentadas, ele possuía o desafio de falar as respostas e conversar com o apresentador e os participantes sozinho, sem interferências dos humanos que o construíram. Ele também fez isso com maestria e para espanto da equipe de cientistas teve um momento do que chamaram de ‘ironia não programada’, Watson fez uma brincadeira!
Felicidade total para a IBM, e para a ciência em geral. A plataforma de software cognitivo do Watson, que é seu grande diferencial, é hoje um produto da IBM sendo oferecido para diversas áreas do conhecimento.
O Watson já está sendo utilizado em tratamento personalizado contra o câncer, propondo estratégias de tratamento com maior probabilidade de sucesso para o contexto específico do paciente e em análises de regulações para propositura de documentos alfandegários precisos com base em compliance e riscos ligados aos países exportadores e importadores.
E neste ano, 2015, a plataforma Watson foi utilizada por estudantes da Universidade de Toronto para a criação do projeto e da empresa Ross, um advogado e pesquisador jurídico inteligente e virtual. A aplicação responde perguntas em linguagem natural com uma resposta e não com milhares de resultados para você pesquisar. Indica ainda as chances positivas e negativas do caso concreto perante os precedentes e apreende cada vez que novas perguntas e respostas são discutidas com os advogados. O serviço ainda está voltado para escritórios de advocacia, provavelmente por questões de reserva de mercado.
O argumento contrário do ‘quero ver interpretar a lei, a doutrina e a jurisprudência, entender depoimentos’ está fadado ao insucesso diante do estado da arte da tecnologia. O site LegalTechNews (LTN), ao comentar o lançamento do Ross Watson, fez a reflexão: Seria ele o melhor amigo dos profissionais jurídicos ou seu pior pesadelo?
Por Marcelo Stopanovski
Fonte: conjur.com.br