http://goo.gl/Hk4CDm | Nos últimos anos, o escopo de pesquisa do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito SP (NEF/FGV) pautou-se na promoção da transparência como instrumento de acesso à informação. Para que fosse possível fazer pesquisas empíricas sobre atos de aplicação do direito e aprimorar mecanismos de controle social era necessário ter acesso aos dados, decisões e pareceres dos órgãos públicos[1].
Com o objetivo de promover acesso à informação e indução de boas práticas, em 2013 foi criado o Índice de Transparência do Contencioso Administrativo Tributário (ICAT), que avalia a quantidade e qualidade da informação disponibilizada pelos tribunais administrativos estaduais, federal e do município de São Paulo em seus endereços eletrônicos. Diante do sucesso do projeto, o NEF também tem trabalhado no Índice de Transparência e Cidadania Fiscal dos Municípios (TCM), que busca aferir o grau de transparência de informações fiscais das administrações municipais.
A aferição da transparência fiscal através dos mencionados índices mostra que apesar de ainda haver muito o que se melhorar, há um notável engajamento de servidores e órgãos públicos para melhorar a situação atual e desenvolver novos instrumentos que colaborem com a divulgação de informações. Isso demonstra que as iniciativas do NEF já influenciaram positivamente ao menos na indução de boas práticas e na conscientização de que a transparência é a pauta do momento.
O sucesso das pesquisas envolvendo a transparência do setor público ensejou o NEF a ampliar o seu espectro de investigação e incluir em sua agenda de 2015 linha de pesquisa dedicada ao estudo da transparência do setor privado, mais especificamente sobre os contornos institucionais que envolvem a divulgação de informações fiscais pelas empresas.
A busca por maior transparência no ambiente corporativo é um movimento mundial que pode ser observado nos mais variados setores. No âmbito empresarial, com enfoque para a matéria tributária, destaca-se o plano de ação do BEPS[2], que inclui como uma de suas metas a promoção da transparência como forma de combate a práticas fiscais abusivas. A adoção das IFRS[3] também reflete uma busca por transparência. Para além de simplesmente promover uniformização das regras contábeis no mundo todo, o movimento traz como pilar a elaboração de demonstrações financeiras que reflitam a essência econômica das operações realizadas. Trata-se de romper com o paradigma da elaboração de demonstrações financeiras meramente formais e que não refletem de forma fidedigna as operações da empresa.
No âmbito da sociedade civil e com enfoque para o direito penal-tributário existem movimentos que incentivam a adoção de práticas mais transparentes como forma de combater a corrupção e incentivar tomadas de decisões que primem por um desenvolvimento sustentável. Esse é o caso da Transparency International, organização não governamental (ONG) que combate a corrupção por meio da promoção da transparência no ambiente de negócios[4], e da Global Reporting Initiative, outra ONG que se dedica à criação de um padrão mundial para emissão de relatórios de sustentabilidade.
Outro movimento que merece destaque é o Extractive Industries Transparency Initiative, na sigla EITI[5], apoiado pelos grupos G8 e G20 e que define padrões globais para promover administração responsiva e aberta das empresas que realizam a extração de recursos naturais, tais como combustíveis fósseis e minerais. Seu objetivo é estreitar os laços entre governo e empresa, informar o debate público e aumentar a confiança entre stakeholders e agentes econômicos. No início do ano, o Reino Unido aprovou lei adotando os padrões EITI e exigindo de grandes empresas extrativistas a divulgação de relatório com todos os pagamentos realizados a governos (incluindo tributos, royalties, licenças, etc.), discriminados por projeto e por país.
Esses movimentos globais dialogam com a crise política vivenciada no Brasil nos últimos dois anos. Como resposta aos protestos ocorridos no mês de junho de 2013 a Presidência da República sancionou a Lei 12.846/13, intitulada de Lei Anticorrupção e cuja regulamentação se deu apenas em março do presente ano com a edição do Decreto 8.420/15, coincidindo com a décima fase da operação lava-jato.
Nos termos do decreto regulamentador, as empresas infratoras poderão obter descontos de multas caso tenham um programa de integridade (compliance) efetivo que inclua procedimentos específicos de prevenção de fraudes e ilícitos na relação com o setor público, o que abrange, inclusive, a relação da empresa com o fisco — seja para o pagamento de tributos seja para o cumprimento de obrigações acessórias e concessão de certidões.
Sob essa perspectiva, a transparência corporativa pode contribuir para o fortalecimento do programa de compliance uma vez que permitirá controle social dos atos da empresa, nas mais variadas áreas. Ao mesmo tempo, a transparência também pode servir de escudo contra atos abusivos do Estado, especialmente em relações de captura por grupos de interesse e rent seeking[6].
Sob outro enfoque, há estudos que relacionam a promoção da transparência corporativa com maior desenvolvimento econômico sustentável das empresas, investimento em mão-de-obra qualificada e benefícios reputacionais refletidos na valorização de ações no mercado[7].
Os movimentos citados acima são exemplos aplicados ao setor privado de uma mudança profunda de comportamento social. Manuel Castells aponta para um novo paradigma de formação de opinião pública e ascensão do papel da sociedade civil no diálogo por meio do uso de redes horizontais e autônomas de comunicação. Desse processo emerge nova forma de Estado, caracterizada por uma soberania dividida, responsabilidade e flexibilidade dos procedimentos de governança na relação entre o governo e cidadãos, em termos de tempo e espaço[8].
O novo milênio pede por um novo paradigma de desenvolvimento: os laços estabelecidos entre o Estado e o empresariado industrial devem ser repensados e substituídos por formas de regulação horizontais, os quais pressupõem a transparência para que se operacionalizem.
Será desafio do NEF iniciar o debate sobre transparência corporativa em meio acadêmico no Brasil. Pensar o tema junto a representantes do governo, de grandes empresas bem como de membros da sociedade civil nos parece a melhor forma de construir parâmetros e práticas que reflitam esse novo comportamento social na era da informação.
[1] Transparência fiscal e desenvolvimento: homenagem ao Professor Isaias Coelho/coordenação Eurico Marcos Diniz de Santi... [et al.] – 1 ed. – São Paulo : FISCOSOFT Editora. P. 23-44.
[2] Mais informações em http://www.oecd.org/ctp/BEPSActionPlan.pdf
[3] International Financial Reporting Standards
[4] Confira último relatório emitido pela organização em http://goo.gl/NDq4Si
[5] Extractive Industries Transparency Initiative. Mais informações em https://eiti.org/resources
[6] A teoria do rent seeking é encontrada na literature de direito e economia e destina-se a analisar a transferência de recursos de um setor da sociedade para outro, sem que novas riquezas sejam geradas. Cf. HIRATA, Dalton. O regime brasileiro de tributação de lucros auferidos por sociedades controladas e coligadas no exterior : uma visão do atual regime por meio da ótica da teoria do rent seeking. Dissertação de mestrado. FGV.
[7] Ioannis Ioannou e George Serafeim, ‘The consequences of mandatory corporate sustainability reporting’, Working Paper, 30 Março 2011.
[8] Castells, Manuel. The New Public Sphere: Global Civil Society, Communication Networks, and Global Governance. P. 86 a 88.
Por Laura Romano Campedelli e Ana Teresa Lima Rosa
Fonte: conjur.com.br
Com o objetivo de promover acesso à informação e indução de boas práticas, em 2013 foi criado o Índice de Transparência do Contencioso Administrativo Tributário (ICAT), que avalia a quantidade e qualidade da informação disponibilizada pelos tribunais administrativos estaduais, federal e do município de São Paulo em seus endereços eletrônicos. Diante do sucesso do projeto, o NEF também tem trabalhado no Índice de Transparência e Cidadania Fiscal dos Municípios (TCM), que busca aferir o grau de transparência de informações fiscais das administrações municipais.
A aferição da transparência fiscal através dos mencionados índices mostra que apesar de ainda haver muito o que se melhorar, há um notável engajamento de servidores e órgãos públicos para melhorar a situação atual e desenvolver novos instrumentos que colaborem com a divulgação de informações. Isso demonstra que as iniciativas do NEF já influenciaram positivamente ao menos na indução de boas práticas e na conscientização de que a transparência é a pauta do momento.
O sucesso das pesquisas envolvendo a transparência do setor público ensejou o NEF a ampliar o seu espectro de investigação e incluir em sua agenda de 2015 linha de pesquisa dedicada ao estudo da transparência do setor privado, mais especificamente sobre os contornos institucionais que envolvem a divulgação de informações fiscais pelas empresas.
A busca por maior transparência no ambiente corporativo é um movimento mundial que pode ser observado nos mais variados setores. No âmbito empresarial, com enfoque para a matéria tributária, destaca-se o plano de ação do BEPS[2], que inclui como uma de suas metas a promoção da transparência como forma de combate a práticas fiscais abusivas. A adoção das IFRS[3] também reflete uma busca por transparência. Para além de simplesmente promover uniformização das regras contábeis no mundo todo, o movimento traz como pilar a elaboração de demonstrações financeiras que reflitam a essência econômica das operações realizadas. Trata-se de romper com o paradigma da elaboração de demonstrações financeiras meramente formais e que não refletem de forma fidedigna as operações da empresa.
No âmbito da sociedade civil e com enfoque para o direito penal-tributário existem movimentos que incentivam a adoção de práticas mais transparentes como forma de combater a corrupção e incentivar tomadas de decisões que primem por um desenvolvimento sustentável. Esse é o caso da Transparency International, organização não governamental (ONG) que combate a corrupção por meio da promoção da transparência no ambiente de negócios[4], e da Global Reporting Initiative, outra ONG que se dedica à criação de um padrão mundial para emissão de relatórios de sustentabilidade.
Outro movimento que merece destaque é o Extractive Industries Transparency Initiative, na sigla EITI[5], apoiado pelos grupos G8 e G20 e que define padrões globais para promover administração responsiva e aberta das empresas que realizam a extração de recursos naturais, tais como combustíveis fósseis e minerais. Seu objetivo é estreitar os laços entre governo e empresa, informar o debate público e aumentar a confiança entre stakeholders e agentes econômicos. No início do ano, o Reino Unido aprovou lei adotando os padrões EITI e exigindo de grandes empresas extrativistas a divulgação de relatório com todos os pagamentos realizados a governos (incluindo tributos, royalties, licenças, etc.), discriminados por projeto e por país.
Esses movimentos globais dialogam com a crise política vivenciada no Brasil nos últimos dois anos. Como resposta aos protestos ocorridos no mês de junho de 2013 a Presidência da República sancionou a Lei 12.846/13, intitulada de Lei Anticorrupção e cuja regulamentação se deu apenas em março do presente ano com a edição do Decreto 8.420/15, coincidindo com a décima fase da operação lava-jato.
Nos termos do decreto regulamentador, as empresas infratoras poderão obter descontos de multas caso tenham um programa de integridade (compliance) efetivo que inclua procedimentos específicos de prevenção de fraudes e ilícitos na relação com o setor público, o que abrange, inclusive, a relação da empresa com o fisco — seja para o pagamento de tributos seja para o cumprimento de obrigações acessórias e concessão de certidões.
Sob essa perspectiva, a transparência corporativa pode contribuir para o fortalecimento do programa de compliance uma vez que permitirá controle social dos atos da empresa, nas mais variadas áreas. Ao mesmo tempo, a transparência também pode servir de escudo contra atos abusivos do Estado, especialmente em relações de captura por grupos de interesse e rent seeking[6].
Sob outro enfoque, há estudos que relacionam a promoção da transparência corporativa com maior desenvolvimento econômico sustentável das empresas, investimento em mão-de-obra qualificada e benefícios reputacionais refletidos na valorização de ações no mercado[7].
Os movimentos citados acima são exemplos aplicados ao setor privado de uma mudança profunda de comportamento social. Manuel Castells aponta para um novo paradigma de formação de opinião pública e ascensão do papel da sociedade civil no diálogo por meio do uso de redes horizontais e autônomas de comunicação. Desse processo emerge nova forma de Estado, caracterizada por uma soberania dividida, responsabilidade e flexibilidade dos procedimentos de governança na relação entre o governo e cidadãos, em termos de tempo e espaço[8].
O novo milênio pede por um novo paradigma de desenvolvimento: os laços estabelecidos entre o Estado e o empresariado industrial devem ser repensados e substituídos por formas de regulação horizontais, os quais pressupõem a transparência para que se operacionalizem.
Será desafio do NEF iniciar o debate sobre transparência corporativa em meio acadêmico no Brasil. Pensar o tema junto a representantes do governo, de grandes empresas bem como de membros da sociedade civil nos parece a melhor forma de construir parâmetros e práticas que reflitam esse novo comportamento social na era da informação.
[1] Transparência fiscal e desenvolvimento: homenagem ao Professor Isaias Coelho/coordenação Eurico Marcos Diniz de Santi... [et al.] – 1 ed. – São Paulo : FISCOSOFT Editora. P. 23-44.
[2] Mais informações em http://www.oecd.org/ctp/BEPSActionPlan.pdf
[3] International Financial Reporting Standards
[4] Confira último relatório emitido pela organização em http://goo.gl/NDq4Si
[5] Extractive Industries Transparency Initiative. Mais informações em https://eiti.org/resources
[6] A teoria do rent seeking é encontrada na literature de direito e economia e destina-se a analisar a transferência de recursos de um setor da sociedade para outro, sem que novas riquezas sejam geradas. Cf. HIRATA, Dalton. O regime brasileiro de tributação de lucros auferidos por sociedades controladas e coligadas no exterior : uma visão do atual regime por meio da ótica da teoria do rent seeking. Dissertação de mestrado. FGV.
[7] Ioannis Ioannou e George Serafeim, ‘The consequences of mandatory corporate sustainability reporting’, Working Paper, 30 Março 2011.
[8] Castells, Manuel. The New Public Sphere: Global Civil Society, Communication Networks, and Global Governance. P. 86 a 88.
Por Laura Romano Campedelli e Ana Teresa Lima Rosa
Fonte: conjur.com.br