O advogado, o perito e o juiz

http://goo.gl/BPlMMl | Começo esta exposição reproduzindo o texto do compromisso que nós advogados assumimos quando nos inscrevemos no quadro profissional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Referido enunciado registra:

“PROMETO EXERCER A ADVOCACIA COM DIGNIDADE E INDEPENDÊNCIA, OBSERVAR A ÉTICA, OS DEVERES E PRERROGATIVAS PROFISSIONAIS . . .”  (Art. 20 do Regulamento Geral da Advocacia e da OAB)

A dignidade, a independência e a ética são atributos exigíveis no exercício de todas as profissões regulamentadas pelo CBO – Código Brasileiro de Ocupações, produzido pela OIT – Organização Internacional do Trabalho, instituição vinculada à ONU.

Considerando a grande quantidade de conceitos existentes para as diversas atividades humanas, adoto para a advocacia, o entendimento indicativo de que a profissão se caracteriza como uma arte complexa, para o que se exige aptidão enriquecida de teoria.

O exercício da advocacia exige conhecimento dos limites e das regras do que se deve, se pode ou não se pode fazer.  Conforme o Dicionário Aurélio, a arte é a capacidade do ser humano para praticar uma ideia, valendo-se da faculdade de dominar a matéria.

Segundo o advogado italiano Francesco Carnelutti, nascido na cidade de Udine em 1879, “a interpretação jurídica e a interpretação artística não são coisas diversas. Se o Direito não fosse arte, não haveria interpretação em seu âmbito. A vivência jurídica é uma forma de interpretação; se o direito não tivesse esse caráter, não seria arte.”  É o que disse Carnelutti.

O pensamento carnelutiano parece mero trocadilho, mas, na verdade, é um enunciado consistente sobre o conceito do que seja o direito.

Nesse contexto, o perito é uma pessoa hábil, um ser humano versado, douto, ‘expert’ em determinada ciência ou atividade. Isso equivale dizer que o perito é aquele que dispõe da informação específica para o caso concreto. É um especialista em determinada área do conhecimento humano, que, no campo da jurisdição, presta serviço especializado ao juízo, de quem seja auxiliar – (art. 139, CPC e 149 NCPC).

Por sua vez, o juiz é aquele que diz o direito, que exerce a jurisdição em nome do Estado. Por praticar função própria do Estado, como mediador de conflitos, o juiz é uma autoridade investida de poder para, dizendo o direito, solucionar ou prevenir (cautelares art. 796 CPC e 294 NCPC) os conflitos de interesses a ele submetidos.

A autoridade do perito decorre do binômio conhecimento/isenção. Tem mais autoridade o perito mais isento e tecnicamente melhor preparado.  De resto, a isenção, excetuada a pessoa do advogado, é um atributo que deve ser praticado por todos aqueles vinculados à entrega de justiça.

CONHECIMENTO CIENTÍFICO

A advocacia exige daqueles que a exercem os valores próprios do homem médio, isto é, que se tenha o senso do justo, respeito à equidade e capacidade para transigir na busca de determinada pretensão.  Esses mesmos requisitos são exigidos do profissional da peritagem.

O advogado, como já ressalvado, é o único profissional vinculado ao processo que tem o dever de ser parcial, na defesa de seu constituinte. Ao juiz, ao perito e ao Ministério Público, quando parecerista, exige-se isenção e independência.  Essa parcialidade advocatícia, todavia, não pode ser abusiva ou excessivamente intransigente, pois a verdade, muitas vezes, está na convergência dos pontos conflituosos – perícia consensual, art. 471 do NCPC.

Tal como a medicina, a advocacia não vende os resultados pretendidos pelo contratante, busca os meios eficazes para alcançá-los. Não raro, todavia, somos procurados por pessoas que misturam a defesa do pretendido direito com o alcance do efetivo resultado.

Ainda me valendo do entendimento que conceitua a advocacia como uma das variações da arte desenvolvida pelo ser humano, registro que esse ofício se pratica por meio de conhecimentos inatos e adquiridos.

São inatos os dons e as habilidades humanas. São adquiridas as aptidões resultantes do conhecimento aplicável aos casos concretos. Também o perito deve estimular suas aptidões inatas e otimizar os conhecimentos adquiridos.

Não pode ser esquecido que ao juiz e ao perito não é dado atuar com sentimentos como simpatia, antipatia e ou piedade, para nos limitarmos a algumas preferências e fragilidades do ser humano. Não se pode desconhecer, entretanto, que as sensibilidades pessoais e as limitações humanas trabalham contra a isenção necessária à boa judicatura e à eficiente peritagem.

Esses registros iniciais são válidos para não cairmos nas armadilhas da crítica infundada e genérica, com a veleidade de assumirmos o puritanismo autoritário e inconsistente da verdade absoluta. O senso crítico é indispensável, mas precisa ter consistência técnica e não pode se deixar envolver pelos sentimentos da conveniência e da oportunidade.

 LIMITES DO JUIZ E DO PERITO

As funções do juiz e do perito não se confundem, pois ao titular da judicatura é permitida a formação de conclusões de valor, enquanto do perito se exige manifestação exclusiva quanto às circunstâncias dos objetos periciados, nos limites dos questionamentos próprios das perícias de exame, vistoria e avaliação.  O perito deve se limitar à análise dos objetos, bens e ou pessoas que lhe foram submetidos à tarefa pericial.

O regramento da inércia da jurisdição civil explicitamente contida no art. 128 do CPC vigente e melhor tratada no artigo 141 do NCPC. (Lei 13.105 de 16/março/2015), estabelece que “O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte”.

Essa regra define que no direito brasileiro o juiz só pode agir quando provocado, nos limites da provocação, nem menos (decisão citra petita) com negativa de prestação jurisdicional, nem mais (decisão ultra petita), concedendo além do que foi postulado. Qualquer desses vícios motiva a nulidade do julgamento, cujo conhecimento, na fase recursal, pode se dar de ofício, pois são matérias de ordem pública, motivo pelo qual não são preclusivos seus questionamentos.

Tal como o juiz, o perito deve se limitar ao que lhe foi submetido à apreciação, sem extrapolar de seu ofício técnico.  Entretanto, diversamente do juiz, o perito não pode fazer juízo de valor, deve se ater ao objeto periciado.

Oportuno destacar que os limites da lide são estabelecidos pela inicial e pela defesa, sendo facultado inserir no momento dessa última, a postulação reconvencional (art. 315 do CPC e 343 do NCPC), quando o requerido apresenta sua pretensão, desde que envolva as mesmas partes e o mesmo objeto.

Por sua vez, o perito, na condição de auxiliar “ad hoc” do juízo, também deve agir nos limites de sua nomeação. O perito deve limitar seu ofício ao questionamento que lhe foi formulado, isso equivale dizer que esse auxiliar da Justiça não pode tratar de fatos extrapericiais, tampouco, pode inserir no laudo temas além da controvérsia ou que alterem o conteúdo da mesma.

Como a finalidade de sua atuação é a oferta de subsídios técnicos para a solução da lide, também o perito fica subordinado à litiscontestação, o que equivale dizer que o limite de seu trabalho é ditado pela inicial, pela resposta e pela reconvenção, se houver, cujos textos limitam a quesitação e, consequentemente o laudo.

A diferença entre a atividade do juiz e a do perito centra-se no fato de que, enquanto os pedidos devem ser interpretados restritivamente pelo juiz (art. 293 do CPC e 322 do NCPC), o perito deve antever todas as implicações de sua averiguação, fornecendo ao juízo os elementos técnicos e/ou científicos necessários à decisão, tão abrangentes quanto a pretensão deduzida e o alcance de sua peritagem.

A perícia, como prova técnica que é, pode se dar por iniciativa oficial do Juízo ou a requerimento das partes, conforme interpretação conjunta dos artigos 130 e 420 do CPC – (370 e 464 do NCPC) sendo facultado ao juiz da causa deferir ou negar a prova pericial, quando requerida.

Segundo disposição do artigo 420 do CPC a perícia pode consistir em exame, vistoria ou avaliação.

Entende-se por exame a perícia realizada sobre bens móveis, tais como livros, documentos e papéis em geral. Também se realiza exame sobre pessoas envolvendo as condições físicas, a saúde corporal e as condições psicológicas.  A vistoria, por sua vez, é a perícia sobre bens imóveis, enquanto a avaliação destina-se à aferição de valor de determinado bem, direito ou obrigação.

A perícia pode ser indeferida pelo juiz quando o mesmo entender que a prova do fato não depende de conhecimento especial ou que a peritagem se mostra desnecessária, tendo em vista outras provas já produzidas, conforme regra do § único do 420 do CPC – (464 do NCPC).

Em situação similar, a perícia pode ser dispensada quando as partes tiverem produzido na inicial, na resposta e ou na reconvenção, informações fáticas sobre a matéria controvertida – (artigo 427 CPC e 472 do NCPC). Essa dispensa pericial exige que as partes não tenham controvertido sobre determinado ato ou fato motivador da demanda, pois se a controvérsia for sobre a essência do litígio, esse será o objeto da perícia que, nesse caso será indispensável.

Oportuno destacar que o juiz não pode indeferir a perícia invocando conhecimentos específicos de que disponha. Assim, o juiz que seja também engenheiro de formação acadêmica, não pode se valer formalmente dessa circunstância para dispensar a perícia sobre obras de engenharia, pois a prova, embora destinada ao juízo, também pertence às partes que dela podem se utilizar no primeiro e no segundo grau.

Registro que, segundo regra do inciso I do parágrafo único do artigo 95 da CF/88, ao juiz só é permitido acumular à magistratura o magistério de nível superior.

Essa conclusão decorre da circunstância indicativa de que a prova é um direito das partes, em igualdade de condições, motivo pelo qual deve estar ao alcance de todos requerê-la e atuar, tecnicamente, na sua produção.  Óbvio que a atuação das partes na prova pericial, está limitada à participação nos atos que lhe são próprios, tais como formular quesitos e reperguntas, além de indicar assistente técnico.

Quanto à sua produção, a perícia, desde que determinada ou deferida pelo juiz, exige previamente, o compromisso do perito, esse nomeado dentro do quadro indicativo de que disponha a autoridade judiciária.

Os assistentes técnicos indicados pelas partes não têm o compromisso de isenção que se exige do perito, pois lhes compete aviventar as razões técnicas da parte a que assiste, que o indicou e que o remunera.

Enquanto o perito tem remuneração processual, isto é, o valor dos honorários deve ser definido pelo juiz da causa mediante análise da proposta do ‘expert’, o assistente técnico tem seu soldo acertado diretamente entre o técnico e a parte que o contrata – (art. 33 do CPC e 95 do NCPC).

Quando houver assistência judiciária a remuneração pericial será paga pelo Estado, conforme decreto judiciário 858/2013.

Sem dúvida, os honorários do perito quando pagos pela parte vencedora da demanda, devem ser incluídos nos custos a serem ressarcidos pela parte vencida. Os honorários do assistente técnico, quando razoáveis no seu quantum e cujo recibo seja posto nos autos, também integra a parcela ressarcível ao vencedor.

DA  CONSTRUÇÃO  DO  LAUDO E  DA  SENTENÇA

O perito deve elaborar o seu laudo com respostas objetivas a todos os quesitos que lhe foram oportunamente apresentados, fazendo-o de modo a esgotar todas as dúvidas que possam emergir da matéria controvertida pelas partes litigantes.

A literatura pericial deve ser apresentada na introdução do laudo de modo a permitir que as respostas aos quesitos sejam claras e limpas, isso é, sem divagações.

Na confecção do laudo, o perito, quando fizer referência dizendo que a doutrina e/ou a jurisprudência entenda dessa ou daquela forma, deve indicar as fontes de seu convencimento da forma mais completa possível. Essa regra autoriza concluir que a fundamentação técnica do laudo é indispensável como motivação.

Conceituando laudo, o processualista Moacyr Amaral Santos diz que o mesmo  “consiste na fiel exposição das operações e ocorrências da diligência com o parecer fundamentado sobre a matéria que lhe foi submetida.”

Oportuno registrar que a conclusão pericial do laudo não pode alcançar a pretensão deduzida, ao ponto de dizer com quem está o direito. Isso é, o laudo pericial não pode assumir as características de sentença.

O periciamento está limitado aos questionamentos motivadores da pretensão deduzida e não a esta em si mesma. A título de exemplo, pode ser citada a discussão sobre a localização de determina cerca limítrofe entre propriedades. Ao perito competirá dizer apenas sobre a posição da cerca, sem concluir quanto a propriedade do bem circunscrito pela divisa questionada.  Essa decisão virá com a sentença, notória atribuição exclusiva do juiz.

Ao juiz e somente a ele cabe acolher e ou rejeitar a pretensão deduzida no processo. Ao perito, por sua vez, cabe apenas a verificação das questões materiais ou subjetivas da controvérsia posta em juízo.

Nessa linha de raciocínio, pode se dizer que é proibido ao perito concluir se o autor merece ou não ser indenizado. Compete-lhe, a título de exemplo, apurar o valor do ressarcimento da eventual condenação indenizatória, quando essa não for líquida. Ser ou não ser devida a indenização é juízo de valor que não compete ao perito, apenas ao juiz.

Para decidir o juiz deve percorrer uma sequência lógica que vai desde a análise do conteúdo das alegações, à seleção da matéria controvertida até a avaliação das provas. Somente após essa sequência lógica o julgador concede ou nega a pretensão deduzida pelo autor ou pelo reconvinte, quando for o caso.

Na formação de seu convencimento o juiz deve prever a estrutura da sentença que irá proferir, passando pelo relatório, onde contará a história do processo, caminhando pelos fundamentos com os quais decidirá e, finalmente, alcançando o dispositivo em que, conclusivamente, exporá seu convencimento, conforme regra explícita do artigo 458 do CPC vigente (489 NCPC).

O perito precisa adotar prática similar à atividade do juiz, pois deve ler as alegações das partes, particularmente quanto à controvérsia que irá periciar.

Conforme a espécie da perícia que lhe esteja acometida, exame, vistoria ou avaliação (420 do CPC e 464 do NCPC), o ‘expert’ deve fazer o histórico de seu trabalho e ao depois, oferecer a conclusão a que chegou, respondendo, casuisticamente, aos quesitos que lhe foram formulados.

PROVAS AUXILIARES PARA FEITURA DO LAUDO

Não é muito frequente, mas por objetiva previsão legal, (art. 429 do CPC e 473 § 3º do NCPC) o perito pode se valer de testemunhos para chegar às conclusões que deve apresentar no respectivo laudo.

Essa prova testemunhal na perícia funciona como elemento informativo. É que se de algum fato, ou de estado pretérito o perito precisar para responder aos quesitos, o caminho é a informação testemunhal, o que se alcançará pelas testemunhas informadoras.

Essas testemunhas informadoras podem ser sugeridas pelas partes, quando da apresentação dos quesitos. Também podem ser determinadas pelo juiz, ou mesmo identificadas pelo perito na pesquisa que deve fazer para se orientar quanto aos dados periciais, isso é, quanto à controvérsia sobre a qual exercerá a peritagem.

Por não ser muito frequente, faço considerações específicas sobre a prova testemunhal informadora de que o perito pode se valer.

Na coleta das informações para formar a convicção que irá passar para o laudo, é facultado ao ‘expert’ requerer a intimação judicial da testemunha. O requerimento intimatório visa dar efetividade à estruturação da prova.

Essas ‘testemunhas periciais’, como de resto todas outras testemunhas, podem ser intimadas para prestarem as informações verbais de que disponham, fazendo-o diretamente ao perito de forma claramente registrada no processo.

Ao perito que se disponha a ouvir testemunhas não é dada a faculdade de compromissá-las, pois essa competência é exclusiva do juiz, portanto, trata-se de testemunha informativa, ou seja, auxiliar da peritagem (art. 415 CPC e  458 do NCPC). O perito que se dispuser a ouvir testemunhas informativas deverá registrar formalmente tais informações dando notícia delas no respectivo laudo.

As testemunhas informativas da perícia devem ser consideradas com a devida cautela, pois não são compromissadas, portanto, desobrigadas para com a verdade.

Além da rara oitiva de tes//temunhas periciais, o perito pode realizar pesquisas para o desempenho eficiente de seu ofício. Entre as providências que pode adotar também se inclui a requisição de documentos particulares ou públicos (art. 429 do CPC e § 3º do art. 473 do NCPC).

Vencida essa fase do autoconvencimento a que deve se submeter o perito, chega o momento da redação do laudo.  Essa peça técnica deve ser elaborada por meio de respostas aos quesitos do juiz e das partes, particularmente daquela que requereu o periciamento.

Feito o histórico do processo, principalmente da controvérsia motivadora da peritagem, o perito deve apresentar as razões conclusivas a que chegou, respondendo às perguntas feitas pelo juiz, se esse tiver optado por fazê-las, bem como aquelas feitas pelas partes.

Embora não esteja submetido às conclusões alcançadas pelo laudo pericial, o juiz, ao proferir a sentença deve se referir ao mesmo para acolher ou para rejeitá-lo, fundamentadamente, como, aliás devem ser todas as deliberações sentenciais, segundo regra cogente do inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal.

Por Felicíssimo Sena
Fonte: Dm
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