Não há, por exemplo, neste mundo, texto decente destituído de revisões: a revisão quanto ao conteúdo ou a revisão gramatical, por exemplo.
Que sofrimento é ter uma ideia aparentemente genial e, aos quarenta do segundo tempo, perceber a maldita ambiguidade! Pior ainda: a busca por uma ironia que nem sempre acontece, já que a temática talvez a impossibilitaria?
Não bastasse isso, há normalmente uma vírgula indevida separando sujeito e predicado, um acento gráfico mal-educado na oxítona finalizada em U. Há a cardíaca concordância verbal, implorando pela nominal, que – pela tensão de um determinado enredo – pode colocar a ideia no fundo do poço.
Daí, o escritor reza. Faz um café. Liga e desliga o computador. Decide apelar para o lápis. Surgem e somem mais ideias.
Já consciente da dor que é a escrita – e sem se importar pela solidão constante frente ao papel – o redator inevitavelmente tem um inimigo dos parágrafos: o tempo. O tempo aniquila palavras; o tempo é o causador de o cidadão engolir sílabas. O tempo, na realidade, sufoca até a vida.
Além de pensar no encaixe da ideia, no encaixe gramatical, é preciso pensar no limite de linhas imposto. Para um concurso literário, um concurso público ou mesmo um romance, há que se respeitar o limite imposto. No entanto, a vontade do escritor é redigir sem pressa, sem tempo, sem regra, sem concurso algum.
Oxalá, no céu, o ser humano possa escrever apenas quando quiser, da maneira como quiser, para quem quiser, a quantidade que quiser. De verdade, lá seria o paraíso do escritor.
No éden, a escrita que não comete pecados, que – de tanto ser julgada na Terra – estará livre de edições. Que se despedirá dos casos facultativos de crase, das mesóclises tão perfeitas em divindades, das infindáveis reticências, dos verbos defectivos, das regências sanguinárias, dos quês que nascem como capim.
Que diabos fazem os fantasiosos em dizer que a escrita não traz dor? Estão, pois, apaixonados, cegos, em estado máximo de uma transa com as palavras; em uma metalinguagem sacana, a ponto de divulgarem a beleza que é o ato de escrever. Dizem apenas que é preciso ler, dormem com dicionários, roçam dedos, braços e pernas em notas gramaticais – admiram hífen e lutam por um mundo ortograficamente mais puro.
A um ser normal, de carne e osso, é pleno sofrimento ver o papel em branco, a responsabilidade à porta, a gramática com o tridente e as ideias passeando em locais distantes.
Por Diogo Arrais - Professor de Língua Portuguesa
Fonte: Exame