http://goo.gl/vqKWzK | A situação do sistema carcerário nos EUA chegou a um ponto tão crítico que os esforços para reduzir o número de presos do país ganharam um reforço inesperado: do alto comando da Polícia e das promotorias estaduais.
Na quarta-feira (21/10), o superintendente da Polícia de Chicago, Garry McCarthy, escolhido para falar em nome dos altos escalões da polícia e da Promotoria de todo o país, anunciou que o grupo vai apresentar um plano à Presidência da República que prevê a reforma do Código Penal e a promoção de mudanças radicais no sistema de Justiça criminal.
A proposta do grupo Law Enforcement Leaders to Reduce Crime & Incarceration (“Líderes da Execução da Lei para Reduzir o Crime e o Encarceramento”) defende, basicamente, o que está expresso em seu nome: reduzir o crime e o encarceramento.
Por trás desse objetivo, tem uma missão complexa: mudar a convicção, expressa em leis, políticas e costumes há décadas, de que a melhor forma de tratar com criminosos, de qualquer espécie, é isolá-los para sempre da sociedade.
A primeira medida, defendida há tempos por juízes, advogados, professores de Direito e algumas organizações, seria acabar com o sistema de penas mínimas obrigatórias, estabelecido em lei. O grupo definiu essa obrigatoriedade penal como “excessivamente dura e arbitrária”.
Os juízes, particularmente, se declaram constrangidos ou contrariados, em sentenças e em manifestações públicas, por terem de aplicar uma pena mínima de 20 anos a um réu, sem poder levar em conta circunstâncias atenuantes. Um réu pode ser condenado a 20 anos de prisão, quando uma sentença razoável seria de um a dois anos.
O sistema de penas mínimas obrigatórias varia de estado para estado e dos estados para a esfera federal. As penas vão de cinco anos à prisão perpétua. Se referem, principalmente, a tráfico de drogas e a crimes violentos, mas podem ser aplicadas a um réu que, no julgamento, for considerado culpado de um crime em que usou uma arma — mesmo que esse crime não tenha sido violento.
O caso mais famoso é o de uma mulher negra que deu um tiro de advertência, para impedir que o ex-marido a agredisse, e foi sentenciada a 20 anos de prisão na Flórida. O júri a considerou culpada de um crime porque, ao atirar na parede, a bala poderia ter ricocheteado e acertado um de seus filhos. Uma vez considerada culpada pelo júri, o juiz foi obrigado a sentenciá-la a 20 anos de prisão (a pena mínima obrigatória para crime, quando há uso de arma). Se ela tivesse atirado para matar, ela nem sequer teria ido para a cadeia, pois seria protegida por duas leis, a Castle Law e a Stand your Ground Law.
Em um evento do Clube Nacional da Imprensa, que ocorreu na quarta-feira, o superintendente Garry McCarthy disse aos jornalistas que o grupo da polícia e Promotoria se somava a essa luta, de acordo com o Chicago Tribune.
“Não faz sentido aplicar a mesma pena, de 20 anos por exemplo, a uma pessoa que cometeu um assalto a mão armada e a outra pessoa que foi pega com dez saquinhos de heroína. Esses dois crimes não deveriam ter o mesmo peso no sistema de Justiça criminal”, ele disse.
Entre as leis que precisam ser revistas estão as que se referem ao consumo e tráfico de drogas. Essas leis foram criadas quando o país lançou a “Guerra às Drogas”, durante o governo Reagan. Hoje, a comunidade jurídica afirma que essa foi uma guerra fracassada, que só serviu para superlotar as prisões, mas não produziu qualquer efeito concreto.
O chefe de Polícia de Los Angeles, Charlie Beck, falando no mesmo evento, contou que ele participou ativamente da guerra às drogas e da guerra às gangues, sempre com um enfoque errado. “Os departamentos de polícia não podem fazer guerra contra as comunidades que servem”, ele disse.
Para Beck, o país precisa pôr um fim ao encarceramento em massa e aprender a reservar as caríssimas camas da prisão apenas para criminosos violentos ou criminosos de carreira.
McCarthy, por sua vez, disse que, como policial, também sempre pensou que o lugar de todo criminoso era atrás das grades. “Mas, com o tempo, meu pensamento passou por uma metamorfose”, afirmou. Hoje ele acredita que algumas medidas podem manter o cidadão na sociedade.
Uma medida seria mudar a maneira com que o sistema criminal trata os réus que cometem pequenos delitos, criando um sistema mais amplo e eficaz de penas alternativas. E também criar programas de educação de pequenos criminosos, para que eles desistam do crime.
Esse sistema de penas alternativas e de educação correcional deveria beneficiar, por exemplo, pessoas com problemas mentais e consumidores de droga, que deveriam ser encaminhados para algum tipo de tratamento, em vez de enviados para a prisão.
Outra medida, que como outras requer interferência legislativa, seria fazer o downgrade (rebaixar a classificação) de alguns crimes para delitos. E, em alguns casos, simplesmente desistir de sanções criminais — isto é, os EUA deveriam adotar algo parecido com o conceito de crime de bagatela, vigente no Brasil.
Uma outra medida seria criar programas especiais para facilitar a reentrada de egressos das prisões na sociedade, para evitar reincidências e reingressos no sistema prisional. Alguns poucos programas com esse objetivo, com destaque para um que foi criado na Penitenciária de Angola, nas proximidades de Nova Orleans, em Louisiana, já começaram a funcionar.
E que sejam feitos, obrigatoriamente, relatórios sobre armas de fogo perdidas, roubadas ou transferidas, para coibir a ações dos “laranjas” — aqueles que compram armas, porque têm a “ficha limpa” para revendê-las a traficantes e outros criminosos.
Da mesma forma, o grupo também quer que atestados de antecedentes criminais sejam exigíveis em todas as compras de arma.
Além disso, o grupo propõe a proibição de armas de assalto ou de pentes de armas de fogo de alta capacidade. “Apreendemos armas com pentes com capacidade para cem projéteis. Imaginem a capacidade de fogo e o estrago que uma arma dessas pode fazer”, disse.
Porém, qualquer esforço para reduzir a venda de armas terá a oposição do forte lobby da National Rifle Association (NRA) e de grupos que defendem o direito do cidadão de possuir e portar armas, previsto na Segunda Emenda da Constituição dos EUA.
Sempre que ocorre alguma tragédia no país, como um massacre em escola, por exemplo, e diversas entidades pedem um controle maior da compra e porte de arma, a associação emite uma declaração, dizendo que a solução não é controlar as armas, mas armar os professores.
O grupo iria se encontrar com o presidente Obama, na Casa Branca, nesta quinta-feira (22/10). Deve participar de um painel, com o presidente e outras autoridades, sobre como tornar a execução da lei e as práticas correcionais “mais justas e eficazes”.
Por João Ozorio de Melo
Fonte: Conjur
Na quarta-feira (21/10), o superintendente da Polícia de Chicago, Garry McCarthy, escolhido para falar em nome dos altos escalões da polícia e da Promotoria de todo o país, anunciou que o grupo vai apresentar um plano à Presidência da República que prevê a reforma do Código Penal e a promoção de mudanças radicais no sistema de Justiça criminal.
A proposta do grupo Law Enforcement Leaders to Reduce Crime & Incarceration (“Líderes da Execução da Lei para Reduzir o Crime e o Encarceramento”) defende, basicamente, o que está expresso em seu nome: reduzir o crime e o encarceramento.
Por trás desse objetivo, tem uma missão complexa: mudar a convicção, expressa em leis, políticas e costumes há décadas, de que a melhor forma de tratar com criminosos, de qualquer espécie, é isolá-los para sempre da sociedade.
A primeira medida, defendida há tempos por juízes, advogados, professores de Direito e algumas organizações, seria acabar com o sistema de penas mínimas obrigatórias, estabelecido em lei. O grupo definiu essa obrigatoriedade penal como “excessivamente dura e arbitrária”.
Os juízes, particularmente, se declaram constrangidos ou contrariados, em sentenças e em manifestações públicas, por terem de aplicar uma pena mínima de 20 anos a um réu, sem poder levar em conta circunstâncias atenuantes. Um réu pode ser condenado a 20 anos de prisão, quando uma sentença razoável seria de um a dois anos.
O sistema de penas mínimas obrigatórias varia de estado para estado e dos estados para a esfera federal. As penas vão de cinco anos à prisão perpétua. Se referem, principalmente, a tráfico de drogas e a crimes violentos, mas podem ser aplicadas a um réu que, no julgamento, for considerado culpado de um crime em que usou uma arma — mesmo que esse crime não tenha sido violento.
O caso mais famoso é o de uma mulher negra que deu um tiro de advertência, para impedir que o ex-marido a agredisse, e foi sentenciada a 20 anos de prisão na Flórida. O júri a considerou culpada de um crime porque, ao atirar na parede, a bala poderia ter ricocheteado e acertado um de seus filhos. Uma vez considerada culpada pelo júri, o juiz foi obrigado a sentenciá-la a 20 anos de prisão (a pena mínima obrigatória para crime, quando há uso de arma). Se ela tivesse atirado para matar, ela nem sequer teria ido para a cadeia, pois seria protegida por duas leis, a Castle Law e a Stand your Ground Law.
Em um evento do Clube Nacional da Imprensa, que ocorreu na quarta-feira, o superintendente Garry McCarthy disse aos jornalistas que o grupo da polícia e Promotoria se somava a essa luta, de acordo com o Chicago Tribune.
“Não faz sentido aplicar a mesma pena, de 20 anos por exemplo, a uma pessoa que cometeu um assalto a mão armada e a outra pessoa que foi pega com dez saquinhos de heroína. Esses dois crimes não deveriam ter o mesmo peso no sistema de Justiça criminal”, ele disse.
Entre as leis que precisam ser revistas estão as que se referem ao consumo e tráfico de drogas. Essas leis foram criadas quando o país lançou a “Guerra às Drogas”, durante o governo Reagan. Hoje, a comunidade jurídica afirma que essa foi uma guerra fracassada, que só serviu para superlotar as prisões, mas não produziu qualquer efeito concreto.
O chefe de Polícia de Los Angeles, Charlie Beck, falando no mesmo evento, contou que ele participou ativamente da guerra às drogas e da guerra às gangues, sempre com um enfoque errado. “Os departamentos de polícia não podem fazer guerra contra as comunidades que servem”, ele disse.
Para Beck, o país precisa pôr um fim ao encarceramento em massa e aprender a reservar as caríssimas camas da prisão apenas para criminosos violentos ou criminosos de carreira.
McCarthy, por sua vez, disse que, como policial, também sempre pensou que o lugar de todo criminoso era atrás das grades. “Mas, com o tempo, meu pensamento passou por uma metamorfose”, afirmou. Hoje ele acredita que algumas medidas podem manter o cidadão na sociedade.
Uma medida seria mudar a maneira com que o sistema criminal trata os réus que cometem pequenos delitos, criando um sistema mais amplo e eficaz de penas alternativas. E também criar programas de educação de pequenos criminosos, para que eles desistam do crime.
Esse sistema de penas alternativas e de educação correcional deveria beneficiar, por exemplo, pessoas com problemas mentais e consumidores de droga, que deveriam ser encaminhados para algum tipo de tratamento, em vez de enviados para a prisão.
Outra medida, que como outras requer interferência legislativa, seria fazer o downgrade (rebaixar a classificação) de alguns crimes para delitos. E, em alguns casos, simplesmente desistir de sanções criminais — isto é, os EUA deveriam adotar algo parecido com o conceito de crime de bagatela, vigente no Brasil.
Uma outra medida seria criar programas especiais para facilitar a reentrada de egressos das prisões na sociedade, para evitar reincidências e reingressos no sistema prisional. Alguns poucos programas com esse objetivo, com destaque para um que foi criado na Penitenciária de Angola, nas proximidades de Nova Orleans, em Louisiana, já começaram a funcionar.
Endurecimento
No entanto,o grupo, segundo McCarthy, também tem uma proposta de endurecimento, que prevê maior controle sobre armas. O grupo quer, por exemplo, punições mais duras para posse ilegal de armas, bem como para compradores “laranjas” (straw buyers) de armas.E que sejam feitos, obrigatoriamente, relatórios sobre armas de fogo perdidas, roubadas ou transferidas, para coibir a ações dos “laranjas” — aqueles que compram armas, porque têm a “ficha limpa” para revendê-las a traficantes e outros criminosos.
Da mesma forma, o grupo também quer que atestados de antecedentes criminais sejam exigíveis em todas as compras de arma.
Além disso, o grupo propõe a proibição de armas de assalto ou de pentes de armas de fogo de alta capacidade. “Apreendemos armas com pentes com capacidade para cem projéteis. Imaginem a capacidade de fogo e o estrago que uma arma dessas pode fazer”, disse.
Porém, qualquer esforço para reduzir a venda de armas terá a oposição do forte lobby da National Rifle Association (NRA) e de grupos que defendem o direito do cidadão de possuir e portar armas, previsto na Segunda Emenda da Constituição dos EUA.
Sempre que ocorre alguma tragédia no país, como um massacre em escola, por exemplo, e diversas entidades pedem um controle maior da compra e porte de arma, a associação emite uma declaração, dizendo que a solução não é controlar as armas, mas armar os professores.
O grupo iria se encontrar com o presidente Obama, na Casa Branca, nesta quinta-feira (22/10). Deve participar de um painel, com o presidente e outras autoridades, sobre como tornar a execução da lei e as práticas correcionais “mais justas e eficazes”.
Por João Ozorio de Melo
Fonte: Conjur