O reconhecimento da confissão espontânea do réu na jurisprudência do STJ: Por Alice Saldanha

http://goo.gl/TU4dAP | O presente artigo examina o reconhecimento da confissão espontânea do réu no processo judicial segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. A matéria restou pacificada com a recente publicação da Súmula 545 do STJ, que ganhou a seguinte redação: “Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal”.

1. Considerações iniciais

De acordo com o art. 68 do CP, a fixação da pena segue o critério trifásico:

1ª Fase: Fixação da Pena Base

2ª Fase: Análise das circunstâncias atenuantes e circunstâncias agravantes

3ª Fase: Análise das causas de diminuição e de aumento

A pena base deverá ser fixada entre os limites mínimo e máximo previstos em abstrato para o tipo penal específico, com base nas circunstâncias judiciais (art. 59, CP). Fixada a pena-base, deve o juiz passar para a segunda fase de aplicação da pena. Nesta segunda fase, o juiz deve fixar a pena intermediária, que será calculada sobre a pena-base, aplicando-se as circunstâncias legais agravantes e atenuantes genéricas.

As agravantes estão descritas nos arts. 61 e 62 do CP, enquanto as atenuantes encontram-se elencadas nos arts. 65 e 66 do mesmo diploma. São chamadas de genéricas por estarem na Parte Geral do Código e, por tal razão, serem aplicáveis a todos os crimes, desde que não constituam qualificadoras ou elementares do delito.[1]

2. O reconhecimento da confissão espontânea (art. 65, inc. III, “d” do CP)

A confissão espontânea é uma atenuante genérica prevista no art. 65, inc. III, “d” do CP, verbis:

CP. Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena: (...) III - ter o agente: (...) d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;

A confissão é um conceito que se refere à autoria e à materialidade delitiva. Segundo Guilherme de Souza Nucci, "confessar, no âmbito do processo penal, é admitir contra si por quem seja suspeito ou acusado de um crime, tendo pleno discernimento, voluntária, expressa e pessoalmente, diante da autoridade competente, em ato solene e público, reduzido a termo, a prática de algum fato criminoso”. [2]

A confissão, antes da reforma de 1984, era admitida somente quando se referisse a crime cuja autoria fosse ignorada ou atribuída a outrem. Agora, essa exigência desapareceu, sendo suficiente a confissão da autoria. A confissão pode ocorrer perante a autoridade policial ou judicial, indiferentemente. Embora a lei fale em confissão espontânea, doutrina e jurisprudência admitem como suficiente sua voluntariedade.[3]

Veja-se que, com a reforma do Código Penal em 1984, modificou-se a exigência para o reconhecimento da atenuante prevista no art. 65, III, “d”, CP, procurando o legislador beneficiar o agente que contribuir para a busca da verdade real, como se depreende da exposição de motivos do CP, item 55:

Item 55: Beneficia-se, como estímulo à verdade processual, o agente que confessa espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime , sem a exigência, em vigor, de ser a autoria "ignorada ou imputada a outrem.

A jurisprudência do STJ já se firmou no sentido de que "a atenuante do art. 65, inc. III, alínea “d” do Código Penal tem caráter objetivo, configurando-se, tão somente, pelo reconhecimento espontâneo do acusado, perante a autoridade, da autoria do delito, não se sujeitando a critérios subjetivos ou fáticos”.[4]

Ressalte-se que, para fins da aplicação da atenuante da confissão espontânea, é irrelevante a discussão doutrinária e jurisprudencial surgida em torno da distinção entre voluntariedade e espontaneidade da confissão. Conforme destacou o Ministro Paulo Gallotti, “a confissão espontânea hoje é de caráter meramente objetivo, não fazendo a lei referência a motivos ou circunstâncias que a determinaram".[5]

Esse entendimento culminou na criação da Súmula 545 do STJ, que ganhou a seguinte redação:

Súmula 545: Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal.

Dessa forma, se a confissão do agente for usada para fundamentar a condenação, a atenuante prevista no art. 65, inc. III, “d” do CP, deverá ser aplicada em seu favor, sendo irrelevante o fato de a confissão ter sido espontânea ou não, total ou parcial, ou que tenha havido retratação posterior.[6] De acordo com a jurisprudência do STJ, também não se afasta a confissão espontânea nos casos de confissão qualificada. [7]

Vejamos cada uma dessas hipóteses:

Confissão espontânea: a vontade do confitente não decorre de fatores externos e é capaz de revelar o arrependimento do réu.[8]

Confissão voluntária: a vontade ocorre em razão de serem induzidas ou forçadas, após desencadeadas as diligências, impulsionadas por fortes suspeitas da autoria. [9]

Confissão total: o acusado confessa os fatos narrados na denúncia com todas as circunstâncias.

Confissão parcial: o acusado confessou parcialmente os fatos narrados na denúncia.

Confissão qualificada: o acusado admite a autoria do fato, mas busca se valer de alguma dirimente (como a presença de um a excludente de ilicitude ou culpabilidade). [10]

Confissão com posterior retratação: o acusado os fatos e, posteriormente, se retrata, negando a autoria.

Em todos esses casos, se a confissão do agente for utilizada pelo magistrado como fundamento para embasar a condenação, então a atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea “d”, do CP deverá ser aplicada em favor do réu. Ressalte-se que, conforme já decidiu o STF, “é direito público subjetivo do réu ter a pena reduzida, quando confessa espontaneamente o envolvimento no crime”.[11]

CONCLUSÃO

A atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, “d”, CP) tem caráter objetivo, não fazendo a lei referência a motivos ou circunstâncias que a determinaram. Trata-se de um direito público subjetivo do réu ter a pena reduzida quando confessa espontaneamente o envolvimento no crime.

Sendo assim, se a confissão do servir de suporte para a condenação, deverá sempre ser aplicada a atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, "d", do CP).  Vale dizer: se a confissão do agente servir de suporte para a condenação, a atenuante da confissão espontânea deverá ser aplicada no momento da dosimetria da pena, sendo irrelevante se a confissão foi espontânea ou não, se foi total ou parcial, se foi qualificada ou não, ou mesmo se houve retratação posterior.

NOTAS:

[1] Cf. ESTEFAM, André; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios.Direito Penal Esquematizado – Parte Geral.2ª ed. 2013, p. 542.

[2] Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 14. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 472.

[3] Cf. BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 368.

[4] Cf. STJ - HC 200113 SP, Rel. Min. LAURITA VAZ, 5ª Turma, DJe 01/02/2013.

[5] Cf. STJ – HC 22927 MS, Rel. Min. PAULO GALLOTTI, 6ª Turma, DJ 16/10/2006

[6] Cf, nessa linha, dentre tantos outros: AgRg no HC 146.240/RS, 6.ª Turma, Rel. Min. HAROLDO RODRIGUES Des. Convocado do TJ/CE, DJe de 01/02/2010; STJ - HC 284766 RJ, Rel. Min. ROGERIO SCHIETTI CRUZ, 6ª Turma, DJe 22/04/2015

[7] Cf. STJ - AgRg no REsp 1198354 ES, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 28/10/2014

[8] Cf., nessa linha: TJ-DF - APR: 1299293 DF , Relator: JOAZIL M GARDES, Data de Julgamento: 03/06/1993, 2ª Turma Criminal, Data de Publicação: DJU 24/11/1993

[9] Idem.

[10] À título de exemplificação, confira o seguinte caso concreto: “(...) II. Hipótese em que o réu confirmou a responsabilidade pela administração da empresa alegando que os recolhimentos não foram realizados em virtude de dificuldades financeiras pelas quais passou a empresa. III. Embora tenha afirmado ter agido sob estado de necessidade tendo em vista as dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa, o réu confessou espontaneamente a autoria dos fatos a ela imputados, o que atrai a incidência do art. 65, III, d, do Código Penal. (...)” STJ – REsp 1163090 SC, Rel. Min. GILSON DIPP, 5ª Turma, DJe 14/03/2011

[11] Cf. STF - HC 106376 MG, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, 1ª Turma, DJe 01/06/2011

Po Alice Saldanha Villar
Fonte: jornaljurid.com.br
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