http://goo.gl/xE0bB7 | O artigo 41 da Lei 11.340/06 veda expressamente a aplicação da Lei 9.099/95, independentemente da pena cominada no preceito secundário da norma, aos “crimes” que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher. Eis a redação do dispositivo:
“Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995” (grifo nosso).
O objetivo do legislador é aplicar o máximo rigor contra as práticas de violência doméstica e familiar contra a mulher, impedindo os benefícios despenalizadores ínsitos à Lei 9.099/95, em plena consonância com a disposição da própria Lei 11.340/06 que estabelece que a violência doméstica e familiar contra a mulher é considerada uma espécie de “violação dos direitos humanos” (artigo 6º.), norma esta, por seu turno, em harmonia com Tratados Internacionais firmados pelo Brasil a respeito do tema (v.g. Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a Mulher – CEDAW e Convenção de Belém do Pará). Efetivamente seria um contrassenso incomensurável estabelecer que uma determinada forma de violência seria uma “grave violação dos direitos humanos” e, concomitantemente, tratá-la como mera “infração de menor potencial ofensivo”!
Assim sendo estabelece claramente o artigo 41 da Lei Maria da Penha que mesmo havendo crimes com penas máximas até dois anos, não se aplicará os dispositivos benéficos da Lei 9.099/95 em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.
A inconstitucionalidade dessa vedação chegou a ser aventada em ações adequadas, mas o STF firmou posição pela constitucionalidade do dispositivo, seja na Ação Direta de Constitucionalidade 19, seja na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.424.
Também o alcance do dispositivo foi devidamente demarcado pela jurisprudência do STF acima citada, de modo que, em não havendo no artigo de lei nenhuma exceção ou reserva, entende-se que a Lei 9.099/95 é vedada aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher em sua totalidade. Por isso, inclusive a discussão acerca da ação penal nos crimes de lesões corporais leves em que se pleiteava a excepcional aplicação do artigo 88 da Lei 9.099/95 aos casos de violência contra a mulher, acabou com uma decisão do STF no sentido de que a ação penal é pública incondicionada de acordo com as normas do Código Penal, sem incidência do dispositivo do artigo 88 da Lei 9.099/95, exatamente por força do artigo 41 da Lei 11.340/06.
Não obstante restava ainda uma questão a ser devidamente esclarecida. O artigo 41 da Lei Maria da Penha veda literalmente somente a aplicação da Lei 9.099/95 aos crimes relacionados com violência doméstica e familiar contra a mulher. Sabe-se perfeitamente que o gênero “infrações penais” é passível de divisão em crimes e contravenções no Brasil. Portanto, havia uma tendência à interpretação literal e restritiva do dispositivo de maneira que a vedação sobredita não atingiria às contravenções penais.
Ocorre que o STJ decidiu que:
“uma interpretação literal do disposto no art. 41 da Lei n. 11.340/2006 viabilizaria, em apressado olhar, a conclusão de que os institutos despenalizadores da Lei 9.099/1995, entre eles a transação penal, seriam aplicáveis às contravenções penais. Contudo, considerando a finalidade da norma e o enfoque da ordem jurídico – constitucional, tem-se que, considerados os fins sociais a que a lei se destina, o artigo 41 da Lei n. 11.340/2006 afasta a incidência da Lei n. 9.099/95, de forma categórica, tanto aos crimes quanto às contravenções penais, a mens legis do disposto no referido preceito não poderia ser outra, senão de alcançar também as contravenções penais” (STJ, HC n. 280.788/RS, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 03.04..2014; no mesmo sentido STF, HC n. 106.212/MS, Rel. Min. Marco Aurélio Mello, j. 24.03.2011).[1]
Em reforço Fernandes aponta ainda o Enunciado n. 002/2011 da COPEVID – Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, do Grupo Nacional de Direitos Humanos do Ministério Público:
“O artigo 41 da Lei Maria da Penha aplica-se indistintamente aos crimes e contravenções penais, na esteira do entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça”.[2]
Percebe-se que tanto o STJ como o STF preferiram uma interpretação teleológica da norma a uma mera interpretação literal, o que ensejou sua interpretação extensiva, reconhecendo-se que a lei disse menos do que desejava (“lex minus dixit quam voluit”). A interpretação extensiva é admissível mesmo na seara penal, desde que fique claro e evidente que o legislador foi avaro com as palavras, mas que a teleologia da normativa, sua finalidade reconhecível, aponte para a necessidade de ampliação do significado de certas palavras. Portanto, assim entenderam os tribunais superiores neste caso, concedendo à palavra “crime” uma acepção ampla em sinonímia à expressão “infrações penais”, abrangente tanto de “crimes propriamente ditos”, como de “contravenções penais”.
Neste ponto pode-se afirmar que também agiram os tribunais superiores, levando em consideração uma técnica de interpretação sistemática, pois que o artigo 41 da Lei 11.340/06 passou a ser aplicado em harmonia com o artigo 4º. do mesmo diploma que assim dispõe:
Na interpretação desta lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar”.
Realmente não parece que a restrição interpretativa da palavra “crimes” nesse caso, negando, ao menos parcialmente, às mulheres vitimizadas os mecanismos da Lei 11.340/06 e permitindo as benesses da Lei 9.099/95 ao infrator seria condizente com o espírito legislativo que move o diploma enfocado em seu conjunto ou sistemática.
Como bem destaca Maximiliano:
“Consiste o Processo Sistemático em comparar o dispositivo sujeito a exegese, com outros do mesmo repositório ou de leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto. (...). Não se encontra um princípio isolado, em ciência alguma; acha-se cada um em conexão íntima com outros. O Direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos; constitui vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu lugar próprio”.[3]
É preciso confessar que este autor, num primeiro vislumbre da legislação em destaque, adotou o entendimento pessoal de que a interpretação do artigo 41 deveria ser restritiva, considerando tratar-se de norma penal que impõe limitações ao investigado ou réu. Enxergava ali uma “analogia in mallam partem”, levando em conta a pretensão de incluir no sentido da palavra “crimes” também as contravenções penais.
Contudo, ante à argumentação bem posta dos Tribunais Superiores, percebe-se que realmente não se trata de “analogia”, mas sim de “interpretação extensiva, teleológica e sistemática”, superando a mera “interpretação literal”.
Realmente não se deve confundir “analogia” com “interpretação extensiva”. Conforme aduzem Rosal e Anton, citando Windscheid, a chamada “Teoria da Alusão” delimita a diferenciação nítida entre a “analogia” e a “interpretação extensiva”. Na segunda o legislador escreveu menos do que pretendia escrever. Na primeira o legislador se olvidou completamente do que deveria ter escrito e nada escreveu. Há na interpretação extensiva a exegese adequada das palavras “aludidas” na lei. Na analogia não há menção ou “alusão” na lei de palavra alguma e então se toma emprestada outra norma similar para completar uma lacuna.[4]
Não se trata de desprezar a interpretação gramatical, pois ela é “a primeira fase pela qual o jurista deve passar para dar um significado finalista às palavras da lei”. Contudo, não é sempre que essa interpretação é “suficiente para esclarecer o conteúdo de vontade da própria lei”. [5] Afinal, a interpretação gramatical “não se subtrai, como se poderia crer, de um controle teleológico”.[6]
É preciso notar que, conforme esclarece Bettiol:
“É indispensável uma interpretação literal, uma tomada sumária de contato com os elementos da norma para individuar-lhe o escopo, mas a verdadeira exegese ocorre somente após a individuação do escopo, depois da verificação do bem jurídico ou do valor tutelado pela norma. É somente neste momento que cada elemento do tipo se ilumina de luz nova e adquire um significado definitivo. Apenas a partir deste momento é que os vários conceitos deduzidos da norma se dispõem entre si, respeitando a sua posição teleológica diversa, porque não se trata de um enquadramento formal, superficial dos conceitos, mas de um enquadramento que leva em conta a função respectiva que eles representam em relação ao escopo da norma”.[7]
Em virtude disso, muitas vezes, mesmo no campo penal, mister se faz uma complementação da interpretação gramatical inicial por interpretações sistemáticas e teleológicas que podem resultar em uma interpretação extensiva, ampliando o alcance semântico ordinário da letra da lei:
“Temos, por seu turno, uma interpretação extensiva quando o legislador empregou palavras que não espelham todo conteúdo da vontade da lei (minus dixiti quam voluit), de maneira que é necessário emprestar um significado mais extenso às próprias palavras do que aparentemente deixam transparecer. (...). Objetou-se que no campo do direito penal uma interpretação extensiva da norma deveria ser excluída por limitar arbitrariamente essa liberdade somente na hipótese em que uma norma fosse estendida para disciplinar situações ou relações que não fossem compreendidas na própria norma. Não se verifica tal com a interpretação extensiva porque o fato é previsto, porque subsiste a sua disciplina normativa mesmo que a expressão literal defeituosa não o deixe suficientemente transparecer. Não se trata de dilacerar o tecido conectivo da norma e sim apenas reintegrar o conteúdo da vontade da lei”.[8]
Dessa forma parece que realmente assiste razão às posições firmadas pelo STF e pelo STJ, aplicando uma interpretação extensiva, sistemática e teleológica em complemento à gramatical para ampliar o significado da palavra “crimes” no corpo do artigo 41 da Lei 11.340/06. Afinal, não parece correto pensar que o legislador pretendesse recolher seu manto protetivo da mulher vítima de violência doméstica e familiar em qualquer infração penal (crime ou contravenção). E, ademais, a questão assume grande relevância nos casos da contravenção penal de “Vias de Fato” (artigo 21, LCP), componente de uma grande parcela de casos de agressões contra a mulher.
FERNANDES, Valéria Diez Scarance. Lei Maria da Penha. São Paulo: Atlas, 2015.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 18ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
ROSAL, Cobo del, ANTON, Vives. Derecho Penal. 4ª. ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 1996.
[2] Op. Cit., p. 224.
[3] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 18ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 128.
[4] ROSAL, Cobo del, ANTON, Vives. Derecho Penal. 4ª. ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 1996, p. 149.
[5] BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal. Trad. Edméia Gregório dos Santos. Campinas: Red Livros, 2000, p. 114.
[6] Op. Cit., p. 113.
[7] Op. Cit., p. 115 – 116.
[8] Op. Cit., p. 117.
Por Eduardo Luiz Santos Cabette
Fonte: jornaljurid.com.br
“Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995” (grifo nosso).
O objetivo do legislador é aplicar o máximo rigor contra as práticas de violência doméstica e familiar contra a mulher, impedindo os benefícios despenalizadores ínsitos à Lei 9.099/95, em plena consonância com a disposição da própria Lei 11.340/06 que estabelece que a violência doméstica e familiar contra a mulher é considerada uma espécie de “violação dos direitos humanos” (artigo 6º.), norma esta, por seu turno, em harmonia com Tratados Internacionais firmados pelo Brasil a respeito do tema (v.g. Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a Mulher – CEDAW e Convenção de Belém do Pará). Efetivamente seria um contrassenso incomensurável estabelecer que uma determinada forma de violência seria uma “grave violação dos direitos humanos” e, concomitantemente, tratá-la como mera “infração de menor potencial ofensivo”!
Assim sendo estabelece claramente o artigo 41 da Lei Maria da Penha que mesmo havendo crimes com penas máximas até dois anos, não se aplicará os dispositivos benéficos da Lei 9.099/95 em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.
A inconstitucionalidade dessa vedação chegou a ser aventada em ações adequadas, mas o STF firmou posição pela constitucionalidade do dispositivo, seja na Ação Direta de Constitucionalidade 19, seja na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.424.
Também o alcance do dispositivo foi devidamente demarcado pela jurisprudência do STF acima citada, de modo que, em não havendo no artigo de lei nenhuma exceção ou reserva, entende-se que a Lei 9.099/95 é vedada aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher em sua totalidade. Por isso, inclusive a discussão acerca da ação penal nos crimes de lesões corporais leves em que se pleiteava a excepcional aplicação do artigo 88 da Lei 9.099/95 aos casos de violência contra a mulher, acabou com uma decisão do STF no sentido de que a ação penal é pública incondicionada de acordo com as normas do Código Penal, sem incidência do dispositivo do artigo 88 da Lei 9.099/95, exatamente por força do artigo 41 da Lei 11.340/06.
Não obstante restava ainda uma questão a ser devidamente esclarecida. O artigo 41 da Lei Maria da Penha veda literalmente somente a aplicação da Lei 9.099/95 aos crimes relacionados com violência doméstica e familiar contra a mulher. Sabe-se perfeitamente que o gênero “infrações penais” é passível de divisão em crimes e contravenções no Brasil. Portanto, havia uma tendência à interpretação literal e restritiva do dispositivo de maneira que a vedação sobredita não atingiria às contravenções penais.
Ocorre que o STJ decidiu que:
“uma interpretação literal do disposto no art. 41 da Lei n. 11.340/2006 viabilizaria, em apressado olhar, a conclusão de que os institutos despenalizadores da Lei 9.099/1995, entre eles a transação penal, seriam aplicáveis às contravenções penais. Contudo, considerando a finalidade da norma e o enfoque da ordem jurídico – constitucional, tem-se que, considerados os fins sociais a que a lei se destina, o artigo 41 da Lei n. 11.340/2006 afasta a incidência da Lei n. 9.099/95, de forma categórica, tanto aos crimes quanto às contravenções penais, a mens legis do disposto no referido preceito não poderia ser outra, senão de alcançar também as contravenções penais” (STJ, HC n. 280.788/RS, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 03.04..2014; no mesmo sentido STF, HC n. 106.212/MS, Rel. Min. Marco Aurélio Mello, j. 24.03.2011).[1]
Em reforço Fernandes aponta ainda o Enunciado n. 002/2011 da COPEVID – Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, do Grupo Nacional de Direitos Humanos do Ministério Público:
“O artigo 41 da Lei Maria da Penha aplica-se indistintamente aos crimes e contravenções penais, na esteira do entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça”.[2]
Percebe-se que tanto o STJ como o STF preferiram uma interpretação teleológica da norma a uma mera interpretação literal, o que ensejou sua interpretação extensiva, reconhecendo-se que a lei disse menos do que desejava (“lex minus dixit quam voluit”). A interpretação extensiva é admissível mesmo na seara penal, desde que fique claro e evidente que o legislador foi avaro com as palavras, mas que a teleologia da normativa, sua finalidade reconhecível, aponte para a necessidade de ampliação do significado de certas palavras. Portanto, assim entenderam os tribunais superiores neste caso, concedendo à palavra “crime” uma acepção ampla em sinonímia à expressão “infrações penais”, abrangente tanto de “crimes propriamente ditos”, como de “contravenções penais”.
Neste ponto pode-se afirmar que também agiram os tribunais superiores, levando em consideração uma técnica de interpretação sistemática, pois que o artigo 41 da Lei 11.340/06 passou a ser aplicado em harmonia com o artigo 4º. do mesmo diploma que assim dispõe:
Na interpretação desta lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar”.
Realmente não parece que a restrição interpretativa da palavra “crimes” nesse caso, negando, ao menos parcialmente, às mulheres vitimizadas os mecanismos da Lei 11.340/06 e permitindo as benesses da Lei 9.099/95 ao infrator seria condizente com o espírito legislativo que move o diploma enfocado em seu conjunto ou sistemática.
Como bem destaca Maximiliano:
“Consiste o Processo Sistemático em comparar o dispositivo sujeito a exegese, com outros do mesmo repositório ou de leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto. (...). Não se encontra um princípio isolado, em ciência alguma; acha-se cada um em conexão íntima com outros. O Direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos; constitui vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu lugar próprio”.[3]
É preciso confessar que este autor, num primeiro vislumbre da legislação em destaque, adotou o entendimento pessoal de que a interpretação do artigo 41 deveria ser restritiva, considerando tratar-se de norma penal que impõe limitações ao investigado ou réu. Enxergava ali uma “analogia in mallam partem”, levando em conta a pretensão de incluir no sentido da palavra “crimes” também as contravenções penais.
Contudo, ante à argumentação bem posta dos Tribunais Superiores, percebe-se que realmente não se trata de “analogia”, mas sim de “interpretação extensiva, teleológica e sistemática”, superando a mera “interpretação literal”.
Realmente não se deve confundir “analogia” com “interpretação extensiva”. Conforme aduzem Rosal e Anton, citando Windscheid, a chamada “Teoria da Alusão” delimita a diferenciação nítida entre a “analogia” e a “interpretação extensiva”. Na segunda o legislador escreveu menos do que pretendia escrever. Na primeira o legislador se olvidou completamente do que deveria ter escrito e nada escreveu. Há na interpretação extensiva a exegese adequada das palavras “aludidas” na lei. Na analogia não há menção ou “alusão” na lei de palavra alguma e então se toma emprestada outra norma similar para completar uma lacuna.[4]
Não se trata de desprezar a interpretação gramatical, pois ela é “a primeira fase pela qual o jurista deve passar para dar um significado finalista às palavras da lei”. Contudo, não é sempre que essa interpretação é “suficiente para esclarecer o conteúdo de vontade da própria lei”. [5] Afinal, a interpretação gramatical “não se subtrai, como se poderia crer, de um controle teleológico”.[6]
É preciso notar que, conforme esclarece Bettiol:
“É indispensável uma interpretação literal, uma tomada sumária de contato com os elementos da norma para individuar-lhe o escopo, mas a verdadeira exegese ocorre somente após a individuação do escopo, depois da verificação do bem jurídico ou do valor tutelado pela norma. É somente neste momento que cada elemento do tipo se ilumina de luz nova e adquire um significado definitivo. Apenas a partir deste momento é que os vários conceitos deduzidos da norma se dispõem entre si, respeitando a sua posição teleológica diversa, porque não se trata de um enquadramento formal, superficial dos conceitos, mas de um enquadramento que leva em conta a função respectiva que eles representam em relação ao escopo da norma”.[7]
Em virtude disso, muitas vezes, mesmo no campo penal, mister se faz uma complementação da interpretação gramatical inicial por interpretações sistemáticas e teleológicas que podem resultar em uma interpretação extensiva, ampliando o alcance semântico ordinário da letra da lei:
“Temos, por seu turno, uma interpretação extensiva quando o legislador empregou palavras que não espelham todo conteúdo da vontade da lei (minus dixiti quam voluit), de maneira que é necessário emprestar um significado mais extenso às próprias palavras do que aparentemente deixam transparecer. (...). Objetou-se que no campo do direito penal uma interpretação extensiva da norma deveria ser excluída por limitar arbitrariamente essa liberdade somente na hipótese em que uma norma fosse estendida para disciplinar situações ou relações que não fossem compreendidas na própria norma. Não se verifica tal com a interpretação extensiva porque o fato é previsto, porque subsiste a sua disciplina normativa mesmo que a expressão literal defeituosa não o deixe suficientemente transparecer. Não se trata de dilacerar o tecido conectivo da norma e sim apenas reintegrar o conteúdo da vontade da lei”.[8]
Dessa forma parece que realmente assiste razão às posições firmadas pelo STF e pelo STJ, aplicando uma interpretação extensiva, sistemática e teleológica em complemento à gramatical para ampliar o significado da palavra “crimes” no corpo do artigo 41 da Lei 11.340/06. Afinal, não parece correto pensar que o legislador pretendesse recolher seu manto protetivo da mulher vítima de violência doméstica e familiar em qualquer infração penal (crime ou contravenção). E, ademais, a questão assume grande relevância nos casos da contravenção penal de “Vias de Fato” (artigo 21, LCP), componente de uma grande parcela de casos de agressões contra a mulher.
REFERÊNCIAS:
BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal. Trad. Edméia Gregório dos Santos. Campinas: Red Livros, 2000.FERNANDES, Valéria Diez Scarance. Lei Maria da Penha. São Paulo: Atlas, 2015.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 18ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
ROSAL, Cobo del, ANTON, Vives. Derecho Penal. 4ª. ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 1996.
Notas:
[1] FERNANDES, Valéria Diez Scarance. Lei Maria da Penha. São Paulo: Atlas, 2015, p. 224.[2] Op. Cit., p. 224.
[3] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 18ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 128.
[4] ROSAL, Cobo del, ANTON, Vives. Derecho Penal. 4ª. ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 1996, p. 149.
[5] BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal. Trad. Edméia Gregório dos Santos. Campinas: Red Livros, 2000, p. 114.
[6] Op. Cit., p. 113.
[7] Op. Cit., p. 115 – 116.
[8] Op. Cit., p. 117.
Por Eduardo Luiz Santos Cabette
Fonte: jornaljurid.com.br