Brincadeira ofensiva no ambiente de trabalho é assunto sério: por Pedro Paulo Teixeira Manus

http://goo.gl/QIW0Lx | O Tribunal Superior do Trabalho, no final do ano de 2015, por acórdão de sua 1ª Turma Julgadora, que teve como relator o ministro Walmir Oliveira da Costa, decidiu interessante conflito entre uma empresa brasileira e um advogado de nacionalidade portuguesa, que lhe prestou serviços, e que foi vítima de assédio moral, como concluiu a Corte Superior.

Trata-se do processo TST-RR 547-86.2011.5.02.0062, que dentre outros temas debateu o dano moral decorrente tanto de falsificação de documento de que foi vítima o autor, quanto de ofensas de que foi alvo, em razão de sua nacionalidade portuguesa. Afirma o ilustre relator ministro Walmir Oliveira da Costa, na fundamentação de seu voto:
De igual modo, tendo sido ratificado no acórdão regional que "o Presidente da Reclamada veiculou quatro e-mails com piadas alusivas à nacionalidade do Autor, inclusive com conotação pornográfica,  além de ter efetuado diversos comentários no mesmo sentido em face do Reclamante", caracteriza-se, em concreto, o dano por assédio moral (in re ipsa).
Dessarte, não se sustenta a conclusão da Corte Regional de que seria suficiente para afastar a lesividade e a ilicitude da conduta a circunstância de que houve "a cessação imediata dos e-mails e comentários por parte do Presidente, após reclamação do Autor", tampouco a conclusão de que o envio de e-mails pelo reclamante, em tom irônico e jocoso, revelava a existência de um "ambiente de trabalho permissivo quanto a determinadas brincadeiras".
Em verdade, a mudança de comportamento somente denota a assunção, pelo próprio ofensor, de que suas atitudes eram ofensivas ao reclamante. E embora possa ser avaliado positivamente, inclusive do ponto de vista da aferição do grau da culpa e da intensidade da lesão, o encerramento futuro da ofensa à esfera moral não apaga os acontecimentos pretéritos e, nesses limites, não se confunde com a sua inexistência.
Cumpre destacar, que o acórdão regional não especifica o conteúdo das mensagens, sendo inviável, neste momento processual, fazer a comparação entre o teor das referidas mensagens irreverentes e a zombaria ultrajante cometida em desfavor do reclamante, a qual foi descrita, repita-se, como escárnio contra a nacionalidade portuguesa, inclusive via material pornográfico.
Nos limites em que delineada a controvérsia, sem haver maiores detalhamentos dos elementos fáticos, considerando a garantia constitucional, conquanto não tenha sido reconhecido o vínculo de emprego, a Justiça do Trabalho não pode fragilizar a proteção à moral de um profissional liberal tão somente diante da irreverência de um "ambiente de trabalho permissivo quanto a determinadas brincadeiras".
Revela, por oportuno, que a caracterização das condutas como ofensivas aos direitos de personalidade do reclamante, tanto em relação à falsificação da assinatura, quanto em relação aos e-mails e comentários, fundaram-se exclusivamente nos elementos concretos já expressamente fixados no acórdão regional, bastando ao Tribunal Superior proceder ao reenquadramento jurídico das mesmas premissas fáticas, portanto, sem nenhuma necessidade de revolver fatos e provas.
No caso concreto, revelam os autos do processo que o reclamante, advogado que prestou serviços à empresa, foi vítima de e-mails ofensivos, da autoria do próprio presidente da empresa, que eram veiculados entre os demais empregados e diretores, caçoando de sua nacionalidade portuguesa, a título de “brincadeiras”. Só cessaram tais ofensas em razão de pedido do próprio autor, que demonstrou consistir a prática ilícita em ofensas, que repercutiram negativamente inclusive em sua família.

Evidencia-se neste caso, como em tantos outros, o caráter ofensivo à intimidade, à vida privada, à imagem e à honra (Constituição Federal, artigo 5º, V e X), embora travestidas as investidas de “brincadeiras”, mas que trazem em seu bojo o preconceito e a discriminação contra a nacionalidade do reclamante, o que, como é óbvio, caracteriza assédio moral.

Ademais, como bem afirma a Egrégia 1ª Turma Julgadora do Tribunal Superior do Trabalho, provadas as ofensas caracteriza-se o dano in re ipsa, que é uma expressão latina que traduzida significa literalmente “da própria coisa” e que no universo jurídico tem o sentido de dano presumido, que não necessita de prova para sua configuração, bastando provar o fato alegado.

Isto porque é evidente, para o cidadão comum, que alguém que é menosprezado em razão de sua nacionalidade sofre dano de natureza moral, não sendo necessário provar tal prejuízo, desde que demonstrada processualmente a prática do ato ofensivo.

O tema relativo ao dano moral em decorrência de discriminação sempre foi de grande importância para a vida em sociedade, mas tem ganho maior relevância, registrando-se, aliás, a edição de recente norma legal a respeito. Trata-se da Lei 13.185, de 06 de novembro de 2015, com vigência a partir de fevereiro de 2016 e que institui o programa de combate à intimidação sistemática (bullying).

Esta lei, em seu artigo 1º, parágrafo 1º, considera bullying todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.

Poder-se-ia argumentar que brincadeiras jocosas, com simples intenção de divertir determinado grupo não podem ser consideradas como ofensa moral, mas é claro que quando o fundamento da pretensa brincadeira é um motivo preconceituoso, deixa de ser ingênuo o comportamento, para configurar ofensa, quando, exemplificativamente, caçoa-se da nacionalidade, da origem, do tipo físico, da cor, da idade, da aparência, que são todas situações que expressam discriminação em relação a quem é alvo da ofensa,  sob o falso pretexto de mera diversão.

O legislador, no parágrafo 2o  desta nova lei institui um programa que serve de fundamento às ações do Ministério da Educação e das sSecretarias estaduais e municipais de Educação, e de outros órgãos, para desenvolver educação de crianças e jovens, para evitar este tipo de discriminação.

Diga-se ainda que a lei, em seu artigo 2o  caracteriza bullying nos casos em que há violência física ou psicológica em atos de intimidação, humilhação ou discriminação, além de ataques físicos; insultos pessoais; comentários sistemáticos e apelidos pejorativos; ameaças por quaisquer meios; grafites depreciativos; expressões preconceituosas; isolamento social consciente e premeditado; ou pilhérias. E seu parágrafo único prevê a caracterização do bullying igualmente por meio eletrônico (cyberbullying).

Trata-se, como se vê de ato legislativo de relevância, tanto para coibir a discriminação e o dano moral, quanto para que sejam adotadas medidas pedagógicas para evitar que as crianças reproduzam este procedimento nocivo.

Diga-se, ainda, que a propósito deste julgamento da 1ª Turma Julgadora do Tribunal Superior do Trabalho, o fato repercutiu na imprensa portuguesa, veiculando a notícia da condenação da empresa o periódico “Info 24”, em 19 de fevereiro de 2016; o “Jornal i” da mesma data, além do artigo do jornalista Carlos Fino.

O tema da discriminação, ainda que travestido de brincadeira, é assunto muito sério e produz efeitos negativos nas pessoas que são atingidos pelas ofensas, tanto que reclamou providencias do legislador constitucional e ordinário. Urge que a nossa sociedade caminhe no sentido de mudar o comportamento, erradicando esta prática condenável.

Por Pedro Paulo Teixeira Manus
Fonte: Conjur
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