Saúde no peito: amamentação em público vira direito garantido por lei em BH

goo.gl/ncn7Ug | Para ter direito a alimentar o próprio filho no peito, no gesto mais primário da humanidade, a fotógrafa Milena Gomes, já teve de dar uma “encarada” no segurança de um shopping center de Belo Horizonte, que, gentilmente, sugeriu a ela que buscasse um espaço reservado à prática. Ontem, mãe e filho se sentiram mais “livres para mamar”, exatamente no dia em que foi sancionada a lei que pune restrições à amamentação em público em Belo Horizonte. Quando bateu a fome em Raul, de 2 anos, Milena aconchegou o filhote no colo e continuou com naturalidade a tarefa de pegar o pão, bolo e um pacote de café, dentro da seção de pães de um supermercado. Parece natural, mas nem para todos: o jovem consultor imobiliário Tiago, de 21 anos, por exemplo, se confessou desconfortável ao presenciar a cena. A dona de casa Marlene, de 73, também não escondeu certa reprovação: “Ninguém precisa ver. Expõe muito”, opinou.

Talvez por isso tenham se passado seis anos desde o primeiro ato a favor da amamentação em público em BH, até que o prefeito Marcio Lacerda referendasse lei que garante às mulheres o direito a alimentar os filhos em lugares públicos, sejam eles de natureza estatal ou privada, como praças, pontos de ônibus, restaurantes, centros de compra ou supermercados. Em síntese, se o espaço ou estabelecimento permitir o livre trânsito de pessoas, está liberada a amamentação.

Em 90 dias deve sair a regulamentação da nova regra, publicada ontem no Diário Oficial do Município (DOM). Essa normatização começa a ser definida a partir de hoje às 11h, em reunião entre o secretário municipal de Governo, Vítor Valverde, e o autor do projeto convertido em lei, vereador Gilson Reis (PCdoB). Segundo ele, vai ser necessário definir qual ente público aplicará a multa – de R$ 500 a R$ 1 mil, em caso de reincidência – a quem constranger mãe por amamentar, além de definir como será o mecanismo de punição. “Temos de estabelecer formas menos burocráticas, que possam ser menos embaraçosas para a mãe com o bebê, mas que permitam que a pessoa que contrariou a lei seja responsabilizada pelo ato”, afirma.

Para Gilson Reis, é curiosa a necessidade de criar uma lei para garantir a realização do gesto mais primário da humanidade. “Veja como somos primitivos e contemporâneos ao mesmo tempo”, comparou o vereador, marido da advogada Sílvia Raquel e pai de Tarsila, de 1 ano e um mês. Há cerca de dois anos, o projeto de lei vem sendo discutido com ativistas que defendem direitos como ao parto natural e à amamentação em público, como a doula Polly do Amaral, de 37 anos. Mãe de três meninas, sendo as duas últimas com amamentação prolongada, ela postou ontem foto comemorando a regulamentação da lei na capital. “Estive no primeiro ‘mamaço’ de Belo Horizonte, depois que um segurança do Masp, em São Paulo, tentou proibir uma mulher de amamentar em público. Essa lei é um marco, porque muitas pessoas ainda se constrangem com o ato, ainda mais quando a criança é maiorzinha, talvez por acharem que elas não precisam tanto do leite materno”, afirma. O “mamaço” de BH ocorreu há seis anos, no Parque Municipal, dias depois de manifestação semelhante no vão do Museu de Artes de São Paulo (Masp).

Polly explica que uma das maneiras de o filho não largar o peito à medida em que vai crescendo é amamentar exclusivamente com o leite materno até os 6 meses e, se possível, nunca complementar com mamadeira ou acalmar o bebê com a chupeta em lugares públicos como forma de evitar o constrangimento. “É preciso encarar que dar o peito é um gesto natural e parar de se preocupar com o que os outros vão pensar”, completa Milena Gomes, que também se posiciona publicamente, com o filho Raul, de 2 anos.

“É preciso entender que a amamentação não é um ato mecânico. É uma decisão. E, nesse processo de decisão que começa a ser construído na gestação e perdura pelos primeiros meses de vida da criança, é preciso persistência, força de vontade e apoio. Caso contrário, a mulher acaba desistindo”, defende Clécio Lucena, presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia, Regional Minas Gerais. O médico afirma que há evidências científicas muito sólidas de que a amamentação efetiva e prolongada,  por no mínimo seis meses, diminui o fator de risco de câncer de mama e é também um fator protetor contra a doença. “Além disso, tem o lado da afetividade; sabemos que a amamentação é uma das mais importantes formas de estabelecimento de vínculo entre mãe e bebê”, observa. Segundo ele, o puerpério é uma fase difícil para a mulher e o aleitamento pode interferir positivamente para diminuir efeitos psicológicos negativos em relação ao início da maternidade.

Clécio Lucena reforça que o processo de amamentação é natural e que assim deveria ser entendido. “É um ato absolutamente necessário para a sobrevivência da raça humana. O que é estranho, na verdade, é a necessidade de existir uma lei para garantir esse direito à mulher e à criança”, reforça.

Saúde no peito 

A Organização Mundial de Saúde recomenda o aleitamento materno exclusivo até os 6 meses da criança e, partir de então, como complemento, até 2 anos ou mais. Veja os benefícios:

» Reduz a mortalidade infantil: o aleitamento materno pode evitar 13% das mortes em crianças menores de 5 anos em todo o mundo

» Evita diarreia: crianças não amamentadas têm risco três vezes maior de se desidratar e morrer por diarreia

» Evita infecção respiratória: a proteção é maior quando a amamentação é exclusiva nos primeiros 6  meses

» Diminui os riscos de alergia: a amamentação exclusiva nos primeiros meses de vida diminui o risco de alergia à proteína do leite de vaca, de dermatite atópica e de outros tipos de alergias, incluindo asma

» Diminui o risco de hipertensão, colesterol alto e diabetes: o aleitamento apresenta benefícios de longo prazo

» Reduz a chance de obesidade: indivíduos amamentados têm chance 22% menor de vir a apresentar distúrbios de peso

» Melhor nutrição: o leite materno contém todos os nutrientes essenciais para o crescimento e o desenvolvimento das crianças

» Efeito positivo na inteligência: crianças amamentadas apresentam vantagem nesse aspecto sobre as demais

» Melhor desenvolvimento da cavidade bucal: o exercício que a criança faz para sugar o leite da mama é fundamental para o alinhamento correto dos dentes e boa oclusão dentária

» Protege contra o câncer de mama: estima-se que o risco de desenvolver a doença entre mães que amamentam diminua, 3% a cada 12 meses de amamentação

» Evita nova gravidez: a amamentação é um excelente método anticoncepcional nos primeiros seis meses após o parto, com 98% de eficácia

» Promoção do vínculo afetivo entre mãe e filho: a amamentação uma forma muito especial de comunicação entre a mãe e o bebê

» Melhor qualidade de vida: de forma geral, crianças amamentadas adoecem menos

Ministério da Saúde

Por Sandra Kiefer, Valéria Mendes e Carolina Mansur
Fonte: em
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