goo.gl/eqlSLL | O Brasil pode ter, pela primeira vez, uma lei que trate da troca de nome e sexo nos documentos de identificação das pessoas transexuais. A proposta, baseada na legislação de nações vizinhas, como Argentina e Uruguai, busca “colaborar para uma cultura de aceitação das diversidades” e reconhecer o que percebe como um direito de parte da população.
— Todos sabem que em nosso país existem muitas pessoas que se percebem em disforia de gênero. Eu mesma, como psicóloga, atendi pessoas assim, aprisionadas em um gênero com o qual não sentem qualquer identificação — diz a senadora Marta Suplicy (PMDB-SP), autora do projeto sobre o assunto (PLS 658/2011).
Para ela, o reconhecimento civil dessa condição tem a capacidade de “mudar de verdade” a vida dessas pessoas. A opinião é compartilhada pelo professor Leandro Otto, do Centro interescolar de Línguas no Gama (dF):
— Eu passei por situações constrangedoras ao chegar em locais em que você apresenta sua identidade e a pessoa não acredita e pergunta: “Mas quem é essa pessoa? Cadê sua identidade”? — conta
Otto diz que se sente muito mais otimista e confiante, depois que conseguiu alterar na Justiça o nome e o sexo nos registros.
— O que eu era antes não é nem sombra do que sou hoje. Estou bem mais feliz e conquistando coisas. isso muda nosso dia a dia — garante.
Ele também considera “importantíssima” a aprovação de legislação para simplificar o processo, que, em seu caso, avaliou como lento, burocrático e angustiante.
O projeto de Marta está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, quando foi aprovado em 2012 na Comissão de direitos Humanos (CdH), o ex- senador Eduardo Suplicy chamou a atenção para o que percebeu como uma insegurança jurídica pendente sobre o tema.
— Muitos pedidos de alteração de nome acabam indeferidos, provocando angústia e impacto profundo na vida dessas pessoas — disse o senador, ao defender o relatório dele pela aprovação.
Na prática, pedidos desse tipo na Justiça vêm sendo julgados caso a caso, informa a transexual e servidora pública da Secretaria da Mulher, igualdade e direitos Humanos do governo do distrito Federal Ludymilla Santiago.
Pelo projeto aprovado na CDH, o Código Civil e a Lei de Registros Públicos são alteradas, acolhendo como um direito a mudança de nome e sexo em toda a documentação, com base no reconhecimento da divergência de gênero por laudo médico ou psicológico.
— Aqui em Brasília, a gente procura trabalhar politicamente, por meio de portarias, notas técnicas e até procedimentos internos de órgãos públicos, buscando compensar a ausência de uma legislação apropriada — revela Ludymilla.
Para o consultor na área de direito civil do Senado Roberto Contreras, a aprovação da proposta não teria o poder de acabar com o preconceito contra transexuais ou travestis, pois esse ainda é influenciado por tradições culturais e concepções filosóficas de longa data. Mas reitera que, dentro do Judiciário, o tema tem sido abordado de forma mais liberal desde 2007, a partir de decisões proferidas pelos ministros Nancy Andrighi e Menezes direito, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
— Essa proposta, na verdade, trata do princípio da dignidade humana, uma vez que é um fato biológico e psicológico que muitas pessoas não se identificam com o sexo com o qual nasceram. isso traz muitos transtornos de autoaceitação e até as expõem, na prática, a situações constrangedoras no convívio social — diz o consultor, para quem a mudança oficial nos registros seria “um avanço que poria fim à insegurança jurídica para quem precisa dessas mudanças”.
O levantamento foi feito pela Secretaria de direitos Humanos da Presidência da República em 2012 e baseou- -se exclusivamente em dados oficiais contendo milhares de denúncias e relatos de violências contra travestis e transexuais, coletados por meio do serviço disque 100.
— A violência, nas mais diversas manifestações, desde a cultural e psicológica até a física e atentatória à vida, é parte do cotidiano de dezenas de milhares de transexuais no país. Por causa dessa cultura e do preconceito, nossa expectativa de vida é de apenas 35 anos, menos da metade da média nacional — diz Ludymilla.
De que forma se pode associar o transexualismo e a opção de escolha de um indivíduo?
— O transexualismo está longe de ser um assunto de escolha ou opção pessoal, como se alguém resolvesse de um momento para outro mudar seu sexo. É algo muito mais complexo, um tema sério que merece um enfoque científico, médico e psicológico. Sendo assim, a meu ver, o reconhecimento jurídico e legal da condição desses indivíduos é algo condizente com os caracteres biológicos e pessoais que marcam a constituição de suas personalidades.
Seria algo que se manifesta desde o nascimento, ou desde a primeira infância?
— Sim. Por isso, nos mais diferentes países, o enfoque sobre a disforia de gênero já é feito pela área da saúde. O que há é um dismorfismo sexual cerebral pré-natal divergente da diferenciação biológica do resto do corpo. Simplificando, já podemos afirmar cientificamente que a criança, ao nascer, vem com um cérebro inclinado a tornar-se homem ou mulher.
Então, o transexualismo seria uma condição que vai muito além da sexualidade de um determinado indivíduo, como talvez seja a compreensão de “senso comum”.
— Há documentação que comprova, fartamente, manifestações de disforia de gênero muito antes de qualquer manifestação de teor sexual, afetivo ou erótico por uma outra pessoa. Então realmente não se trata de orientação sexual, se trata de como o indivíduo se sente e se enxerga do ponto de vista de seu gênero. É fonte de um enorme sofrimento pessoal, é um desacordo básico, fundamental entre o que a pessoa percebe ser, o corpo que ela vê e como a sociedade lhe trata. Pesquisas demonstram que o índice de tentativas de suicídio entre transexuais beira 40%. E de fato não é possível associar diretamente a transexualidade com a opção sexual, pois há inúmeros casos de transgêneros, homens e mulheres, que mesmo após a redesignação adotam opções sexuais que seriam vistas como “heterossexuais” sob uma estrita ótica de senso comum.
Por Sergio Vieira
Fonte: Agência Senado
— Todos sabem que em nosso país existem muitas pessoas que se percebem em disforia de gênero. Eu mesma, como psicóloga, atendi pessoas assim, aprisionadas em um gênero com o qual não sentem qualquer identificação — diz a senadora Marta Suplicy (PMDB-SP), autora do projeto sobre o assunto (PLS 658/2011).
Para ela, o reconhecimento civil dessa condição tem a capacidade de “mudar de verdade” a vida dessas pessoas. A opinião é compartilhada pelo professor Leandro Otto, do Centro interescolar de Línguas no Gama (dF):
— Eu passei por situações constrangedoras ao chegar em locais em que você apresenta sua identidade e a pessoa não acredita e pergunta: “Mas quem é essa pessoa? Cadê sua identidade”? — conta
Otto diz que se sente muito mais otimista e confiante, depois que conseguiu alterar na Justiça o nome e o sexo nos registros.
— O que eu era antes não é nem sombra do que sou hoje. Estou bem mais feliz e conquistando coisas. isso muda nosso dia a dia — garante.
Ele também considera “importantíssima” a aprovação de legislação para simplificar o processo, que, em seu caso, avaliou como lento, burocrático e angustiante.
O projeto de Marta está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, quando foi aprovado em 2012 na Comissão de direitos Humanos (CdH), o ex- senador Eduardo Suplicy chamou a atenção para o que percebeu como uma insegurança jurídica pendente sobre o tema.
— Muitos pedidos de alteração de nome acabam indeferidos, provocando angústia e impacto profundo na vida dessas pessoas — disse o senador, ao defender o relatório dele pela aprovação.
Na prática, pedidos desse tipo na Justiça vêm sendo julgados caso a caso, informa a transexual e servidora pública da Secretaria da Mulher, igualdade e direitos Humanos do governo do distrito Federal Ludymilla Santiago.
Pelo projeto aprovado na CDH, o Código Civil e a Lei de Registros Públicos são alteradas, acolhendo como um direito a mudança de nome e sexo em toda a documentação, com base no reconhecimento da divergência de gênero por laudo médico ou psicológico.
— Aqui em Brasília, a gente procura trabalhar politicamente, por meio de portarias, notas técnicas e até procedimentos internos de órgãos públicos, buscando compensar a ausência de uma legislação apropriada — revela Ludymilla.
Para o consultor na área de direito civil do Senado Roberto Contreras, a aprovação da proposta não teria o poder de acabar com o preconceito contra transexuais ou travestis, pois esse ainda é influenciado por tradições culturais e concepções filosóficas de longa data. Mas reitera que, dentro do Judiciário, o tema tem sido abordado de forma mais liberal desde 2007, a partir de decisões proferidas pelos ministros Nancy Andrighi e Menezes direito, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
— Essa proposta, na verdade, trata do princípio da dignidade humana, uma vez que é um fato biológico e psicológico que muitas pessoas não se identificam com o sexo com o qual nasceram. isso traz muitos transtornos de autoaceitação e até as expõem, na prática, a situações constrangedoras no convívio social — diz o consultor, para quem a mudança oficial nos registros seria “um avanço que poria fim à insegurança jurídica para quem precisa dessas mudanças”.
Violência
O Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais, segundo a ONG Transgender Europe. Entre 2008 e 2014, foram notificados 604 assassinatos relacionados de alguma forma a visões preconceituosas contra essa parte da população, num quadro que corrobora dados da pesquisa A Violência Homofóbica no Brasil.O levantamento foi feito pela Secretaria de direitos Humanos da Presidência da República em 2012 e baseou- -se exclusivamente em dados oficiais contendo milhares de denúncias e relatos de violências contra travestis e transexuais, coletados por meio do serviço disque 100.
— A violência, nas mais diversas manifestações, desde a cultural e psicológica até a física e atentatória à vida, é parte do cotidiano de dezenas de milhares de transexuais no país. Por causa dessa cultura e do preconceito, nossa expectativa de vida é de apenas 35 anos, menos da metade da média nacional — diz Ludymilla.
“Transexualismo não é escolha”, explica psiquiatra da UnB
Psiquiatra e professor da Universidade de Brasília, Gabriel Graça, também transexual, aborda a visão da ciência sobre a questão.De que forma se pode associar o transexualismo e a opção de escolha de um indivíduo?
— O transexualismo está longe de ser um assunto de escolha ou opção pessoal, como se alguém resolvesse de um momento para outro mudar seu sexo. É algo muito mais complexo, um tema sério que merece um enfoque científico, médico e psicológico. Sendo assim, a meu ver, o reconhecimento jurídico e legal da condição desses indivíduos é algo condizente com os caracteres biológicos e pessoais que marcam a constituição de suas personalidades.
Seria algo que se manifesta desde o nascimento, ou desde a primeira infância?
— Sim. Por isso, nos mais diferentes países, o enfoque sobre a disforia de gênero já é feito pela área da saúde. O que há é um dismorfismo sexual cerebral pré-natal divergente da diferenciação biológica do resto do corpo. Simplificando, já podemos afirmar cientificamente que a criança, ao nascer, vem com um cérebro inclinado a tornar-se homem ou mulher.
Então, o transexualismo seria uma condição que vai muito além da sexualidade de um determinado indivíduo, como talvez seja a compreensão de “senso comum”.
— Há documentação que comprova, fartamente, manifestações de disforia de gênero muito antes de qualquer manifestação de teor sexual, afetivo ou erótico por uma outra pessoa. Então realmente não se trata de orientação sexual, se trata de como o indivíduo se sente e se enxerga do ponto de vista de seu gênero. É fonte de um enorme sofrimento pessoal, é um desacordo básico, fundamental entre o que a pessoa percebe ser, o corpo que ela vê e como a sociedade lhe trata. Pesquisas demonstram que o índice de tentativas de suicídio entre transexuais beira 40%. E de fato não é possível associar diretamente a transexualidade com a opção sexual, pois há inúmeros casos de transgêneros, homens e mulheres, que mesmo após a redesignação adotam opções sexuais que seriam vistas como “heterossexuais” sob uma estrita ótica de senso comum.
Por Sergio Vieira
Fonte: Agência Senado