goo.gl/NVUwcN | Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, a nossa comunidade jurídica, com algum natural ceticismo, vai aos poucos enfrentando as novas regras procedimentais e adaptando-se aos institutos que se apresentam como novidade.
É ainda muito cedo para se fazer um diagnóstico mais preciso acerca das vantagens e dos pontos negativos que emergem do novel diploma processual. Aliás, como afirmava Carnelutti, é somente a partir da vigência de uma nova lei que se torna possível detectar os problemas que deverão ser solucionados pelos operadores do direito.
Questão que era muito discutida sob a égide do velho texto legal decorria da ausência de regramento específico para a desconsideração da personalidade jurídica. A respeito desse tema, é certo que a situação que trazia enorme perplexidade surgia geralmente da hipótese em que um sócio de uma determinada empresa deixara o quadro social há muitos anos e, sem a menor possibilidade de se defender, era surpreendido com a submissão de seu patrimônio pessoal para garantir débito consideravelmente pretérito, o qual, embora potencialmente existente à época de sua retirada da empresa, não era de seu conhecimento.
Contudo, para ser ele atingido diante de pedido de desconsideração não se fazia qualquer distinção entre o sócio que se retirara há muito tempo e o sócio ainda integrante da sociedade endividada. Tal situação não deveria ser tratada como se ambos estivessem na mesma posição jurídica!
Assim, para evitar decisões precipitadas atinentes à desconsideração da personalidade jurídica, na grande maioria das vezes sem ouvir o sócio que sofrerá os efeitos prejudiciais da execução sobre seu patrimônio, o novo Código de Processo Civil preconiza, no artigo 9º, que: “Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que esta seja previamente ouvida”.
O novo estatuto, a evitar esta manifesta injustiça, em boa hora, instituiu com todas as letras, nos artigos 133 a 137, o denominado incidente de desconsideração da personalidade jurídica, inclusive para a chamada “desconsideração inversa”, possibilitando que a pessoa física ou jurídica indicada pelo autor da demanda ou pelo exequente se manifeste, em pleno contraditório, podendo inclusive produzir prova, antes de ser exarada qualquer ordem judicial que comprometa o seu patrimônio.
Com efeito, dispõe o artigo 135 que: “Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias”.
Não é preciso salientar que, no âmbito de um modelo de processo democrático, marcado pela existência de garantias constitucionais que asseguram o due process of law, o mínimo que se deve esperar é a previsão do direito de ser ouvido. Este, como é notório, o princípio consagrado no artigo 5º, inciso LIV, da nossa Constituição Federal, textual: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
Cabe no entanto a ressalva de que nem sempre será necessária a instauração do referido incidente de desconsideração da personalidade jurídica, para os fins pretendidos pelo credor, autor ou exequente.
Realmente, se o juiz prima facie inferir que o pleito de desconsideração não reúne condições plausíveis de êxito, deverá indeferi-lo, por meio de decisão devidamente fundamentada, sobretudo para afastar inoportuna suspensão do processo.
Seguindo essa correta linha de raciocínio, merece os maiores encômios importante e recente acórdão da 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, proferido na Apelação 70067753665, que manteve o indeferimento da pretensão de desconsideração da personalidade jurídica, lastreando-se na seguinte fundamentação: “Ocorre que, como destacado na sentença e também pelo douto Procurador de Justiça, a mencionada S.K.P deixou a sociedade da requerida em maio de 1997, praticamente sete anos antes do aforamento da monitória... Não bastasse a cronologia dos acontecimentos, com grande hiato entre a sua retirada do quadro social da empresa ré e a constituição do restaurante, inegável que os empreendimentos possuem distintos objetos sociais... Como visto, há pouca ou nenhuma identidade entre o objeto social de uma e de outra empresa. Nesse contexto, embora se reconheça que o instituto da personalidade jurídica não é absoluto, somente a prova escorreita de seu uso abusivo, mediante desvio de finalidade ou confusão patrimonial com o escopo de prejudicar terceiros, é que autorizaria a despersonalização pretendida, alcançando a sócia da empresa que nem sequer participou do processo em sua fase conhecimento...” (publicado no Boletim da AASP, 3.005, 22 a 28 de agosto de 2016).
É esta, com toda certeza, a diretriz que já vinha sendo majoritária e que, agora, após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, passa a prevalecer, visto que este reconhece a devida importância (em nada menos do que 18 artigos) do princípio do contraditório!
Por José Rogério Cruz e Tucci
Fonte: Conjur