goo.gl/w8j9ss | O questionamento proposto é o seguinte: existe ampla defesa no processo penal sem paridade de armas na investigação preliminar? Em outras palavras: é possível falar em ampla defesa material (ou efetiva) na segunda etapa da persecução penal quando há flagrante diferença de tratamento entre acusação (especialmente pública) e defesa (normalmente privada) no pré-jogo processual?
Os manuais costumam repetir (e com razão) que a garantia da ampla defesa, com todas as suas dimensões (técnica e pessoal), representaria uma consequência do devido processo legal e do contraditório, sendo indispensável para o desenvolvimento válido do procedimento penal. Poucos, no entanto, preocupam-se com as suas reais possibilidades de efetivação no processo; aliás, esse tipo de vício é comum na dogmática tradicional.
Ademais, a doutrina em geral desconsidera por completo a relação existente entre a configuração sistemática (ou estrutural) da investigação preliminar e a construção de espaços viáveis de concretização da ampla defesa no campo estrito do processo penal.
Parece-nos que essa temática carece mesmo de maior atenção doutrinária; falta-nos um debate mais aprofundado nessa seara que tantas repercussões práticas apresentam no sistema de Justiça criminal brasileiro. Nesse particular, vale destacar alguns exemplos. Como apresentar um rol efetivo de testemunhas a serem ouvidas em juízo sem ter ciência dessas fontes de prova? Como discutir a legalidade dos meios de prova sem ter conhecimento pleno sobre a origem daquela informação? Enfim... como assegurar igualdade probatória sem paridade de armas na etapa investigatória?
A formulação de estratégias acusatórias e defensivas, que vão orientar a produção das provas requeridas pelas partes (ônus acusatório e direito defensivo à luz do sistema acusatório), bem como a reação (ativa ou passiva) diante das solicitações da parte contrária, dependem por óbvio da construção da teoria do caso penal na etapa anterior ao processo. A obtenção ou ciência quanto às fontes de prova que assumirão a natureza de meios de prova em audiência judicial não pode se originar em procedimento desigual, nitidamente desfavorável quanto à posição da defesa.
Por evidente, quanto menor a influência na etapa de descoberta das fontes de prova e de construção de uma teoria preliminar do caso (fase de investigação), maior limitação resta no manejo das espécies probatórias e de toda a estrutura procedimental aplicável à fase processual.
Não se desconhece que diante do sistema acusatório, fundado no princípio dispositivo, o juiz, ignorante por definição, deveria conhecer do caso penal somente pelas provas requeridas pelas partes, mas a questão ora colocada, repita-se, diz respeito à (im)possibilidade de a defesa produzir e sustentar uma estratégia processual efetiva quando destituída de semelhantes prerrogativas jurídicas e possibilidades materiais do órgão acusatório público na etapa investigatória preliminar. Consciente de que a propagada igualdade processual não passa da esfera mitológica, deve-se ao menos trabalhar com uma política processual de diminuição das diferenças (uma espécie de metodologia de redução dos “danos processuais”).
Necessário, portanto, repensar a atual estrutura do pré-jogo criminal, com vistas a reduzir essa nítida desigualdade entre os sujeitos. Frise-se que não se trata de transformar a investigação em procedimento judicial com contraditório pleno e ampla defesa, tornando o processo dispensável, mas apenas de assegurar equilíbrio mínimo quanto aos intervenientes (já que não são tecnicamente partes) nessa fase preliminar de apuração.
Ante o exposto, norteado por um viés democrático processual penal, alguns redutores de desigualdade poderiam ser propostos. Segue, adiante, uma proposta ensaística com sucinto rol exemplificativo (inclusive a título de lege ferenda): a) equiparação normativa entre as prerrogativas solicitantes do Ministério Público e da defesa no inquérito policial, o que pode se dar mediante limitação do atual poder requisitório do parquet ou então por considerável aumento do âmbito de atuação da defesa, inclusive com direito à produção de “contrainformação” em face das solicitações do órgão ministerial; b) disciplina legal da investigação defensiva como mecanismo de contraposição à investigação ministerial (a qual, aliás, também carece de regulamentação legal estrita); c) igual dotação orçamentária entre Ministério Público e Defensoria Pública para atuação na etapa investigatória preliminar.
Talvez não sejam essas as únicas ou as melhores medidas. A exposição tem, como de costume, uma dimensão provocativa ou instigadora de maiores debates. A finalidade, no fundo, nunca é de assentar respostas definitivas, mas de promover algum tipo de constrangimento transformador da realidade. O que não se pode admitir é o atual estado de coisas absolutamente desproporcional. Sem sombra de dúvida, a reforma nesse campo é premente, inclusive para assegurar a própria integridade do devido processo legal. Do contrário, a ampla defesa continuará a ser mera fantasia processual embalada com requintes superficiais de democraticidade.
Por Leonardo Marcondes Machado
Fonte: Conjur
Os manuais costumam repetir (e com razão) que a garantia da ampla defesa, com todas as suas dimensões (técnica e pessoal), representaria uma consequência do devido processo legal e do contraditório, sendo indispensável para o desenvolvimento válido do procedimento penal. Poucos, no entanto, preocupam-se com as suas reais possibilidades de efetivação no processo; aliás, esse tipo de vício é comum na dogmática tradicional.
Ademais, a doutrina em geral desconsidera por completo a relação existente entre a configuração sistemática (ou estrutural) da investigação preliminar e a construção de espaços viáveis de concretização da ampla defesa no campo estrito do processo penal.
Parece-nos que essa temática carece mesmo de maior atenção doutrinária; falta-nos um debate mais aprofundado nessa seara que tantas repercussões práticas apresentam no sistema de Justiça criminal brasileiro. Nesse particular, vale destacar alguns exemplos. Como apresentar um rol efetivo de testemunhas a serem ouvidas em juízo sem ter ciência dessas fontes de prova? Como discutir a legalidade dos meios de prova sem ter conhecimento pleno sobre a origem daquela informação? Enfim... como assegurar igualdade probatória sem paridade de armas na etapa investigatória?
A formulação de estratégias acusatórias e defensivas, que vão orientar a produção das provas requeridas pelas partes (ônus acusatório e direito defensivo à luz do sistema acusatório), bem como a reação (ativa ou passiva) diante das solicitações da parte contrária, dependem por óbvio da construção da teoria do caso penal na etapa anterior ao processo. A obtenção ou ciência quanto às fontes de prova que assumirão a natureza de meios de prova em audiência judicial não pode se originar em procedimento desigual, nitidamente desfavorável quanto à posição da defesa.
Por evidente, quanto menor a influência na etapa de descoberta das fontes de prova e de construção de uma teoria preliminar do caso (fase de investigação), maior limitação resta no manejo das espécies probatórias e de toda a estrutura procedimental aplicável à fase processual.
Não se desconhece que diante do sistema acusatório, fundado no princípio dispositivo, o juiz, ignorante por definição, deveria conhecer do caso penal somente pelas provas requeridas pelas partes, mas a questão ora colocada, repita-se, diz respeito à (im)possibilidade de a defesa produzir e sustentar uma estratégia processual efetiva quando destituída de semelhantes prerrogativas jurídicas e possibilidades materiais do órgão acusatório público na etapa investigatória preliminar. Consciente de que a propagada igualdade processual não passa da esfera mitológica, deve-se ao menos trabalhar com uma política processual de diminuição das diferenças (uma espécie de metodologia de redução dos “danos processuais”).
Necessário, portanto, repensar a atual estrutura do pré-jogo criminal, com vistas a reduzir essa nítida desigualdade entre os sujeitos. Frise-se que não se trata de transformar a investigação em procedimento judicial com contraditório pleno e ampla defesa, tornando o processo dispensável, mas apenas de assegurar equilíbrio mínimo quanto aos intervenientes (já que não são tecnicamente partes) nessa fase preliminar de apuração.
Ante o exposto, norteado por um viés democrático processual penal, alguns redutores de desigualdade poderiam ser propostos. Segue, adiante, uma proposta ensaística com sucinto rol exemplificativo (inclusive a título de lege ferenda): a) equiparação normativa entre as prerrogativas solicitantes do Ministério Público e da defesa no inquérito policial, o que pode se dar mediante limitação do atual poder requisitório do parquet ou então por considerável aumento do âmbito de atuação da defesa, inclusive com direito à produção de “contrainformação” em face das solicitações do órgão ministerial; b) disciplina legal da investigação defensiva como mecanismo de contraposição à investigação ministerial (a qual, aliás, também carece de regulamentação legal estrita); c) igual dotação orçamentária entre Ministério Público e Defensoria Pública para atuação na etapa investigatória preliminar.
Talvez não sejam essas as únicas ou as melhores medidas. A exposição tem, como de costume, uma dimensão provocativa ou instigadora de maiores debates. A finalidade, no fundo, nunca é de assentar respostas definitivas, mas de promover algum tipo de constrangimento transformador da realidade. O que não se pode admitir é o atual estado de coisas absolutamente desproporcional. Sem sombra de dúvida, a reforma nesse campo é premente, inclusive para assegurar a própria integridade do devido processo legal. Do contrário, a ampla defesa continuará a ser mera fantasia processual embalada com requintes superficiais de democraticidade.
Por Leonardo Marcondes Machado
Fonte: Conjur