bit.ly/aculturadoestupro | Nesta manhã de quarta-feira, quente e ainda de clima seco em Anápolis/GO, ouvindo o programa de rádio (Foco da 96 FM) escutei as críticas, corretas diga-se de passagem, sobre a seguinte afirmação: “A mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada.”
Fiquei surpreso com o tema da discussão e com o teor da afirmação. Afinal, vivemos em 2016, plena era da tecnologia, fato que nos propicia em passos firmes o acesso e a promoção da disseminação da educação, do respeito e da civilidade.
Mas meu espanto aumentou, exponencialmente, quando li o texto da jornalista Fernanda Mena, Folha de São Paulo, 21/09, noticiando: “...um terço dos brasileiros culpa mulheres por estupros sofridos” e que 90% das mulheres nordestinas temem ser violentadas.
Isso chamou minha atenção e me fez continuar a leitura com maior atenção e perplexidade.
Segundo a jornalista uma pesquisa feita no Brasil revela que um terço da população brasileira entende que a culpa pelo estupro é da mulher. Destaca-se que nessa estatística 30% das mulheres consultadas defendem essa tese, bizarra por sinal. Salienta-se que pouco importa se mais ou menos do que 30% das mulheres deste país entendem que a culpa do estupro é da mulher. Esse pensamento é inaceitável em um país que se autoafirma como democrático de direito, tal como se verifica no art. 1º da CF/88.
A pesquisa também revela que esse pensamento tem maior aceitação entre a população com menor grau de instrução e dentre os legalmente conhecidos como idosos, mais de 60 anos.
Além disso, a pesquisa aponta que uma das principais causas do estupro é atribuída ao vestuário utilizado pelas vítimas, “roupas provocantes” (Mulheres, segundo os dados da pesquisa, vocês podem começar a pensar no uso da “burca” como opção de roupa mais “segura” e menos provocante). Para quem não sabe, a burca é a vestimenta feminina tradicional das mulheres no Afeganistão e também usada no Paquistão. Essa roupa cobre todo o corpo feminino, suas curvas, inclusive o cabelo. Seu uso está vinculado às crenças e ou às imposições baseadas no Alcorão, naqueles países.
A pesquisa constatou duas coisas importantes:
1) há uma equivocada noção de que a liberdade da mulher é o combustível para essa prática odiosa;
2) a percepção do crime de estupro como responsabilidade da mulher é traço do perfil social brasileiro preconceituoso.
Ocorre que a Constituição Federal de 1988 prevê que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, art. 5º, inciso I. Além disso, esse mesmo texto fundamental prevê que é garantida a toda mulher a liberdade de expressão e a inviolabilidade da sua intimidade.
A escolha da roupa, da cor do cabelo, do tom da maquiagem e da forma como desfila, pois mulheres não andam, desfilam sua inerente beleza, diferentemente de nós homens, quase ogros, é parte integrante do “kit” liberdades fundamentais previstas na Constituição Federal de 1988, e desse pacote cidadania, encontramos ainda a liberdade de manifestação, da expressão e da comunicação. E isso não tem nada a ver com ser ou não ser provocante, ao contrário diz respeito aos direitos fundamentais, à civilidade e à cidadania. Aliás, o que é mesmo ser provocante? Quais são os critérios sociais para definir em 2016 o conceito de mulher provocante?
A questão não é o quão provocante uma mulher apresente-se para sociedade, mas sim o grau de civilidade que essa sociedade ostenta para entender que comportamento é forma de expressão e que o exercício desse direito é garantido constitucionalmente.
Essa convicção, palavra da moda em tempos de Operação Lava Jato, é desprovida de preconceitos religiosos ou morais, está puramente baseada na ideia de que todos temos o direito de expressar nosso modo de pensar, inclusive escolhendo roupas sintonizadas com o estilo de vida que corresponde às crenças, sejam elas religiosas, filosóficas ou políticas.
A roupa é reflexo do pensamento, é forma de comunicação, discreta ou escandalosa, não interessa! Ela é forma eficiente de comunicação. E no Brasil é garantida a liberdade de pensamento, de expressão e de comunicação, por disposição expressa da Constituição Federal de 1988.
Vale destacar que em países onde a liberdade de escolha é restrita ou até inexistente, as pessoas, em especial as mulheres, não têm o direito de escolher a roupa, pois não há exercício das liberdades de expressão e de comunicação. Em países como a Coreia do Norte há uma forte política pública (imposição) de que as pessoas devem vestir-se segundo o modo de vida socialista (regime político daquele país) para que não sejam considerados pelo Estado norte-coreano como desprezíveis (miseráveis, abjetos, vis), ou seja: para que não sejam punidos.
Posto isso, não é crível ler e ouvir que a culpa de um estupro é da mulher porque ela vestiu-se de forma mais ou menos provocante. Isso é preconceito, isso é reflexo de uma concepção moral e social antiquada e desprovida de informação (ignorância). Até porque, como já mencionado: qual é o conceito de provocante, uma condição social autorizadora do crime de estupro? Talvez aquele que chamam de “mito” (Bolsonaro) possa responder. Mas acredito que seria pouco útil, do ponto de vista das liberdades constitucionais, esperar uma resposta civilizada e sintonizada com o texto da Carta Política.
Nesse momento resta analisar o segundo ponto destacado: a percepção do crime de estupro como responsabilidade da mulher é traço do perfil social brasileiro.
O Brasil é tido como uma das maiores economias do mundo, promoveu recentemente eventos de alcance global (Copa do Mundo e Olimpíadas), tem um senso de liberalidade alargado, tendo em vista nossa multiplicidade cultural base da formação da sociedade tupiniquim.
Nossas combinações sociais estendem-se dos indígenas aos europeus passando pelos negros, americanos, asiáticos e tantas outras raças. É muita mistura! É rica! É o que garante a pluralidade democrática em que vivemos.
Contudo, mesmo diante dessa diversidade de ideologias, parte do povo brasileiro insiste em entender que a mulher é culpada pelo estupro de que é vítima. Isso é um erro! Grosseiro e vinculado ao preconceito e à incapacidade de entender a existência do outro como o outro é, ainda que seja diferente de você.
Mas e a solução para esse problema? Tem um nome pequeno com oito letras apenas: Educação. Sem ela não chegaremos a lugar algum como povo civilizado. Sem ela não temos o direito em falar de cidadania. Sem ela não podemos afirmar que somos democráticos e que aceitamos as diferenças. Sem ela estamos fadados a dar continuidade ao discurso do ódio, vedado constitucionalmente e abominado pelo Supremo Tribunal Federal.
A liberdade de escolha é garantia de homens e mulheres e não é uma roupa a causa do estupro. É a falta de amor.
Destaca-se ainda que crianças em tenra idade, assim como idosas, são vítimas desse tipo de agressão hedionda e não há que se falar em roupas provocantes. Há que se falar em conduta típica, antijurídica e culpável, prevista no art. 213 do Código Penal, cujas penas são de reclusão (tipo de prisão) de 6 a 10 anos, mas havendo resultado mais danosos podem ser estendidas para um patamar maior (8 a 12 anos) e chegar ainda ao intervalo de 12 a 30 anos. Em todas as situações, a punição indicada é pequena frente ao elevado grau de violência e de danos causados à vítima.
É fundamental, para evolução social, a eliminação do pensamento de que o homem possui o direito de estuprar uma mulher porque essa mulher deu causa a isso em razão da forma “provocante” como se vestiu.
A cultura do estupro não é reconhecida pela Constituição Federal, é criminalizada pelo Código Penal brasileiro e pela lei de crimes hediondos e não é aceitável que em 2016 ainda tenhamos cerca de 30% da população desta República atribuindo culpa à mulher em caso de estupro. Isso é bizarro!
Vida longa à liberdade de escolha das esposas, filhas, mães, irmãs, tias, avós, amigas, alunas, chefas, e a todas as mulheres.
Rodrigo Belmonte (Cabeça)
Professor de Direito Constitucional e de Direito Administrativo
lacconcursos.com.br | maisconstitucional.com.br | maisadministrativo.com.br
rodrigoabelmonte@terra.com.br | Facebook/rodrigoabelmonte | Instagram @rodrigoabelmonte | Periscope @rodrigoabelmont
Fiquei surpreso com o tema da discussão e com o teor da afirmação. Afinal, vivemos em 2016, plena era da tecnologia, fato que nos propicia em passos firmes o acesso e a promoção da disseminação da educação, do respeito e da civilidade.
Mas meu espanto aumentou, exponencialmente, quando li o texto da jornalista Fernanda Mena, Folha de São Paulo, 21/09, noticiando: “...um terço dos brasileiros culpa mulheres por estupros sofridos” e que 90% das mulheres nordestinas temem ser violentadas.
Isso chamou minha atenção e me fez continuar a leitura com maior atenção e perplexidade.
Segundo a jornalista uma pesquisa feita no Brasil revela que um terço da população brasileira entende que a culpa pelo estupro é da mulher. Destaca-se que nessa estatística 30% das mulheres consultadas defendem essa tese, bizarra por sinal. Salienta-se que pouco importa se mais ou menos do que 30% das mulheres deste país entendem que a culpa do estupro é da mulher. Esse pensamento é inaceitável em um país que se autoafirma como democrático de direito, tal como se verifica no art. 1º da CF/88.
A pesquisa também revela que esse pensamento tem maior aceitação entre a população com menor grau de instrução e dentre os legalmente conhecidos como idosos, mais de 60 anos.
Além disso, a pesquisa aponta que uma das principais causas do estupro é atribuída ao vestuário utilizado pelas vítimas, “roupas provocantes” (Mulheres, segundo os dados da pesquisa, vocês podem começar a pensar no uso da “burca” como opção de roupa mais “segura” e menos provocante). Para quem não sabe, a burca é a vestimenta feminina tradicional das mulheres no Afeganistão e também usada no Paquistão. Essa roupa cobre todo o corpo feminino, suas curvas, inclusive o cabelo. Seu uso está vinculado às crenças e ou às imposições baseadas no Alcorão, naqueles países.
A pesquisa constatou duas coisas importantes:
1) há uma equivocada noção de que a liberdade da mulher é o combustível para essa prática odiosa;
2) a percepção do crime de estupro como responsabilidade da mulher é traço do perfil social brasileiro preconceituoso.
Ocorre que a Constituição Federal de 1988 prevê que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, art. 5º, inciso I. Além disso, esse mesmo texto fundamental prevê que é garantida a toda mulher a liberdade de expressão e a inviolabilidade da sua intimidade.
A escolha da roupa, da cor do cabelo, do tom da maquiagem e da forma como desfila, pois mulheres não andam, desfilam sua inerente beleza, diferentemente de nós homens, quase ogros, é parte integrante do “kit” liberdades fundamentais previstas na Constituição Federal de 1988, e desse pacote cidadania, encontramos ainda a liberdade de manifestação, da expressão e da comunicação. E isso não tem nada a ver com ser ou não ser provocante, ao contrário diz respeito aos direitos fundamentais, à civilidade e à cidadania. Aliás, o que é mesmo ser provocante? Quais são os critérios sociais para definir em 2016 o conceito de mulher provocante?
A questão não é o quão provocante uma mulher apresente-se para sociedade, mas sim o grau de civilidade que essa sociedade ostenta para entender que comportamento é forma de expressão e que o exercício desse direito é garantido constitucionalmente.
Essa convicção, palavra da moda em tempos de Operação Lava Jato, é desprovida de preconceitos religiosos ou morais, está puramente baseada na ideia de que todos temos o direito de expressar nosso modo de pensar, inclusive escolhendo roupas sintonizadas com o estilo de vida que corresponde às crenças, sejam elas religiosas, filosóficas ou políticas.
A roupa é reflexo do pensamento, é forma de comunicação, discreta ou escandalosa, não interessa! Ela é forma eficiente de comunicação. E no Brasil é garantida a liberdade de pensamento, de expressão e de comunicação, por disposição expressa da Constituição Federal de 1988.
Vale destacar que em países onde a liberdade de escolha é restrita ou até inexistente, as pessoas, em especial as mulheres, não têm o direito de escolher a roupa, pois não há exercício das liberdades de expressão e de comunicação. Em países como a Coreia do Norte há uma forte política pública (imposição) de que as pessoas devem vestir-se segundo o modo de vida socialista (regime político daquele país) para que não sejam considerados pelo Estado norte-coreano como desprezíveis (miseráveis, abjetos, vis), ou seja: para que não sejam punidos.
Posto isso, não é crível ler e ouvir que a culpa de um estupro é da mulher porque ela vestiu-se de forma mais ou menos provocante. Isso é preconceito, isso é reflexo de uma concepção moral e social antiquada e desprovida de informação (ignorância). Até porque, como já mencionado: qual é o conceito de provocante, uma condição social autorizadora do crime de estupro? Talvez aquele que chamam de “mito” (Bolsonaro) possa responder. Mas acredito que seria pouco útil, do ponto de vista das liberdades constitucionais, esperar uma resposta civilizada e sintonizada com o texto da Carta Política.
Nesse momento resta analisar o segundo ponto destacado: a percepção do crime de estupro como responsabilidade da mulher é traço do perfil social brasileiro.
O Brasil é tido como uma das maiores economias do mundo, promoveu recentemente eventos de alcance global (Copa do Mundo e Olimpíadas), tem um senso de liberalidade alargado, tendo em vista nossa multiplicidade cultural base da formação da sociedade tupiniquim.
Nossas combinações sociais estendem-se dos indígenas aos europeus passando pelos negros, americanos, asiáticos e tantas outras raças. É muita mistura! É rica! É o que garante a pluralidade democrática em que vivemos.
Contudo, mesmo diante dessa diversidade de ideologias, parte do povo brasileiro insiste em entender que a mulher é culpada pelo estupro de que é vítima. Isso é um erro! Grosseiro e vinculado ao preconceito e à incapacidade de entender a existência do outro como o outro é, ainda que seja diferente de você.
Mas e a solução para esse problema? Tem um nome pequeno com oito letras apenas: Educação. Sem ela não chegaremos a lugar algum como povo civilizado. Sem ela não temos o direito em falar de cidadania. Sem ela não podemos afirmar que somos democráticos e que aceitamos as diferenças. Sem ela estamos fadados a dar continuidade ao discurso do ódio, vedado constitucionalmente e abominado pelo Supremo Tribunal Federal.
A liberdade de escolha é garantia de homens e mulheres e não é uma roupa a causa do estupro. É a falta de amor.
Destaca-se ainda que crianças em tenra idade, assim como idosas, são vítimas desse tipo de agressão hedionda e não há que se falar em roupas provocantes. Há que se falar em conduta típica, antijurídica e culpável, prevista no art. 213 do Código Penal, cujas penas são de reclusão (tipo de prisão) de 6 a 10 anos, mas havendo resultado mais danosos podem ser estendidas para um patamar maior (8 a 12 anos) e chegar ainda ao intervalo de 12 a 30 anos. Em todas as situações, a punição indicada é pequena frente ao elevado grau de violência e de danos causados à vítima.
É fundamental, para evolução social, a eliminação do pensamento de que o homem possui o direito de estuprar uma mulher porque essa mulher deu causa a isso em razão da forma “provocante” como se vestiu.
A cultura do estupro não é reconhecida pela Constituição Federal, é criminalizada pelo Código Penal brasileiro e pela lei de crimes hediondos e não é aceitável que em 2016 ainda tenhamos cerca de 30% da população desta República atribuindo culpa à mulher em caso de estupro. Isso é bizarro!
Vida longa à liberdade de escolha das esposas, filhas, mães, irmãs, tias, avós, amigas, alunas, chefas, e a todas as mulheres.
Rodrigo Belmonte (Cabeça)
Professor de Direito Constitucional e de Direito Administrativo
lacconcursos.com.br | maisconstitucional.com.br | maisadministrativo.com.br
rodrigoabelmonte@terra.com.br | Facebook/rodrigoabelmonte | Instagram @rodrigoabelmonte | Periscope @rodrigoabelmont