Jean Wyllys pede ao Supremo Tribunal Federal que anule o impeachment – Por Paulo Vecchiatti

goo.gl/VNHMPY | Tive a honra de elaborar manifestação de amicus curiae em nome do Deputado Jean Wyllys (PSOL/RJ), em apoio à ação movida pela Presidenta Dilma Rousseff perante o STF (MS 34.371), visando a anulação do processo de impeachment (disponivel-aqui). Trata-se de ação invocando a inconstitucionalidade (não-recepção pela Constituição) dos crimes de responsabilidade em que condenada a Presidenta. Ainda será movida uma segunda ação, discutindo a ausência de justa causa (manifesta inexistência de crimes de responsabilidade na espécie), na qual também apresentaremos amicus curiae, não obstante tenhamos tratado disso já nesta ação.

Fico feliz por fazer parte da luta contra o absurdo golpe perpetrado contra a democracia brasileira. Agradeço ao caríssimo Deputado Jean Wyllys por encampá-la e, assim, possibilitar essa manifestação pela anulação do “impeachment” perpetrado no dia 31.08.2016. Postura absolutamente coerente de um Deputado que, embora crítico (à esquerda) do Governo Dilma, sempre denunciou o caráter golpista deste pseudo “impeachment”. Tenho minha consciência histórica tranquila por ter assumido a luta em defesa da democracia: este é o bem jurídico em causa, aquilo que se está protegendo. Embora o impeachment seja um mecanismo da democracia, para garantir a responsabilização de Chefes de Executivo contra determinados atos, que a LEI considera atentatórios à Constituição, impeachment sem crime de responsabilidade é GOLPE, porque só se pode afastar Presidente (bem como Governador/a e Prefeito/a) nas taxativas hipóteses definidas em lei.

Trata-se de um golpe porque não há crime de responsabilidade: “impeachment” sem crime de responsabilidade é uma contradição em termos no Direito brasileiro. Tentou-se dar um pseudo ar de “legalidade democrática” ao processo que não existe, dada a ausência de crimes de responsabilidade (contraditório e ampla defesa são critérios formais, mas essa exigência material/substantiva não esteve presente). Ao passo que o objeto juridicamente válido do processo restringe-se às chamadas “pedaladas fiscais”, que não configuram “operação de crédito”, bem como à suposta violação da Lei Orçamentária, que não ocorreu, por dois motivos: (1) só se analisa se houve ou não violação no fim do ano (princípio da anualidade), justamente para permitir a adequação dela às necessidades governamentais (sob pena de se criminalizar a política fiscal de um governo ou, pelo menos, engessá-la e inviabilizá-la por atrasos da oposição na aprovação de adequações da lei); (2) ainda que se pense em contrário e se conclua que a lei teria sido “violada” por créditos extraordinários antes do fim do ano, a aprovação do PLN 5/2015, projeto de lei que visava precisamente adequar a Lei Orçamentária a estes créditos, evidentemente convalidou/ratificou os mesmos, sendo simplesmente indefensável dizer que uma lei teria sido “violada” por créditos que ela ratificou/convalidou… Sendo assim, não adianta alguém defender que acha que a Presidenta teria cometido “outro” crime de responsabilidade, porque isso não estava em julgamento e, assim, não foi objeto da ampla defesa e do contraditório… ao passo que ampla defesa e contraditório não convalidam condenações por fatos que não configuram crimes de responsabilidade, como deveria ser evidente pelo menos a qualquer pessoa que leva a sério seu diploma de Direito…

Ao passo que, segundo a jurisprudência do STF configura matéria de Direito Penal (Súmula 722 e Súmula Vinculante 46), o que significa que só pode ser considerado crime de responsabilidade aquilo que está expresso na lei e que foi objeto do contraditório e da ampla defesa (requisitos cumulativos, não alternativos: tem que ter os dois, não só um deles…). Portanto, também não adianta afirmar-se que as súmulas não falam isso em seus textos (elas definem que a competência de crimes de responsabilidade é da União, sendo inconstitucionais leis tais elaboradas por Estados e Municípios para seus Chefes de Executivo), pois isso demonstra profunda ignorância sobre o chamado Direito Sumular (como se interpretar uma súmula), bem como à vinculação a precedentes em geral (legalizada pelo novo Código de Processo Civil, de 2015, que entrou em vigor em 18.3.16). A súmula deve ser interpretada de acordo com a fundamentação (as ratione decidendi) dos precedentes que lhe geraram (a súmula é um enunciado, uma frase, que sintetiza as teses firmadas pela jurisprudência, ou seja, por reiterados precedentes no mesmo sentido). Ao passo que ditos precedentes dizem que crimes de responsabilidade são de competência exclusiva da União por eles constituírem matéria de Direito Penal, falando isso e remetendo ao art. 22, I, da Constituição, que fala que o Direito Penal (entre outros) só pode ser criado por leis de âmbito nacional.

O “amicus curiae” desenvolve longamente esse tema, citando diversos julgados do STF nesse sentido, para reforçar a tese da ação, de que o crime de atentar contra a lei orçamentária é inconstitucional, por afronta ao princípio da taxatividade, que exige que a lei explique, com clareza, qual a conduta punível (são inconstitucionais leis penais excessivamente “vagas”, das quais não se saiba, com segurança, que espécies de condutas são puníveis). Ao passo que explica que isso se aplica também ao Direito Sancionatório não-penal, ou seja, a normas punitivas de natureza outra que não a penal.

Aproveito para divulgar o pressrelease elaborado pela equipe do Deputado Jean Wyllys:

JEAN WYLLYS PEDE AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL QUE ANULE O IMPEACHMENT

“Não é a defesa de um governo — de fato, eu fui oposição ao governo Dilma e sou muito crítico de sua gestão —, mas a defesa da democracia. Lutar contra o golpe é um imperativo de todas as pessoas democráticas e progressistas desse país, independentemente da opinião que cada um tiver sobre os governos petistas. E eu acho que a saída para essa crise política deveria ser a convocação de eleições para que o povo decida”, afirma o parlamentar do PSOL, que pede ao Supremo a anulação do impeachment. 

O deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) apresentou manifestação de amicus curiae (“amigo da Corte”) na ação movida pela presidenta eleita Dilma Rousseff perante o Supremo Tribunal Federal (MS 34.371) visando a anulação da sua condenação, pelo Senado Federal, no processo de impeachment. A manifestação foi elaborada pelo advogado Paulo Iotti, que já tinha representado o PSOL, a pedido do deputado Jean Wyllys, na ação que pediu ao Conselho Nacional de Justiça a regulamentação federal do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, aprovada pelo Conselho em 2013 por meio da resolução nº 175.

Após discorrer sobre a sua legitimidade para manifestar-se no processo, por ter atuado ativamente contra o impeachment na Câmara dos Deputados, pela sua representatividade social, pela relevância nacional da matéria e pelo artigo 138 do novo Código de Processo Civil isto permitir, Wyllys afirma em sua manifestação que cabe ao Supremo Tribunal Federal anular condenações em impeachment quando elas sejam manifestamente ilegais/inconstitucionais ou manifestamente contrárias às provas dos autos. Bem como quando sejam “teratológicas”, ou seja, evidentemente absurdas do ponto de vista jurídico. Nesse sentido, citou afirmação do próprio ministro Teori Zavascki (relator do processo), que disse que o STF só pode intervir quando haja alguma “patologia jurídica particularmente grave”, que o deputado entende existir.

A petição de Wyllys aponta diversos julgamentos do STF que afirmaram que os crimes de responsabilidade constituem matéria de Direito Penal — logo, são “crimes” e, por isso, submetem-se aos rigores do Direito Penal. Com isso, reforça os argumentos da ação de inconstitucionalidade apresentada pela presidenta Dilma, pela excessiva vagueza do crime de responsabilidade de “infringir, patentemente, e de qualquer forma, a lei orçamentária” (é inconstitucional a lei penal que não explica com clareza que tipos de condutas são criminosas). O deputado também afirma que, mesmo que o STF entenda que a matéria não seria “penal”, a excessiva vagueza do referido tipo penal o tornaria inconstitucional. Por outro lado, embora nesta primeira ação a defesa da presidenta Dilma não se mencione diretamente o argumento de “ausência de justa causa” (ou seja, de ausência de crime de responsabilidade), que provavelmente será exposto numa representação posterior, a petição do deputado discorreu sobre o tema. Isso porque um dos pedidos da ação é de simples anulação do julgamento, de modo que o deputado entende que ela pode ser julgada procedente, também, por fundamentos diversos.

“Eu decidi apresentar esta manifestação de amicus curiae ao Supremo Tribunal Federal em defesa da democracia e da Constituição Federal. Não levei em consideração os argumentos políticos da oposição de direita sobre o ‘conjunto da obra’ —mesmo que, por motivos diferentes aos da oposição de direita, eu também seja crítico do conjunto da obra do governo Dilma—, porque esses argumentos não cabem num processo de impeachment. Também não levei em consideração as defesas do impeachment dedicadas ao tio, ao papagaio, à sobrinha ou ao torturador Brilhante Ustra, que também não cabem nesse processo. O que me levou a me manifestar perante o STF é a ausência de crime de responsabilidade, que foi brilhantemente demonstrada pelo advogado da Presidenta, José Eduardo Cardozo, e também o meu acordo com os argumentos da defesa na ação que a própria Dilma moveu contra a decisão do Senado, com base na inconstitucionalidade de parte da legislação aplicada para o julgamento”, explica o deputado.

No texto do amicus, Wyllys aponta para a manifesta inexistência de crime de responsabilidade cometido pela Sra. Presidenta da República. E aqui ratifica os argumentos amplamente utilizados pela defesa durante toda a tramitação do impeachment, a saber, que as chamadas “pedaladas fiscais” não constituem “operação de crédito”, mas mero atraso de pagamento (e, no Direito Penal ou mesmo Sancionatório não-penal, só é crime aquilo que está escrito na lei), considerando uma grave deturpação conceitual (uma grave patologia jurídica) equiparar-se “mora obrigacional” (atrasos) a operações de crédito. O deputado defende também que a aprovação pelo Congresso Nacional do PLN 5/2015 gerou a convalidação/ratificação dos créditos extraordinários em questão pela lei orçamentária (o referido projeto de lei visou adequar a lei orçamentária aos decretos de créditos extraordinários objeto desta acusação). Ou seja, além de não haver violação da lei orçamentária, mesmo se houvesse, esta deveria ser apurada só no final do ano (princípio da anualidade), quando, pelos motivos citados, não existia.

Por fim, o parlamentar do PSOL destaca que sua manifestação perante a Suprema Corte constitui uma defesa jurídica da democracia, para que representantes do povo não sejam destituídos da chefia do Executivo fora das hipóteses legalmente previstas para tal fim, por essa ser a diferença central do impeachment presidencialista para o voto de desconfiança parlamentarista. O respeito ao rito processual não é suficiente para garantir a legitimidade do impeachment, já que, se a Constituição exige lei especial que defina as hipóteses de crimes de responsabilidade, decretar o impeachment fora destas hipóteses constitui um verdadeiro golpe de estado mal disfarçado de legalidade democrática, o que considera incompatível com o Estado de Direito e com a própria função da Constituição e das leis enquanto definidoras dos limites da atuação política.

Por Paulo Roberto Iotti Vecchiatti
Fonte: emporiododireito
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