STF: Julgamento sobre dever de Estado fornecer remédios de alto custo e sem registro é suspenso

goo.gl/MfqS3d | O plenário do STF interrompeu pela segunda vez o julgamento conjunto de dois REs (566471 e 657718) que tratam do fornecimento de remédios de alto custo não disponíveis na lista do SUS e de medicamentos não registrados na Anvisa.

Devido à complexidade do caso e para refletir melhor sobre a questão, o ministro Teori Zavascki pediu vista dos autos na tarde desta quarta-feira, 28. Votaram até o momento o relator, ministro Marco Aurélio, e os ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin. Os três propuseram teses diferentes.



Pedido de vista do ministro Barroso já havia interrompido a análise da questão no último dia 15, após voto de Marco Aurélio no sentido de que o Estado pode ser obrigado a fornecer remédios de alto custo, desde que comprovadas a imprescindibilidade do medicamento e a incapacidade financeira do paciente e sua família para aquisição.

O ministro consignou, no entanto, que a obrigação não pode prevalecer quando os remédios não são registrados pela agência reguladora.

Aditamento

No início da sessão desta quarta, Marco Aurélio realizou um aditamento ao seu voto, no qual afirmou que o Estado está obrigado a fornecer medicamento registrado na Anvisa, como também o passível de importação, sem similar nacional, desde que comprovada a indispensabilidade para a manutenção da saúde da pessoa, mediante laudo médico, e tenha registro no país de origem.
Normalmente, nessas situações, o produto somente é encontrado em país de desenvolvimento técnico-científico superior, sendo que à míngua não deve e não pode ficar o paciente. Com ou sem autorização da Anvisa, tendo em vista não ser o caso de industrialização ou comercialização no território brasileiro, e sim de importação excepcional para uso próprio, individualizado, ao Estado cumpre viabilizar a aquisição.
Com relação à solidariedade da família, o ministro registrou que cumprirá ao Estado, uma vez acionado em juízo, no que se presume a inexistência de familiar com situação econômico-financeira suficiente a proporcionar o remédio, "alegar o fato e requerer, presente o direito de regresso, a citação do familiar abastado e omisso, com recursos utilizáveis presente a solidariedade".

Ausente a espontaneidade do familiar, de acordo com Marco Aurélio, incumbe ao Estado atuar em nome da coletividade. "Descabe, a pretexto de ter-se membro da família com capacidade econômico-financeira de prover certo medicamento, eximir-se pura e simplesmente da obrigação de fornecê-lo."

Assim, o ministro rerratificou sua tese, nos seguintes termos:
O reconhecimento do direito individual ao fornecimento, pelo Estado, de medicamento de alto custo, não incluído em política nacional de medicamentos ou em programa de medicamentos de dispensação em caráter excepcional, constante de rol dos aprovados, depende da demonstração da imprescindibilidade – adequação e necessidade –, da impossibilidade de substituição, da incapacidade financeira do enfermo e da falta de espontaneidade dos membros da família solidária em custeá-lo, respeitadas as disposições sobre alimentos dos artigos 1.649 a 1.710 do Código Civil e assegurado o direito de regresso.

Desjudicialização

Considero estes dois casos possivelmente os mais difíceis com os quais o tribunal se defronta nesse momento e, infelizmente, não há solução juridicamente simplesmente e moralmente barata aqui. Tudo na vida envolve escolhas.
Do início da leitura de seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso, que abriu divergência, destacou a complexidade da questão, se pautando sobre algumas premissas para desenvolver seu raciocínio: cada cidadão brasileiro faz jus, sem discriminação ou privilégio, ao máximo de justiça em termos de saúde que o Estado possa pagar – "mas há limites". Afirmou que nenhum país do mundo oferece todo tipo de medicamente e todo tipo de tratamento a todas as pessoas e, nessa matéria, "o populismo não é a solução, mas o problema".

Outro ponto levantado por Barroso foi a necessidade de desjudicializar o debate sobre saúde no país, destacando as altas quantias dispendidas pelos entes federados apenas para discutir na Justiça os termos afetos à distribuição de medicamentos e tratamentos médicos.

Além de destacar que o Judiciário não é a instância adequada para tratar desta distribuição, Barroso ponderou que a judicialização produz seletividade no sistema, pois as decisões beneficiam apenas as partes do processo e são soluções que não atingem a todas as pessoas em igual situação.

Para o ministro, no caso de demanda judicial por medicamento incorporado apelo SUS, não há dúvida a respeito da obrigação do Estado de fornecê-lo. Nestas circunstâncias, segundo Barroso, a atuação do Judiciário seria voltada apenas a efetivar as políticas públicas já formulados no âmbito do sistema de saúde.

Já no caso da demanda judicial por medicamento não incorporado pelo SUS, inclusive quando de alto custo, o ministro concluiu que o Estado não pode ser, como regra geral, obrigado a fornecê-lo.
Não há sistema de saúde que possa resistir a um modelo em que todos os remédios, independentemente de seu custo e impacto financeiros devam ser oferecidos pelo Estado a todas as pessoas. É preciso, tanto quanto, possível reduzir e racionalizar a judicialização da saúde, bem como prestigiar as decisões dos órgãos técnicos, conferindo caráter excepcional à dispensação de medicamento não incluído na política pública.
No caso de medicamentos com eficácia e segurança comprovadas e testes concluídos, mas ainda sem registro na Anvisa, o seu fornecimento por decisão judicial assume, segundo o ministro, caráter absolutamente excepcional e somente poderá ocorrer em uma hipótese: a de irrazoável mora da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior a 365 dias).

Ainda nesse caso, porém, seria preciso que houvese prova do preenchimento cumulativo de três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil; (ii) a existência de registro do medicamento pleiteado em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico registrado na Anvisa. A propositura da demanda deve ser em face da União.

Como tese, Barroso consignou que:
O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais, sem eficácia e segurança comprovadas, em nenhuma hipótese. Já em relação a medicamentos não registrados na Anvisa, mas com comprovação de eficácia e segurança, o Estado somente pode ser obrigado a fornecê-los na hipótese de irrazoável mora da Agência em apreciar o pedido de registro (prazo superior a 365 dias), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil; (ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face da União.
O ministro ainda destacou a necessidade da realização de um diálogo entre Judiciário e órgãos técnicos, para aferir os requisitos de dispensação de medicamento e, caso haja deferimento judicial do fármaco, para que se avalie a possibilidade ou não de incorporação no âmbito do SUS.

Exceção

Próximo a votar, Edson Fachin disse que buscou, quando da reflexão do tema, encontrar equilíbrio entre a ausência de parâmetros e parâmetros demasiadamente restritivo. Apesar de apresentar pontos de contato, o ministro divergiu de Marco Aurélio e Barroso.

Com relação aos medicamentos de alto custo, Fachin também fixou parâmetros "que abrem a porta da via judicial, quando em caráter excepcional", para a dispensação, entre eles:

1. Prévio requerimento administrativo que pode ser suprido pela oitiva de ofício do agente público por parte do julgador;
2. Subscrição realizada por médico da rede pública ou justificada a impossibilidade; 
3. Indicação do medicamento por meio da denominação comum brasileira ou a denominação internacional;
4. Justificativa da inadequação da inexistência de medicamento ou tratamento dispensado na rede pública;
5. Laudo, formulário ou documento subscrito pelo médico responsável pela prescrição em que indique a necessidade do tratamento, seus efeitos e os estudos da medicina baseados em evidência, além das vantagens para o paciente, comparando, se houver, com eventuais fármacos ou tratamentos fornecidos pelo SUS para a mesma moléstia.

O ministro ainda falou em eficácia prospectiva, defendendo que se preservem todos os efeitos das decisões judiciais que, versando sobre a questão constitucional submetida à repercussão geral, tenham esgotadas as instâncias ordinárias, inclusive as que se encontram sobrestadas até a data do julgamento.

A respeito do registro na Anvisa, Fachin entendeu que, "no âmbito de política e assistência à saúde é possível ao Estado prever, como regra geral, a vedação da dispensação do pagamento do ressarcimento, pagamento ou do reembolso do produto nacional ou importado sem registro na Anvisa".

A tese proposta pelo ministro foi:
No âmbito da política de assistência à saúde, é possível ao Estado prever, como regra geral, a vedação da dispensação, do pagamento, do ressarcimento ou do reembolso de medicamento e produto, nacional ou importado, sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa.
Processo relacionado: REs 566.471 e 657.718
- Confira o aditamento ao voto do ministro Marco Aurélio.
- Confira o voto do ministro Luís Roberto Barroso.
- Confira o voto do ministro Edson Fachin.

Fonte: Migalhas
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