goo.gl/efIySe | Quando do julgamento do Recurso Especial 1.602.076/SP a 3a Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu a nulidade de cláusula compromissória arbitral estipulada em um contrato de franquia por entender haver desrespeito ao comando previsto no artigo 4º da Lei 9.307/96. De acordo com a relatora ministra Nancy Andrighi, o afastamento do princípio da competência-competência seria possível já que em seu entendimento todo “contrato de franquia ou franchising é inegavelmente um contrato de adesão”.
Como os julgamentos do STJ criam precedentes que podem pacificar, modificar e até mesmo extinguir entendimentos para assuntos, o referido acórdão passará a servir como referência não apenas para as futuras decisões relacionadas à eficácia de cláusulas de arbitragem em contratos de franquia, como será capaz também de alterar a dinâmica contratual e negocial do mercado, gerando um desequilíbrio preocupante para o mundo do franchising.
A conclusão alcançada no precedente, de que contratos de franquia são inegavelmente contratos de adesão, parece, a bem da verdade, tratar-se de uma generalização apressada e que não representa, necessariamente, a realidade vivida entre franqueados e franqueadores.
Usando como base a própria doutrina citada no acórdão, vê-se que o professor Carlos Alberto Carmona entende que um contrato se torna de adesão quando “basicamente, uma das partes, o policitante, impõe à outra – o oblato – as condições e cláusulas que previamente redigiu”. A imposição é, portanto, requisito fundamental.
Ocorre que em um contrato de franquia a situação é distinta, isto porque as cláusulas e condições previamente redigidas assim o são justamente pela vontade das partes, não havendo que se falar em imposição, mas desejo tanto do franqueador como do franqueado de que a contratação da franquia ocorra sob as mesmas condições a todos os franqueados indistintamente.
Pelo lado do franqueador, a existência de um núcleo fixo de cláusulas garante que o seu conhecimento e sua tecnologia serão respeitados por todos os franqueados, mantendo a unicidade da marca — e consequentemente seu valor — em todo o território de atuação. Isso confere a necessária estabilidade de sua forma de operação.
Pelo lado do franqueado, essas mesmas cláusulas padronizadas lhe trazem a segurança de que o alto investimento está sendo direcionado para uma franquia segura, estável e comprometida com o crescimento da marca, pois eventual diferenciação nos contratos firmados entre cada franqueado poderia criar insegurança e desequilíbrio entre as partes contratantes e também entre os próprios franqueados, podendo, inclusive, afetar a franquia no aspecto quantitativo e qualitativo do serviço ou produto a ser disponibilizado no mercado.
Logo, ao suposto “aderente”, a mínima padronização do contrato é algo desejado e esperado para a própria segurança e prosperidade de seu novo negócio — é, na realidade, a razão para se buscar um contrato de franquia.
Essa padronização, todavia, não significa que o contrato de franquia é absoluto e imutável, como ocorre nos contratos de adesão. Condições e obrigações que não afetem o núcleo essencial do produto ou serviço idealizado na franquia podem ser, e costumeiramente são, negociados entre as partes, seja por uma questão meramente negocial ou por adequação aos aspectos peculiares de determinada franquia, como por exemplo, fatores regionais, climáticos e culturais.
Por óbvio as distinções entre contratos de adesão e contratos de franquia não param por aí. Enquanto os primeiros podem ser concluídos rapidamente e muitas vezes em questão de minutos, a relação de franchising não é — e sequer pode ser — formalizada de imediato. A fase de negociação e troca de informações é uma fase imprescindível e obrigatória.
O franqueador é obrigado por lei[1] a dividir com o futuro franqueado informações sigilosas sobre o seu conhecimento, sua rentabilidade, a expectativa de faturamento a ser alcançada nos próximos anos, custos relevantes da operação e a previsão das obrigações que serão suportadas de parte a parte ao longo da relação contratual, entre muitos outros elementos e informações que precisam constar na Circular de Oferta de Franquia. Essas informações devem ser enviadas ao futuro franqueado com antecedência mínima de 10 dias da celebração do contrato de franquia.
Este prazo previsto em lei garante ao franqueado a possibilidade de analisar os números da operação, a rentabilidade e, mais importante, o seu real interesse na celebração do contrato de franquia. Esta fase de análise e estudos é fundamental para que o futuro franqueado tome uma decisão empresarial consciente e clara, afinal os valores envolvidos para o inicio da operação de uma franquia são de relevante cunho econômico.
Após avaliar durante razoável período de tempo as condições do negócio, os termos do contrato, a sua capacidade financeira para realizar os investimentos necessários, aí sim é que o futuro franqueado poderá celebrar um contrato de natureza empresarial, apresentando ou requerendo eventuais ajustes nos termos do contrato, sem que se fira o núcleo essencial da franquia, ou seja, cláusulas e condições padrão que devem funcionar da mesma maneira a todo e qualquer franqueado.
Com esses pontos em mente é que se pode concluir que o entendimento do acórdão do STJ, de que todo contrato de franquia é inegavelmente um contrato de adesão, é perigoso. A premissa não é absoluta e tampouco deve ser interpretada de forma generalizada.
A regra geral deve ser de que o contrato de franquia não é de adesão e sim um contrato de natureza empresarial, no qual não há a imposição das cláusulas padronizadas, mas sim a reprodução do desejo das partes de que a contratação da franquia seja feita sob as mesmas condições a todos os franqueados, como forma de paridade e igualdade entre os franqueados e também para garantir o sucesso e a saúde financeira do sistema de franquia.
A análise da questão é delicada e deve ser feita de forma individualizada e mediante o estudo das provas de cada caso, de modo a verificar o perfil da empresa franqueadora e do franqueado, os termos do contrato de franquia e os fatos ocorridos durante a fase pré-contratual para se afastar a premissa de que aquele contrato é oriundo de uma relação eminentemente empresarial.
Inverter o raciocínio, presumindo primeiramente a natureza de adesão, abre margem para que não apenas as cláusulas de arbitragem sejam consideradas de plano abusivas e ilegais, como também diversas outras cláusulas essenciais à operação da franquia o sejam, prejudicando e desestabilizando, dessa maneira, o mercado de franchising.
[1] Art. 3º da Lei de Franquia.
Por Danilo Orenga e Maria Fernanda Ferrero
Fonte: Conjur
Como os julgamentos do STJ criam precedentes que podem pacificar, modificar e até mesmo extinguir entendimentos para assuntos, o referido acórdão passará a servir como referência não apenas para as futuras decisões relacionadas à eficácia de cláusulas de arbitragem em contratos de franquia, como será capaz também de alterar a dinâmica contratual e negocial do mercado, gerando um desequilíbrio preocupante para o mundo do franchising.
A conclusão alcançada no precedente, de que contratos de franquia são inegavelmente contratos de adesão, parece, a bem da verdade, tratar-se de uma generalização apressada e que não representa, necessariamente, a realidade vivida entre franqueados e franqueadores.
Usando como base a própria doutrina citada no acórdão, vê-se que o professor Carlos Alberto Carmona entende que um contrato se torna de adesão quando “basicamente, uma das partes, o policitante, impõe à outra – o oblato – as condições e cláusulas que previamente redigiu”. A imposição é, portanto, requisito fundamental.
Ocorre que em um contrato de franquia a situação é distinta, isto porque as cláusulas e condições previamente redigidas assim o são justamente pela vontade das partes, não havendo que se falar em imposição, mas desejo tanto do franqueador como do franqueado de que a contratação da franquia ocorra sob as mesmas condições a todos os franqueados indistintamente.
Pelo lado do franqueador, a existência de um núcleo fixo de cláusulas garante que o seu conhecimento e sua tecnologia serão respeitados por todos os franqueados, mantendo a unicidade da marca — e consequentemente seu valor — em todo o território de atuação. Isso confere a necessária estabilidade de sua forma de operação.
Pelo lado do franqueado, essas mesmas cláusulas padronizadas lhe trazem a segurança de que o alto investimento está sendo direcionado para uma franquia segura, estável e comprometida com o crescimento da marca, pois eventual diferenciação nos contratos firmados entre cada franqueado poderia criar insegurança e desequilíbrio entre as partes contratantes e também entre os próprios franqueados, podendo, inclusive, afetar a franquia no aspecto quantitativo e qualitativo do serviço ou produto a ser disponibilizado no mercado.
Logo, ao suposto “aderente”, a mínima padronização do contrato é algo desejado e esperado para a própria segurança e prosperidade de seu novo negócio — é, na realidade, a razão para se buscar um contrato de franquia.
Essa padronização, todavia, não significa que o contrato de franquia é absoluto e imutável, como ocorre nos contratos de adesão. Condições e obrigações que não afetem o núcleo essencial do produto ou serviço idealizado na franquia podem ser, e costumeiramente são, negociados entre as partes, seja por uma questão meramente negocial ou por adequação aos aspectos peculiares de determinada franquia, como por exemplo, fatores regionais, climáticos e culturais.
Por óbvio as distinções entre contratos de adesão e contratos de franquia não param por aí. Enquanto os primeiros podem ser concluídos rapidamente e muitas vezes em questão de minutos, a relação de franchising não é — e sequer pode ser — formalizada de imediato. A fase de negociação e troca de informações é uma fase imprescindível e obrigatória.
O franqueador é obrigado por lei[1] a dividir com o futuro franqueado informações sigilosas sobre o seu conhecimento, sua rentabilidade, a expectativa de faturamento a ser alcançada nos próximos anos, custos relevantes da operação e a previsão das obrigações que serão suportadas de parte a parte ao longo da relação contratual, entre muitos outros elementos e informações que precisam constar na Circular de Oferta de Franquia. Essas informações devem ser enviadas ao futuro franqueado com antecedência mínima de 10 dias da celebração do contrato de franquia.
Este prazo previsto em lei garante ao franqueado a possibilidade de analisar os números da operação, a rentabilidade e, mais importante, o seu real interesse na celebração do contrato de franquia. Esta fase de análise e estudos é fundamental para que o futuro franqueado tome uma decisão empresarial consciente e clara, afinal os valores envolvidos para o inicio da operação de uma franquia são de relevante cunho econômico.
Após avaliar durante razoável período de tempo as condições do negócio, os termos do contrato, a sua capacidade financeira para realizar os investimentos necessários, aí sim é que o futuro franqueado poderá celebrar um contrato de natureza empresarial, apresentando ou requerendo eventuais ajustes nos termos do contrato, sem que se fira o núcleo essencial da franquia, ou seja, cláusulas e condições padrão que devem funcionar da mesma maneira a todo e qualquer franqueado.
Com esses pontos em mente é que se pode concluir que o entendimento do acórdão do STJ, de que todo contrato de franquia é inegavelmente um contrato de adesão, é perigoso. A premissa não é absoluta e tampouco deve ser interpretada de forma generalizada.
A regra geral deve ser de que o contrato de franquia não é de adesão e sim um contrato de natureza empresarial, no qual não há a imposição das cláusulas padronizadas, mas sim a reprodução do desejo das partes de que a contratação da franquia seja feita sob as mesmas condições a todos os franqueados, como forma de paridade e igualdade entre os franqueados e também para garantir o sucesso e a saúde financeira do sistema de franquia.
A análise da questão é delicada e deve ser feita de forma individualizada e mediante o estudo das provas de cada caso, de modo a verificar o perfil da empresa franqueadora e do franqueado, os termos do contrato de franquia e os fatos ocorridos durante a fase pré-contratual para se afastar a premissa de que aquele contrato é oriundo de uma relação eminentemente empresarial.
Inverter o raciocínio, presumindo primeiramente a natureza de adesão, abre margem para que não apenas as cláusulas de arbitragem sejam consideradas de plano abusivas e ilegais, como também diversas outras cláusulas essenciais à operação da franquia o sejam, prejudicando e desestabilizando, dessa maneira, o mercado de franchising.
[1] Art. 3º da Lei de Franquia.
Por Danilo Orenga e Maria Fernanda Ferrero
Fonte: Conjur