Defensoria Pública do RJ garante no STJ prisão domiciliar à presa gestante prestes a dar a luz

goo.gl/zxMtWn | O Superior Tribunal de Justiça (STJ), na análise do Habes Corpus n.º 382.121 – RJ (2016/0325484-0), concedeu liminar e deferiu pedido de prisão domiciliar  a uma mulher presa por tráfico de drogas no oitavo mês de gravidez. De acordo com a Defensoria Pública, a grávida representada já é mãe de um menino de dois anos e foi presa em flagrante em 9 de novembro, sem que houvesse apreensão de drogas ou de material que comprovasse comércio de substâncias ilegais.

A Defensoria postulou em favor da paciente ao longo dos trinta dias seguintes e foram negadas duas liminares em seu favor, uma pelo Juízo Criminal da 1ª Vara de Volta Redonda e outra em pedido de habeas corpus junto ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Após o indeferimento da liminar do habeas corpus impetrado no TJRJ, a Defensoria impetrou novo writ no  STJ, onde obteve a decisão favorável à gestante prestes a dar à luz.

O ministro Rogério Schietti Cruz destacou  na decisão que “a doutrina da proteção integral e do princípio da prioridade absoluta” que deve nortear  o tratamento dado a gestantes e a mães de filhos pequenos.

Por tratar-se de “situação excepcional”, o ministro entendeu que a prisão domiciliar da mulher, moradora de Volta Redonda, no Sul Fluminense, irá “com igual idoneidade e eficácia, satisfazer as exigências cautelares do caso analisado, com carga coativa menor”, tornando-se “cabível e suficiente”.

Confira:

HABEAS CORPUS Nº 382.121 – RJ (2016/0325484-0)

RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ

IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PACIENTE : M.E. F. S( PRESO)

DECISÃO

M.E.F.S, paciente neste habeas corpus, estaria sofrendo constrangimento ilegal em decorrência de decisão proferida pela Desembargadora Relatora do HC n. 0061251-58.2016.8.19.0000, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que indeferiu o pedido de urgência postulado.

Extrai-se dos autos que a paciente foi presa em flagrante, juntamente com outra pessoa, em 9/11/2016, pela suposta prática dos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico.

Em 16/11/2016, o Juízo de primeiro grau converteu a prisão em flagrante em custódia preventiva.

Neste writ, a impetrante sustenta, em síntese, a ausência de motivação idônea para indeferir a substituição da custódia preventiva da paciente por prisão domiciliar.

Ressalta que a acusada, além de estar no oitavo mês de gestação, possui outro filho menor, com dois anos.

Afirma que não foi apreendida nenhuma quantidade de droga com o paciente, tampouco petrechos utilizados para o comércio ilícito de entorpecentes.

Requer, liminarmente e no mérito, seja substituída a prisão preventiva da paciente por recolhimento domiciliar.

Decido.

Inicialmente, destaco que as matérias aventadas nesta ordem de habeas corpus não foram objeto de análise pelo Tribunal de origem, ficando, assim, impedida sua admissão, sob pena de incidir-se na indevida supressão de instância.

Nesse sentido, regula o enunciado da Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal: “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar”.

O referido impeditivo é ultrapassado tão somente em casos excepcionais, nos quais a ilegalidade é tão flagrante de modo a não escapar à pronta percepção do julgador, o que ocorre na espécie.

Em 9/3/2016, entrou em vigor da Lei n. 13.257/2016 (Estatuto da Primeira Infância), a qual prevê a formulação e a implementação de políticas públicas para as crianças que estão na “primeira infância” – período que abrange os primeiros seis anos completos de vida da criança.

A referida lei estabelece um conjunto amplo de ações prioritárias que devem ser observadas na primeira infância (0 a 6 anos de idade), mediante “princípios e diretrizes para a formulação e implementação de políticas públicas para a primeira infância em atenção à especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil e no desenvolvimento do ser humano” (art. 1º), em consonância com o Estatuto da Criança e do Adolescente.

A novel legislação, que consolida, no âmbito dos direitos da criança, a intersetorialidade e a corresponsabilidade dos entes federados, acaba por resvalar em significativa modificação no Código de Processo Penal, imprimindo nova redação ao inciso IV do art. 318 Código de Processo Penal, além de acrescer-lhe os incisos V e VI, nestes termos:

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:

I – maior de 80 (oitenta) anos;

II – extremamente debilitado por motivo de doença grave;

III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;

IV – gestante;

V – mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;

VI – homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.

Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.

Veja-se que, nos termos dos incisos III e V do art. 318 do Código de Processo Penal, basta que a investigada ou a ré tenha filho de até 12 anos de idade incompletos ou que seja imprescindível para o cuidado de pessoa menor de 6 anos de idade, para ter, em tese, direito à prisão domiciliar.

É perceptível que a alteração e os acréscimos feitos ao art. 318 do Código de Processo Penal encontram suporte no próprio fundamento que subjaz à Lei n. 13.257/2016, notadamente a garantia do desenvolvimento infantil integral, com o “fortalecimento da família no exercício de sua função de cuidado e educação de seus filhos na primeira infância” (art. 14, § 1º).

A despeito da benéfica legislação, que se harmoniza com diversos tratados e convenções internacionais, vale o registro, com o mesmo raciocínio que imprimi ao relatar o HC n. 291.439/SP (DJe 11/6/2014), de que o uso do verbo “poderá”, no caput do art. 318 do Código de Processo Penal, não deve ser interpretado com a semântica que lhe dão certos setores da doutrina, para os quais seria “dever” do juiz determinar o cumprimento da prisão preventiva em prisão domiciliar ante a verificação das condições objetivas previstas em lei.

Reafirmo que semelhante interpretação acabaria por gerar uma vedação legal ao emprego da cautela máxima em casos nos quais se mostre ser ela a única hipótese a tutelar, com eficiência, situação de evidente e imperiosa necessidade da prisão. Outrossim, importaria em assegurar a praticamente toda pessoa com prole na idade indicada no texto legal o direito a permanecer sob a cautela alternativa, mesmo se identificada a incontornável urgência da medida extrema.

Nessa perspectiva, registro que a presença de um dos pressupostos do art. 318 do Código de Processo Penal constitui requisito mínimo, mas não suficiente para, de per si, autorizar a substituição da custódia preventiva por prisão domiciliar, devendo o magistrado avaliar se, no caso concreto, o recurso à cautela extrema seria a única hipótese a afastar o periculum liberatis.

Feitas essas observações iniciais, entendo que, no caso ora examinado, a colocação da paciente em prisão domiciliar da paciente se justifica, nos termos em que passo a expor a seguir.

O Juízo de primeiro grau, ao converter a prisão em flagrante da paciente em custódia preventiva, afirmou não ser o caso de “prisão domiciliar por conta da gravidez da mesma, uma vez que o Sistema Carcerário possui meios para atendê-la, caso necessário” (fl. 43)..

A Desembargadora Relatora, ao indeferir a liminar lá postulada, não analisou o caso que lhe foi apresentado, referindo apenas a necessidade de informações (fl. 77).

Assim, em face da ausência de motivação concreta, fundada em elementos do caso em exame, e com base no novel entendimento do Supremo Tribunal Federal, trata-se de situação excepcional em que a paciente comprovou possuir um filho menores de 12 anos de idade (P. L. F. da C., nascido em 10/6/2014, fl. 54), bem como sua gravidez atual (fls. 52-53).

Atento a essas peculiaridades, reputo cabível e suficiente a prisão domiciliar da paciente, seja pela nova redação imprimida ao art. 318 do Código de Processo Penal – que passou a prever a possibilidade de prisão domiciliar à mulher grávida (inciso IV) e com filho de até 12 anos de idade incompletos (inciso V) – seja porque, ao menos à primeira vista, considero que tal medida pode, com igual idoneidade e eficácia, satisfazer as exigências cautelares do caso analisado, com carga coativa menor.

Não se pode olvidar a posição central, em nosso ordenamento jurídico, da doutrina da proteção integral e do princípio da prioridade absoluta, previstos no art. 227 da Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e, ainda, na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, ratificada pelo Decreto Presidencial n. 99.710/1990.

À vista do exposto, defiro a liminar para assegurar à paciente que aguarde em prisão domiciliar o julgamento final deste habeas corpus. Alerte-se à acusada que, nos termos do art. 317 do Código de Processo Penal, deverá permanecer recolhida em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial, e que o descumprimento da prisão domiciliar importará o restabelecimento da custódia preventiva, como também poderá ser esta novamente decretada, se sobrevier situação que configure a exigência da cautelar mais gravosa.

Comunique-se, com urgência, o inteiro teor desta decisão às instâncias ordinárias, solicitando-se-lhes informações pormenorizadas acerca do alegado na impetração, preferencialmente via malote digital.

Em seguida, encaminhem-se os autos ao Ministério Público Federal para manifestação.

Publique-se e intimem-se.

Brasília (DF), 09 de dezembro de 2016.

Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ

Fonte: DPERJ
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