goo.gl/aq14uc | Como é sabido, magistrados (art. 33, inc. II, da LC 35/1979) e membros do Ministério Público (art. 40, inc. III, da Lei nº 8.625/1993) não poderão, como regra, ser presos em flagrante, salvo em caso de crime inafiançável. É a chamada incoercibilidade pessoal relativa ou freedom from arrest.
A inafiançabilidade que autoriza a prisão em flagrante de membros do Ministério Público e da magistratura é a absoluta, ou seja, as hipóteses de crimes que, por sua própria natureza, são considerados, pela CF e pelo CPP, como inafiançáveis, a saber: a) racismo; b) tortura; c) tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins; d) terrorismo; e) crimes hediondos; f) crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
Nesse mesmo sentido, é o entendimento de Carlos Maciel, para quem, interpretando o texto constitucional sobre o tema, “Dada a excepcionalidade da prerrogativa, a expressão ‘crime inafiançável’ deve aqui ser encarada em sua conotação técnica, correspondendo, atualmente, àquele escasso grupo de delitos catalogados pelo art. 323 do CPP, em consonância com o art. 5º, XLII, XLIII e XLIV, da CF”[1].
Desse modo, não se amoldam ao texto constitucional e, consequentemente, aos referidos atos normativos, as circunstancias de inafiançabilidade, ou seja, aquelas em que os crimes são, por natureza, afiançáveis, mas que, pelas razões previstas no CPP (art. 324, I e IV), tornam-se, circunstancialmente, no caso concreto, inafiançáveis, a saber: a) quebramento da fiança, no mesmo processo em que fora concedida; b) infração, sem motivo justo, de qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 do CPP; e c) quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).
Veja-se que, a partir da Lei 12.403/2011, todos os crimes são, em tese, afiançáveis, exceto as hipóteses constitucionais de inafiançabilidade, repetidas pelo CPP. Ou seja, houve um encolhimento das possibilidades fáticas de prisão em flagrante de membros do Ministério Público e do Poder Judiciário.
Estando um magistrado em situação flagrancial de crime inafiançável, deverá a autoridade comunicar e apresentar imediatamente ao Presidente do Tribunal a que o magistrado esteja vinculado (art. 33, inc. II, da LC nº 35/1979). Sendo membro do Ministério Público, a comunicação e apresentação deverão ser feitas pela autoridade no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, ao Procurador-Geral de Justiça (art. 40, inc. III, da Lei nº 8.625/1993).
Sendo afiançável o crime praticado, o fato deverá ser apenas comunicado ao Presidente do Tribunal ou ao Procurador Geral de Justiça, para que aí seja iniciada a respectiva investigação.
E sendo inafiançável, a quem competirá presidir o auto de prisão em flagrante do magistrado ou membro do Ministério Público? Ou, de forma mais incisiva: pode o Delegado de Polícia autuar em flagrante estes agentes? As perguntas, em síntese, giram em torno da interpretação das expressões autoridade e preso em flagrante, contidas nos dispositivos legais acima referidos.
Grande parte da doutrina entende que a autoridade a quem se referem os citados dispositivos legais só pode ser o Presidente do Tribunal a que o magistrado estiver vinculado e o Procurador Geral de Justiça, no caso de membro do Ministério Público. E o fundamento para tanto é a previsão, nas mesmas leis (art. 33, par. único da LC 35/1979 e art. 41, par. único, da Lei nº 8.625/1993) de que, quando, no curso da investigação, houver indícios da prática de crimes por magistrados ou membros do Ministério Público, a autoridade policial, civil ou militar, deverá remeter imediatamente os respectivos autos ao Presidente do Tribunal ou ao Procurador Geral de Justiça, sob pena de responsabilidade. Se assim o é, o Delegado de Polícia não poderá, sequer, proceder à lavratura do auto de prisão em flagrante de um magistrado ou de um membro do Ministério Público[2]. Desse modo, por preso em flagrante deve-se entender que houve a captura ou detenção, e não a formalização da prisão em flagrante, com a lavratura do respectivo auto. Nestes casos, portanto, o Delegado de Polícia se limitará a capturar o magistrado ou membro do Ministério Público e fazer a imediata comunicação e apresentação do mesmo ao Presidente do Tribunal ou ao Procurador Geral[3].
Sem embargo das opiniões contrárias, entendemos que o Delegado de Polícia pode, sim, lavrar o auto de prisão em flagrante de magistrado ou membro do Ministério Público, pela prática de crime inafiançável. E assim pensamos por várias razões.
A uma, porque as regras previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal sobre a formalização da prisão em flagrante são aplicáveis a todos, indistintamente. Desse modo, seguindo o entendimento antes exposto, como comunicar ao juiz competente a prisão de um magistrado ou membro do Ministério Público, e encaminhar-lhe o respectivo auto, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas após a captura/detenção do conduzido, num País tão grande como o Brasil, nos casos de magistrados federais ou membros do Ministério Público da União, onde a sede é em Brasília (Procuradoria Geral da República) ou em algumas capitais (Tribunais Regionais Federais)? Ou ainda, em Estados como o Amazonas, o Pará, Minas Gerais, Bahia ou Maranhão, onde alguns Municípios estão a mais de mil quilômetros da Capital, onde são sediados a Procuradoria Geral de Justiça e o Tribunal de Justiça? Nestes casos, concluir que o Delegado de Polícia deveria apenas apresentar o magistrado ou membro do Ministério Público à respectiva autoridade competente para prosseguir com a investigação tornaria inaplicável aquela regra procedimental.
A duas, porque seria incoerente com o sistema especial brasileiro de prisão em flagrante de algumas pessoas, como Parlamentares, os quais, mesmo possuindo imunidade em relação a qualquer prisão cautelar, o que não ocorre com magistrados e membros do Ministério Público, imunes relativamente apenas à prisão em flagrante, o Delegado de Polícia pode lavrar o respectivo auto de prisão em flagrante pela prática de crimes inafiançáveis. Depois de formalizada a prisão em flagrante de parlamentares, os autos serão encaminhados à casa legislativa respectiva.
A três, porque, se assim fosse, estar-se-ia criando uma imunidade muito maior do que a estabelecida legalmente, vez que nem sempre seria possível a formalização da prisão em flagrante no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, por impossibilidade de apresentação à autoridade competente.
A quatro, quando o art. 33, par. único, da LC 35/1979, e o art. 41, par. único, da Lei nº 8.625/1993 exigem que, na hipóteses de indícios da prática de crimes por magistrados ou membros do Ministério Público, no curso da investigação, a autoridade policial, civil ou militar, deverá remeter imediatamente os respectivos autos ao Presidente do Tribunal ou ao Procurador Geral de Justiça, sob pena de responsabilidade, o que o legislador está a fazer é distinguir duas situações, quais sejam: prisão em flagrante e investigação sem prisão. Nesta última hipótese, é razoável a previsão legal de remessa, pela autoridade policial, dos autos, para serem investigados pelo órgão competente, como, aliás, deve ocorrer em todos os casos em que hajam indícios de autoria ou participação de um agente que possua foro especial por prerrogativa de função. Mas daí estender o mesmo raciocínio, como faz aquela doutrina, acima citada, aos casos de prisão em flagrante, seria absolutamente incoerente e desarrazoado.
Por fim, a exigência de comunicação e apresentação imediata ou em 24 horas do magistrado ou do membro do Ministério Público possui o mesmo fundamento das demais prisões em flagrante, ou seja, possibilitar o controle da legalidade da prisão.
Por tudo o quanto foi dito, repita-se, entendemos que o Delegado de Polícia pode, sim, formalizar a prisão em flagrante de um magistrado ou membro do Ministério Público, lavrando o respectivo auto. Somente depois disso é que comunicará e apresentará o preso à autoridade competente, para que esta prossiga com as investigações.
Outra conclusão a que se pode chegar, a partir dessas considerações, é que a expressão os autos deverão ser remetidos, constante das leis orgânicas da magistratura e do Ministério Público, já tantas vezes citada, deve compreender também o auto de prisão em flagrante. Só assim estas regras poderiam ser conformadas com o texto constitucional, especialmente no que tange às imunidades prisionais parlamentares.
Nada obsta, porém, que, ocorrendo a prisão em flagrante na cidade sede da Procuradoria Geral ou do Tribunal competente, o Delegado a quem o magistrado ou membro do Ministério Público for apresentado o encaminhe ao Procurador Geral ou Presidente do Tribunal, para a lavratura do respectivo auto de prisão em flagrante.
Notas e Referências:
[1] ACIEL, Carlos Henrique. Curso objetivo de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2015, 295.
[2] Por todos, cf. LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de processo penal. Niterói: Impetus, 2011, p. 1212; e MENDONÇA, Andrey Borges de. Prisão e outras medidas cautelares pessoais. São Paulo: Método, 2011, p. 172.
[3] LIMA, Renato Brasileiro de. op. cit., p. 1212
Por Bruno Taufner Zanotti e Cleopas Isaías Santos
Fonte: emporiododireito
A inafiançabilidade que autoriza a prisão em flagrante de membros do Ministério Público e da magistratura é a absoluta, ou seja, as hipóteses de crimes que, por sua própria natureza, são considerados, pela CF e pelo CPP, como inafiançáveis, a saber: a) racismo; b) tortura; c) tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins; d) terrorismo; e) crimes hediondos; f) crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
Nesse mesmo sentido, é o entendimento de Carlos Maciel, para quem, interpretando o texto constitucional sobre o tema, “Dada a excepcionalidade da prerrogativa, a expressão ‘crime inafiançável’ deve aqui ser encarada em sua conotação técnica, correspondendo, atualmente, àquele escasso grupo de delitos catalogados pelo art. 323 do CPP, em consonância com o art. 5º, XLII, XLIII e XLIV, da CF”[1].
Desse modo, não se amoldam ao texto constitucional e, consequentemente, aos referidos atos normativos, as circunstancias de inafiançabilidade, ou seja, aquelas em que os crimes são, por natureza, afiançáveis, mas que, pelas razões previstas no CPP (art. 324, I e IV), tornam-se, circunstancialmente, no caso concreto, inafiançáveis, a saber: a) quebramento da fiança, no mesmo processo em que fora concedida; b) infração, sem motivo justo, de qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 do CPP; e c) quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).
Veja-se que, a partir da Lei 12.403/2011, todos os crimes são, em tese, afiançáveis, exceto as hipóteses constitucionais de inafiançabilidade, repetidas pelo CPP. Ou seja, houve um encolhimento das possibilidades fáticas de prisão em flagrante de membros do Ministério Público e do Poder Judiciário.
Estando um magistrado em situação flagrancial de crime inafiançável, deverá a autoridade comunicar e apresentar imediatamente ao Presidente do Tribunal a que o magistrado esteja vinculado (art. 33, inc. II, da LC nº 35/1979). Sendo membro do Ministério Público, a comunicação e apresentação deverão ser feitas pela autoridade no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, ao Procurador-Geral de Justiça (art. 40, inc. III, da Lei nº 8.625/1993).
Sendo afiançável o crime praticado, o fato deverá ser apenas comunicado ao Presidente do Tribunal ou ao Procurador Geral de Justiça, para que aí seja iniciada a respectiva investigação.
E sendo inafiançável, a quem competirá presidir o auto de prisão em flagrante do magistrado ou membro do Ministério Público? Ou, de forma mais incisiva: pode o Delegado de Polícia autuar em flagrante estes agentes? As perguntas, em síntese, giram em torno da interpretação das expressões autoridade e preso em flagrante, contidas nos dispositivos legais acima referidos.
Grande parte da doutrina entende que a autoridade a quem se referem os citados dispositivos legais só pode ser o Presidente do Tribunal a que o magistrado estiver vinculado e o Procurador Geral de Justiça, no caso de membro do Ministério Público. E o fundamento para tanto é a previsão, nas mesmas leis (art. 33, par. único da LC 35/1979 e art. 41, par. único, da Lei nº 8.625/1993) de que, quando, no curso da investigação, houver indícios da prática de crimes por magistrados ou membros do Ministério Público, a autoridade policial, civil ou militar, deverá remeter imediatamente os respectivos autos ao Presidente do Tribunal ou ao Procurador Geral de Justiça, sob pena de responsabilidade. Se assim o é, o Delegado de Polícia não poderá, sequer, proceder à lavratura do auto de prisão em flagrante de um magistrado ou de um membro do Ministério Público[2]. Desse modo, por preso em flagrante deve-se entender que houve a captura ou detenção, e não a formalização da prisão em flagrante, com a lavratura do respectivo auto. Nestes casos, portanto, o Delegado de Polícia se limitará a capturar o magistrado ou membro do Ministério Público e fazer a imediata comunicação e apresentação do mesmo ao Presidente do Tribunal ou ao Procurador Geral[3].
Sem embargo das opiniões contrárias, entendemos que o Delegado de Polícia pode, sim, lavrar o auto de prisão em flagrante de magistrado ou membro do Ministério Público, pela prática de crime inafiançável. E assim pensamos por várias razões.
A uma, porque as regras previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal sobre a formalização da prisão em flagrante são aplicáveis a todos, indistintamente. Desse modo, seguindo o entendimento antes exposto, como comunicar ao juiz competente a prisão de um magistrado ou membro do Ministério Público, e encaminhar-lhe o respectivo auto, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas após a captura/detenção do conduzido, num País tão grande como o Brasil, nos casos de magistrados federais ou membros do Ministério Público da União, onde a sede é em Brasília (Procuradoria Geral da República) ou em algumas capitais (Tribunais Regionais Federais)? Ou ainda, em Estados como o Amazonas, o Pará, Minas Gerais, Bahia ou Maranhão, onde alguns Municípios estão a mais de mil quilômetros da Capital, onde são sediados a Procuradoria Geral de Justiça e o Tribunal de Justiça? Nestes casos, concluir que o Delegado de Polícia deveria apenas apresentar o magistrado ou membro do Ministério Público à respectiva autoridade competente para prosseguir com a investigação tornaria inaplicável aquela regra procedimental.
A duas, porque seria incoerente com o sistema especial brasileiro de prisão em flagrante de algumas pessoas, como Parlamentares, os quais, mesmo possuindo imunidade em relação a qualquer prisão cautelar, o que não ocorre com magistrados e membros do Ministério Público, imunes relativamente apenas à prisão em flagrante, o Delegado de Polícia pode lavrar o respectivo auto de prisão em flagrante pela prática de crimes inafiançáveis. Depois de formalizada a prisão em flagrante de parlamentares, os autos serão encaminhados à casa legislativa respectiva.
A três, porque, se assim fosse, estar-se-ia criando uma imunidade muito maior do que a estabelecida legalmente, vez que nem sempre seria possível a formalização da prisão em flagrante no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, por impossibilidade de apresentação à autoridade competente.
A quatro, quando o art. 33, par. único, da LC 35/1979, e o art. 41, par. único, da Lei nº 8.625/1993 exigem que, na hipóteses de indícios da prática de crimes por magistrados ou membros do Ministério Público, no curso da investigação, a autoridade policial, civil ou militar, deverá remeter imediatamente os respectivos autos ao Presidente do Tribunal ou ao Procurador Geral de Justiça, sob pena de responsabilidade, o que o legislador está a fazer é distinguir duas situações, quais sejam: prisão em flagrante e investigação sem prisão. Nesta última hipótese, é razoável a previsão legal de remessa, pela autoridade policial, dos autos, para serem investigados pelo órgão competente, como, aliás, deve ocorrer em todos os casos em que hajam indícios de autoria ou participação de um agente que possua foro especial por prerrogativa de função. Mas daí estender o mesmo raciocínio, como faz aquela doutrina, acima citada, aos casos de prisão em flagrante, seria absolutamente incoerente e desarrazoado.
Por fim, a exigência de comunicação e apresentação imediata ou em 24 horas do magistrado ou do membro do Ministério Público possui o mesmo fundamento das demais prisões em flagrante, ou seja, possibilitar o controle da legalidade da prisão.
Por tudo o quanto foi dito, repita-se, entendemos que o Delegado de Polícia pode, sim, formalizar a prisão em flagrante de um magistrado ou membro do Ministério Público, lavrando o respectivo auto. Somente depois disso é que comunicará e apresentará o preso à autoridade competente, para que esta prossiga com as investigações.
Outra conclusão a que se pode chegar, a partir dessas considerações, é que a expressão os autos deverão ser remetidos, constante das leis orgânicas da magistratura e do Ministério Público, já tantas vezes citada, deve compreender também o auto de prisão em flagrante. Só assim estas regras poderiam ser conformadas com o texto constitucional, especialmente no que tange às imunidades prisionais parlamentares.
Nada obsta, porém, que, ocorrendo a prisão em flagrante na cidade sede da Procuradoria Geral ou do Tribunal competente, o Delegado a quem o magistrado ou membro do Ministério Público for apresentado o encaminhe ao Procurador Geral ou Presidente do Tribunal, para a lavratura do respectivo auto de prisão em flagrante.
Notas e Referências:
[1] ACIEL, Carlos Henrique. Curso objetivo de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2015, 295.
[2] Por todos, cf. LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de processo penal. Niterói: Impetus, 2011, p. 1212; e MENDONÇA, Andrey Borges de. Prisão e outras medidas cautelares pessoais. São Paulo: Método, 2011, p. 172.
[3] LIMA, Renato Brasileiro de. op. cit., p. 1212
Por Bruno Taufner Zanotti e Cleopas Isaías Santos
Fonte: emporiododireito