goo.gl/VBgGkB | Art. 2º, caput, da Lei 12.830/13: As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.
Cabe às polícias uma função extremamente relevante no controle social e no respeito às leis, o que, invariavelmente, repercute no direito fundamental à segurança pública.
Há, de modo geral, uma visão equivocada acerca do sentido e da dimensão do conceito de segurança. Ao pensar em um direito à segurança, a primeira coisa que nos vem à cabeça é a existência de um “braço armado do Estado”, cuja função é unicamente a de servir ao governo e suas políticas, o que implicaria, não raro, na restrição de liberdades e garantias fundamentais aos indivíduos e à sociedade.
É claro que, se dentro de um Estado Democrático de Direito todos devem respeito à lei, torna-se necessária a criação de uma ou várias instituições cujo papel principal seja assegurar a sua observância. Tendo em vista que a lei representa a manifestação da vontade geral, o Estado deve se organizar para impedir a sua violação, valendo-se, entre outras coisas, da previsão de sanções das mais diversas naturezas.
O direito à segurança, nesse contexto, se destaca como uma garantia ou até mesmo uma forma de coação contra atos ilegais, assegurando, outrossim, o convívio em sociedade e a concretização dos demais direitos fundamentais. Percebe-se, pois, que se trata de um dever do Estado para com a população integrante de seu território.
No mesmo sentido, pode-se afirmar que o sistema legal é criado de modo a proteger os direitos individuais e coletivos, sendo essa proteção proporcional à importância de cada bem jurídico. Não por acaso, os direitos fundamentais são tutelados pelo Direito Penal por meio de normas penais incriminadoras. Tudo isso, vale dizer, com o objetivo de dar segurança à sociedade.
É preciso ter em mente que a segurança pública é um bem jurídico basicamente instrumental. O que se quer dizer com isso? Que ela não constitui um fim em si mesma, mas um meio através do qual muitos outros bens jurídicos são assegurados (por exemplo, vida, honra, liberdade, integridade física, patrimônio etc.). Toda vez que a segurança pública ou outras expressões similares (segurança nacional, ordem pública etc.) são colocadas em primeiro plano ou como fins e não instrumentos para assegurar outros bens jurídicos, descamba-se facilmente para o autoritarismo e a violação dos direitos fundamentais na conformação de um chamado “Estado policial”.
Como bem apreendido pelo teórico lusitano Guedes Valente:
Isso significa que a segurança — cujo consectário lógico é segurar, resguardar, proteger, afastar de perigo — não pode ser vista apenas como uma forma de coação, especialmente quando falamos da atividade policial. Aliás, nessa perspectiva, o direito à segurança representa a garantia do exercício livre e seguro dos demais direitos, impedindo, justamente, qualquer conduta abusiva do Estado e seus agentes. Por outro lado, impõe um dever de proteção aos poderes públicos contra agressões e ameaças a direitos praticadas por terceiros.
Conclui-se, assim, que a polícia exerce uma função essencial para a manutenção do Estado Democrático de Direito, não somente na proteção de bens jurídicos constitucionais, mas também na concretização do respeito às normas legais, as quais ela deve submeter-se integralmente e jamais se apartar, afinal, estão umbilicalmente ligadas.
Nesse ponto, são valiosas as lições de Guedes Valente:
Entre todas as instituições elencadas no artigo 144, da Constituição da República, deve-se consignar que as polícias judiciárias (Civil e Federal) exercem funções que, primariamente, afetam a Justiça e apenas secundariamente repercutem na segurança pública. Explicamos.
Nos termos no artigo 144, parágrafo 4º, da CR: “Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares” (grifamos). Note-se que o artigo 2º, caput, da Lei 12.830/13, adota redação semelhante ao texto constitucional, deixando clara a existência de duas funções: 1) a de polícia judiciária; 2) e a apuração de infrações penais (investigação criminal).
Nesse ponto, é importante que façamos uma distinção entre as atividades de polícia investigativa e judiciária. Por polícia investigativa devemos compreender aquelas ações diretamente ligadas à colheita de provas e elementos de informação quanto à autoria e materialidade criminosa. A expressão polícia judiciária, por seu turno, se relaciona com as atividades de auxílio ao Poder Judiciário (daí a razão do nome), que se materializa no cumprimento de suas ordens relativas à execução de mandados de busca e apreensão, mandados de prisão, condução de testemunhas etc.
Advirta-se, todavia, que ambas as funções exercidas pelas polícias Civil e Federal acabam se entrelaçando, ou melhor, se complementando. Com efeito, as funções de polícia judiciária são apenas aquelas diretamente ligadas à atividade-fim da persecução penal, ou seja, a consecução da Justiça. Ora, é obvio que o cumprimento de um mandado de busca e apreensão, de um mandado de prisão ou o desenvolvimento de uma interceptação telefônica (ainda que na fase processual) repercutem no correto exercício do direito de punir pertencente ao Estado, viabilizando, na maioria das vezes, a perfeita apuração de fatos criminosos (polícia investigativa).
É exatamente nesse ponto que as duas funções se entrelaçam e se confundem, pois uma complementa a outra, constituindo as duas faces de uma mesma moeda. Em outras palavras, a função de polícia investigativa vincula e limita a função de polícia judiciária. Desse modo, só pode ser considerada função de polícia judiciária aquela que tenha relação com a atividade de investigação criminal. O cumprimento de um mandado de prisão temporária, por exemplo, está diretamente ligado à apuração de infração penal, assim como o cumprimento de um mandado de busca e apreensão, que se caracteriza como um meio de obtenção de prova.
A escolta de presos durante audiências, por outro lado, não guarda qualquer pertinência com a apuração da infração penal. Trata-se, na verdade, de uma típica situação ligada à segurança da sociedade e dos servidores do Poder Judiciário, razão pela qual essa função não é de polícia judiciária, mas de polícia preventiva, cuja finalidade é evitar a fuga dos presos e a prática de outros crimes. Cabe, portanto, à Polícia Militar a função de escolta de presos durante as audiências.
Sem embargo da diferenciação acima exposta entre as funções de polícia investigativa e polícia judiciária, a maioria da doutrina e jurisprudência costumam utilizar a expressão polícia judiciária como sinônimo para a atividade focada na apuração de infrações penais. A título de exemplo, vejamos o teor da Súmula vinculante 14, do Supremo Tribunal Federal: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa” (grifamos).
Por mais que a súmula não se destaque pelo uso de termos técnicos em sua redação, como deixa transparecer ao falar de “competência”, quando, na verdade, deveria falar em “atribuição”, fica claro que, de fato, é comum o termo “polícia judiciária” para se referir às atividades ligadas à investigação criminal, razão pela qual também adotamos esse sentido.
Frente ao exposto, reiteramos que a atividade de polícia judiciária em sentido amplo está diretamente ligada à consecução da Justiça, promovendo a segurança pública apenas secundariamente, como uma consequência lógica e necessária do esclarecimento de infrações penais e do apoio prestado ao Poder Judiciário.
[1] VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Teoria Geral do Direito Policial. 2ª. ed. Coimbra: Almedina, 2009. p.94-95.
[2] VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. op. cit., p.99.
Por Francisco Sannini Neto
Fonte: Conjur
Cabe às polícias uma função extremamente relevante no controle social e no respeito às leis, o que, invariavelmente, repercute no direito fundamental à segurança pública.
Há, de modo geral, uma visão equivocada acerca do sentido e da dimensão do conceito de segurança. Ao pensar em um direito à segurança, a primeira coisa que nos vem à cabeça é a existência de um “braço armado do Estado”, cuja função é unicamente a de servir ao governo e suas políticas, o que implicaria, não raro, na restrição de liberdades e garantias fundamentais aos indivíduos e à sociedade.
É claro que, se dentro de um Estado Democrático de Direito todos devem respeito à lei, torna-se necessária a criação de uma ou várias instituições cujo papel principal seja assegurar a sua observância. Tendo em vista que a lei representa a manifestação da vontade geral, o Estado deve se organizar para impedir a sua violação, valendo-se, entre outras coisas, da previsão de sanções das mais diversas naturezas.
O direito à segurança, nesse contexto, se destaca como uma garantia ou até mesmo uma forma de coação contra atos ilegais, assegurando, outrossim, o convívio em sociedade e a concretização dos demais direitos fundamentais. Percebe-se, pois, que se trata de um dever do Estado para com a população integrante de seu território.
No mesmo sentido, pode-se afirmar que o sistema legal é criado de modo a proteger os direitos individuais e coletivos, sendo essa proteção proporcional à importância de cada bem jurídico. Não por acaso, os direitos fundamentais são tutelados pelo Direito Penal por meio de normas penais incriminadoras. Tudo isso, vale dizer, com o objetivo de dar segurança à sociedade.
É preciso ter em mente que a segurança pública é um bem jurídico basicamente instrumental. O que se quer dizer com isso? Que ela não constitui um fim em si mesma, mas um meio através do qual muitos outros bens jurídicos são assegurados (por exemplo, vida, honra, liberdade, integridade física, patrimônio etc.). Toda vez que a segurança pública ou outras expressões similares (segurança nacional, ordem pública etc.) são colocadas em primeiro plano ou como fins e não instrumentos para assegurar outros bens jurídicos, descamba-se facilmente para o autoritarismo e a violação dos direitos fundamentais na conformação de um chamado “Estado policial”.
Como bem apreendido pelo teórico lusitano Guedes Valente:
Quando lemos ou ouvimos falar de segurança, pensamos imediata e erroneamente, em coação, em restrição de direitos, de liberdades e garantias. São poucos os que pensam na segurança como um direito garantístico do exercício dos demais direitos, liberdades e garantias, i. e., como direito garantia. (...). A segurança como bem jurídico coletivo ou supra — individual não pode ser vista em uma perspectiva limitativa dos demais direitos fundamentais, mas, tão só e em uma visão humanista e humanizante, como garantia da liberdade física e psicológica para usufruto pleno dos demais direitos fundamentais. Face a esta realidade, impõe-se a criação de uma força colectiva — Polícia — capaz de promover e garantir, em níveis aceitáveis, a segurança dos cidadãos e dos seus bens, o que onera o Estado de direito democrático a consagrar aquela como sua tarefa fundamental[1].Cabe ao Estado, portanto, através da polícia, assegurar o respeito ao ordenamento jurídico, viabilizando o direito à segurança pública, que, por sua vez, garante o exercício dos demais direitos fundamentais. Contudo, o exercício da atividade policial de qualquer natureza deve se desenvolver sob as premissas da Constituição e nos limites legais, protegendo as pessoas e os valores que constituem a sociedade política organizada.
Isso significa que a segurança — cujo consectário lógico é segurar, resguardar, proteger, afastar de perigo — não pode ser vista apenas como uma forma de coação, especialmente quando falamos da atividade policial. Aliás, nessa perspectiva, o direito à segurança representa a garantia do exercício livre e seguro dos demais direitos, impedindo, justamente, qualquer conduta abusiva do Estado e seus agentes. Por outro lado, impõe um dever de proteção aos poderes públicos contra agressões e ameaças a direitos praticadas por terceiros.
Conclui-se, assim, que a polícia exerce uma função essencial para a manutenção do Estado Democrático de Direito, não somente na proteção de bens jurídicos constitucionais, mas também na concretização do respeito às normas legais, as quais ela deve submeter-se integralmente e jamais se apartar, afinal, estão umbilicalmente ligadas.
Nesse ponto, são valiosas as lições de Guedes Valente:
A segurança interna deve primeiramente ter como fim a realização não ficta, mas real do princípio estruturante de qualquer Estado moderno que é o respeito da dignidade da pessoa humana através da promoção de uma ordem, de uma segurança e de uma tranquilidade públicas, que seja capaz e eficiente na protecção das pessoas contra quaisquer ameaças ou agressões de outrem ou dos próprios poderes públicos que ponham em causa a sua vida, a sua integridade física ou moral, que seja eficaz não só na protecção, como também na promoção do bem-estar material das pessoas, que passa pela protecção dos seus bens, de forma a evitar que sejam danificados ou subtraídos ao seu domínio directo e imediato[2].Desse modo, visando promover o direito fundamental à segurança, a Constituição da República prevê, no seu artigo 144, que se trata de um dever do Estado, mas direito e responsabilidade de todos, sendo exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, polícias civis, polícias militares e corpos de Bombeiros Militares.
Entre todas as instituições elencadas no artigo 144, da Constituição da República, deve-se consignar que as polícias judiciárias (Civil e Federal) exercem funções que, primariamente, afetam a Justiça e apenas secundariamente repercutem na segurança pública. Explicamos.
Nos termos no artigo 144, parágrafo 4º, da CR: “Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares” (grifamos). Note-se que o artigo 2º, caput, da Lei 12.830/13, adota redação semelhante ao texto constitucional, deixando clara a existência de duas funções: 1) a de polícia judiciária; 2) e a apuração de infrações penais (investigação criminal).
Nesse ponto, é importante que façamos uma distinção entre as atividades de polícia investigativa e judiciária. Por polícia investigativa devemos compreender aquelas ações diretamente ligadas à colheita de provas e elementos de informação quanto à autoria e materialidade criminosa. A expressão polícia judiciária, por seu turno, se relaciona com as atividades de auxílio ao Poder Judiciário (daí a razão do nome), que se materializa no cumprimento de suas ordens relativas à execução de mandados de busca e apreensão, mandados de prisão, condução de testemunhas etc.
Advirta-se, todavia, que ambas as funções exercidas pelas polícias Civil e Federal acabam se entrelaçando, ou melhor, se complementando. Com efeito, as funções de polícia judiciária são apenas aquelas diretamente ligadas à atividade-fim da persecução penal, ou seja, a consecução da Justiça. Ora, é obvio que o cumprimento de um mandado de busca e apreensão, de um mandado de prisão ou o desenvolvimento de uma interceptação telefônica (ainda que na fase processual) repercutem no correto exercício do direito de punir pertencente ao Estado, viabilizando, na maioria das vezes, a perfeita apuração de fatos criminosos (polícia investigativa).
É exatamente nesse ponto que as duas funções se entrelaçam e se confundem, pois uma complementa a outra, constituindo as duas faces de uma mesma moeda. Em outras palavras, a função de polícia investigativa vincula e limita a função de polícia judiciária. Desse modo, só pode ser considerada função de polícia judiciária aquela que tenha relação com a atividade de investigação criminal. O cumprimento de um mandado de prisão temporária, por exemplo, está diretamente ligado à apuração de infração penal, assim como o cumprimento de um mandado de busca e apreensão, que se caracteriza como um meio de obtenção de prova.
A escolta de presos durante audiências, por outro lado, não guarda qualquer pertinência com a apuração da infração penal. Trata-se, na verdade, de uma típica situação ligada à segurança da sociedade e dos servidores do Poder Judiciário, razão pela qual essa função não é de polícia judiciária, mas de polícia preventiva, cuja finalidade é evitar a fuga dos presos e a prática de outros crimes. Cabe, portanto, à Polícia Militar a função de escolta de presos durante as audiências.
Sem embargo da diferenciação acima exposta entre as funções de polícia investigativa e polícia judiciária, a maioria da doutrina e jurisprudência costumam utilizar a expressão polícia judiciária como sinônimo para a atividade focada na apuração de infrações penais. A título de exemplo, vejamos o teor da Súmula vinculante 14, do Supremo Tribunal Federal: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa” (grifamos).
Por mais que a súmula não se destaque pelo uso de termos técnicos em sua redação, como deixa transparecer ao falar de “competência”, quando, na verdade, deveria falar em “atribuição”, fica claro que, de fato, é comum o termo “polícia judiciária” para se referir às atividades ligadas à investigação criminal, razão pela qual também adotamos esse sentido.
Frente ao exposto, reiteramos que a atividade de polícia judiciária em sentido amplo está diretamente ligada à consecução da Justiça, promovendo a segurança pública apenas secundariamente, como uma consequência lógica e necessária do esclarecimento de infrações penais e do apoio prestado ao Poder Judiciário.
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[1] VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Teoria Geral do Direito Policial. 2ª. ed. Coimbra: Almedina, 2009. p.94-95.
[2] VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. op. cit., p.99.
Por Francisco Sannini Neto
Fonte: Conjur