Ação por tráfico é extinta no STF porque policiais invadiram casa sem mandado

goo.gl/BK4dCm | Policial só pode entrar na casa de alguém se tiver mandado judicial de busca e apreensão ou se houver fundadas razões de que ocorre flagrante delito no local. Por não enxergar esses requisitos, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu Habeas Corpus para trancar ação penal contra um homem que teve sua residência em Americana (SP) vasculhada por policiais civis sem ordem da Justiça. A polícia relatou ter encontrado 8 gramas de crack e 0,3 gramas de cocaína, e determinou a prisão em flagrante do sujeito pela acusação de tráfico de drogas.

Em julho de 2016, policiais civis que executavam operação contra o tráfico em Americana (SP) suspeitaram que o réu estaria filmando a ação policial. Com esse argumento, abordaram o homem e, na sequência, sem a existência de mandado judicial, fizeram busca na sua residência, ocasião em que encontraram a droga.

Preso em flagrante, o homem foi acusado da prática de tráfico de drogas e permaneceu detido até novembro de 2016, quando obteve liminar do relator do caso no STF, ministro Ricardo Lewandowski, que determinou a sua soltura, se não estivesse preso em decorrência de outros motivos.

A defesa questionou, no Supremo, decisão individual de ministro do Superior Tribunal Justiça que manteve decisão de desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Nos dois casos, foi afastada a alegação de que a prova colhida seria ilícita, uma vez que a entrada na residência do investigado se deu sem mandado judicial de busca e apreensão.

A Procuradoria-Geral da República destacou que o HC foi impetrado contra decisões individuais tanto no TJ-SP quanto no STJ, situação que atrairia a aplicação, ao caso, da Súmula 691 do STF, segundo a qual “não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de Habeas Corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar”.

Invasão domiciliar

Em seu voto, o relator decidiu afastar a aplicação da Súmula 691 por entender que o caso apresenta excepcionalidade que permite ultrapassar o óbice previsto no verbete. O ministro Ricardo Lewandowski lembrou que um dos princípios mais sagrados da Constituição Federal (artigo 5º, inciso XI) estabelece a casa como asilo inviolável do cidadão. Em casos como esse, salientou, os policiais costumam dizer que foram “convidados” a entrar na casa. “Evidentemente que ninguém vai convidar a polícia a penetrar numa casa para que ela seja vasculhada”, afirmou.

Quanto ao mérito, o relator afirmou que a prisão em flagrante e a denúncia apresentada contra o réu enquadraram-no erroneamente no artigo 33 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) — tráfico —, mesmo que tenham sido encontrados apenas 8 gramas de crack e 0,3 gramas de cocaína. Além disso, não foi encontrado, na residência, qualquer instrumento que indique a prática de tráfico, como balanças, dinheiro ou anotações.

Para Lewandowski, mesmo que a droga fosse de propriedade do acusado, a quantidade ínfima descaracteriza completamente a prática de tráfico. Seria o caso, a seu ver, de aplicar o artigo 28 da Lei de Drogas, que trata da posse de drogas para consumo pessoal.

Mesmo sem qualquer indício de que se trate de um traficante, o sujeito segue respondendo a processo sob acusação deste crime, concluiu o relator ao votar pela concessão do HC para trancar a ação penal. Para o ministro, carece de justa causa a denúncia que aponta o réu como traficante.

Flagrante ilicitude
Acompanharam o relator os ministros Edson Fachin e Celso de Mello. De acordo com o decano do STF, os policiais agiram irritados pelo fato de estarem sendo filmados durante o desenvolvimento da operação. “Não vivemos em um regime ditatorial onde esse tipo de comportamento do cidadão é proibido”, afirmou.

Ainda segundo o ministro Celso de Mello, a busca sem mandado judicial só seria justificada por uma fundada suspeita da prática de crime, o que não se verificou no caso, revelando assim a ocorrência de flagrante ilicitude que resultou na instauração de persecução criminal. “Ninguém pode ser investigado ou denunciado, processado, e muito menos condenado, com base em provas ilícitas”, concluiu.

Tese do Supremo

O STF, no fim de 2015, aprovou tese, com repercussão geral, estabelecendo que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões devidamente justificadas posteriormente que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados.

O então secretário de Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes, que agora integra o Supremo, comemorou a decisão na época. Para o ex-membro do governo Geraldo Alckmin (PSDB), o posicionamento da corte aumentaria a segurança das ações das polícias e acaba com as divergências que existiam sobre o assunto no Judiciário.

Ele explicou que os tribunais há tempos discutiam em que situações agentes de segurança deveriam ser punidos ou absolvidos por invadir uma casa sem autorização. Com a decisão do STF, Alexandre de Moraes disse que essa discussão acabou, pois ficou estabelecido que se houver fortes indícios, mas nenhum crime for constatado, os policiais não podem ser punidos, pois agiram de boa-fé. Contudo, o agora ministro afirmou que aqueles que cometerem abusos deverão responder por eles.

Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

HC 138.565

Fonte: Conjur
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