goo.gl/rh3Mkz | Por que devemos evitar as conversas de bar sobre Direito Penal? Afinal, quais os limites do Direito Penal como assunto preponderantemente de bar?
Quando comecei na docência, era professor de Direito Administrativo. Falava sobre poderes da Administração Pública, atos administrativos e outras questões semelhantes.
No semestre seguinte, comecei a dar aula de Direito Penal, disciplina da qual nunca mais me afastei. Abordava dolo, culpa, princípios, teoria da pena e vários assuntos relacionados.
A principal diferença que percebi entre um semestre e o outro foi na postura dos alunos. Enquanto permaneciam apenas ouvindo nas aulas de Administrativo, buscavam interagir e utilizar casos concretos como exemplos de determinados temas nas aulas de Penal.
Um exemplo quanto aos conceitos de Direito Administrativo parecia muito distante da realidade deles, mas os exemplos de Penal eram facilmente associados a algum acontecimento, notícia ou filme.
Naquele momento, eu percebi como o Direito Penal é o ramo que todos – leigos, iniciantes ou juristas – mais observamos na sociedade. Não é o melhor, tampouco o pior, mas sim o mais percebido.
Nos filmes e nas novelas, dificilmente há uma trama que não tenha crimes. Quase sempre há homicídios, ameaças e outras infrações penais. Todos já presenciamos ou sofremos, em algum momento da vida, a prática de um crime. Não há quem não tenha sofrido ameaças, vias de fato, lesões, injúrias, difamações etc.
A similaridade do Direito Penal com a vida cotidiana – real ou artificial – faz com que todos sejam opinadores sobre a questão criminal. Conforme Zaffaroni (2013, p. 05), “em qualquer lugar da superfície deste planeta fala-se da questão criminal. É quase a única coisa de que se fala – em concorrência com o futebol, que é arte complexa”.
O problema desse interesse coletivo em relação ao Direito Penal é a “cultura do pitaco”, isto é, uma legião de leigos que, conquanto desconheçam as leis penais e tudo o que foi escrito sobre o assunto até o momento, acreditam que possuem a solução mágica para diminuir a violência no país e solucionar a crise do sistema prisional brasileiro.
Enquanto os estudiosos do Direito Penal reconhecem a dificuldade da questão criminal, apesar das milhares de páginas lidas ou escritas sobre o assunto, o leigo tem uma resposta pronta para temas que são objetos de ardentes debates acadêmicos. É como se o (des)conhecimento inibisse ou aumentasse a vontade de opinar.
Quanto menos sabemos, mais ignoramos o nosso desconhecimento.
Não podemos tratar a questão criminal, um dos assuntos mais relevantes para o Estado Democrático de Direito, como um assunto de bar, em que qualquer um, depois de alguns goles, torna-se um especialista instantaneamente. Nos bares, a bebida alcoólica incentiva a abordagem de inúmeros temas.
No âmbito penal, a mera visualização do noticiário policial parece gerar uma autoridade imediata sobre criminologia, execução penal, políticas criminais etc.
Como lembra ZAFFARONI (2013, p. 08), “o cidadão comum deve saber que há um mundo acadêmico que fala disso, da questão criminal, que, embora não tenha nenhum monopólio da verdade, pensou e discutiu umas tantas coisas, que se equivocou muitíssimas vezes e muito feio, mas também aprendeu com esses erros.”
É dever dos Criminalistas demonstrar à sociedade que há estudos complexos e pesquisas seculares sobre os assuntos tradicionalmente tratados em conversas informais.
Como exemplo, deve-se reforçar que, se a execução penal está em fragalhos atualmente, em que pese o esforço dos estudiosos, a situação poderia ser pior se a questão criminal fosse assumida por quem desconhece o tema e deseja apenas uma solução rápida que seja um misto de vingança e extermínio.
Assim como não se cura uma doença com conhecimentos de engenharia e não se constrói um prédio com conhecimentos de medicina, também não se pune racionalmente com conhecimentos alheios ao Direito Penal.
O debate coletivo sobre o Direito Penal deve iniciar pelos estudiosos. Cabe àqueles que se dedicam ao Direito Penal a definição dos problemas e a catalogação de possíveis soluções, participando ativamente de encontros com o povo e, principalmente, seus representantes.
Em outras palavras, compete aos estudiosos do Direito Penal uma prestação de contas coletiva, evitando que a questão criminal permaneça como mero assunto de bar entre os não iniciados nas Ciências Criminais.
Aqui pode ser apontado um outro problema: não precisamos de Direito Penal facilitado, mastigado, resumidinho etc. Entre os Criminalistas, o debate não precisa e nem deve ser facilitado.
Não se facilita o que exige um mínimo intelectual para ser debatido, sob pena de cairmos no essencialismo de quem deseja apenas decorar conceitos e reproduzi-los sem qualquer interesse na evolução da ciência.
Por outro lado, àqueles que não se dedicam ao Direito Penal os Criminalistas devem explicar a sua necessidade, apontar os problemas, catalogar soluções e relacionar consequências possíveis. Para tanto, os manuais de “Direito Penal bonitinho para quem quer aprender em 24 horas” são inúteis.
Aqueles que não se dedicam ao estudo do Direito Penal não devem permanecer totalmente separados dos debates. São leigos quanto ao Direito Penal, mas especialistas quanto a inúmeros outros assuntos.
Nesse prisma, é de suma importância que alguns conceitos sejam discutidos no âmbito da sociedade, principalmente o significado de alguns termos legais, como “decoro”, “dignidade” e “honra”. São conceitos que se desenvolvem pela tradição linguística de cada comunidade e que não devem ser monopólio dos Criminalistas.
Assim, acredito que os leigos não devem abster-se de discutir a questão criminal, mas é dever dos estudiosos do Direito Penal demonstrar que o debate não é tão simples quanto apresentadores de noticiários sedentos por audiência dizem ser.
Um bar tem diversas finalidades, mas é melhor que discutir Direito Penal não seja uma delas. Pelo bem daqueles que querem relaxar e, principalmente, do próprio Direito Penal.
Por Evinis Talon
Fonte: Canal Ciências Criminais
Quando comecei na docência, era professor de Direito Administrativo. Falava sobre poderes da Administração Pública, atos administrativos e outras questões semelhantes.
No semestre seguinte, comecei a dar aula de Direito Penal, disciplina da qual nunca mais me afastei. Abordava dolo, culpa, princípios, teoria da pena e vários assuntos relacionados.
A principal diferença que percebi entre um semestre e o outro foi na postura dos alunos. Enquanto permaneciam apenas ouvindo nas aulas de Administrativo, buscavam interagir e utilizar casos concretos como exemplos de determinados temas nas aulas de Penal.
Um exemplo quanto aos conceitos de Direito Administrativo parecia muito distante da realidade deles, mas os exemplos de Penal eram facilmente associados a algum acontecimento, notícia ou filme.
Naquele momento, eu percebi como o Direito Penal é o ramo que todos – leigos, iniciantes ou juristas – mais observamos na sociedade. Não é o melhor, tampouco o pior, mas sim o mais percebido.
Nos filmes e nas novelas, dificilmente há uma trama que não tenha crimes. Quase sempre há homicídios, ameaças e outras infrações penais. Todos já presenciamos ou sofremos, em algum momento da vida, a prática de um crime. Não há quem não tenha sofrido ameaças, vias de fato, lesões, injúrias, difamações etc.
A similaridade do Direito Penal com a vida cotidiana – real ou artificial – faz com que todos sejam opinadores sobre a questão criminal. Conforme Zaffaroni (2013, p. 05), “em qualquer lugar da superfície deste planeta fala-se da questão criminal. É quase a única coisa de que se fala – em concorrência com o futebol, que é arte complexa”.
O problema desse interesse coletivo em relação ao Direito Penal é a “cultura do pitaco”, isto é, uma legião de leigos que, conquanto desconheçam as leis penais e tudo o que foi escrito sobre o assunto até o momento, acreditam que possuem a solução mágica para diminuir a violência no país e solucionar a crise do sistema prisional brasileiro.
Enquanto os estudiosos do Direito Penal reconhecem a dificuldade da questão criminal, apesar das milhares de páginas lidas ou escritas sobre o assunto, o leigo tem uma resposta pronta para temas que são objetos de ardentes debates acadêmicos. É como se o (des)conhecimento inibisse ou aumentasse a vontade de opinar.
Quanto menos sabemos, mais ignoramos o nosso desconhecimento.
Não podemos tratar a questão criminal, um dos assuntos mais relevantes para o Estado Democrático de Direito, como um assunto de bar, em que qualquer um, depois de alguns goles, torna-se um especialista instantaneamente. Nos bares, a bebida alcoólica incentiva a abordagem de inúmeros temas.
No âmbito penal, a mera visualização do noticiário policial parece gerar uma autoridade imediata sobre criminologia, execução penal, políticas criminais etc.
Como lembra ZAFFARONI (2013, p. 08), “o cidadão comum deve saber que há um mundo acadêmico que fala disso, da questão criminal, que, embora não tenha nenhum monopólio da verdade, pensou e discutiu umas tantas coisas, que se equivocou muitíssimas vezes e muito feio, mas também aprendeu com esses erros.”
É dever dos Criminalistas demonstrar à sociedade que há estudos complexos e pesquisas seculares sobre os assuntos tradicionalmente tratados em conversas informais.
Como exemplo, deve-se reforçar que, se a execução penal está em fragalhos atualmente, em que pese o esforço dos estudiosos, a situação poderia ser pior se a questão criminal fosse assumida por quem desconhece o tema e deseja apenas uma solução rápida que seja um misto de vingança e extermínio.
Assim como não se cura uma doença com conhecimentos de engenharia e não se constrói um prédio com conhecimentos de medicina, também não se pune racionalmente com conhecimentos alheios ao Direito Penal.
O debate coletivo sobre o Direito Penal deve iniciar pelos estudiosos. Cabe àqueles que se dedicam ao Direito Penal a definição dos problemas e a catalogação de possíveis soluções, participando ativamente de encontros com o povo e, principalmente, seus representantes.
Em outras palavras, compete aos estudiosos do Direito Penal uma prestação de contas coletiva, evitando que a questão criminal permaneça como mero assunto de bar entre os não iniciados nas Ciências Criminais.
Aqui pode ser apontado um outro problema: não precisamos de Direito Penal facilitado, mastigado, resumidinho etc. Entre os Criminalistas, o debate não precisa e nem deve ser facilitado.
Não se facilita o que exige um mínimo intelectual para ser debatido, sob pena de cairmos no essencialismo de quem deseja apenas decorar conceitos e reproduzi-los sem qualquer interesse na evolução da ciência.
Por outro lado, àqueles que não se dedicam ao Direito Penal os Criminalistas devem explicar a sua necessidade, apontar os problemas, catalogar soluções e relacionar consequências possíveis. Para tanto, os manuais de “Direito Penal bonitinho para quem quer aprender em 24 horas” são inúteis.
Aqueles que não se dedicam ao estudo do Direito Penal não devem permanecer totalmente separados dos debates. São leigos quanto ao Direito Penal, mas especialistas quanto a inúmeros outros assuntos.
Nesse prisma, é de suma importância que alguns conceitos sejam discutidos no âmbito da sociedade, principalmente o significado de alguns termos legais, como “decoro”, “dignidade” e “honra”. São conceitos que se desenvolvem pela tradição linguística de cada comunidade e que não devem ser monopólio dos Criminalistas.
Assim, acredito que os leigos não devem abster-se de discutir a questão criminal, mas é dever dos estudiosos do Direito Penal demonstrar que o debate não é tão simples quanto apresentadores de noticiários sedentos por audiência dizem ser.
Um bar tem diversas finalidades, mas é melhor que discutir Direito Penal não seja uma delas. Pelo bem daqueles que querem relaxar e, principalmente, do próprio Direito Penal.
Por Evinis Talon
Fonte: Canal Ciências Criminais