goo.gl/kFkm8M | No ano passado uma advogada aparentemente embriagada, dirigiu-se de forma imprópria a alguns policiais militares em Minas Gerais e foi presa por desacato num caso que ganhou as redes sociais com grande repercussão. Registre-se que ali ela não estava atuando como advogada, mas com um cidadão qualquer que tentava “negociar” algo com os policiais por conta de uma briga entre torcedores e próprios policiais (servidores).
Por outro lado, não se pretende aqui questionar a postura dela como advogada ou mesmo dos policiais, apesar de eu ter achado estranho e desnecessária a agressão a ela, pois na imagem tem-se uma mulher, desarmada, diante de vários policiais armados. A prisão fazia-se necessária, ok, mas a agressão não.
Aproveitando o lamentável episódio e as muitas dúvidas de alunos e de ex-alunos acerca de como dirigir-se às autoridades nas delegacias, presídios, fóruns e tribunais, resolvi escrever um pouco sobre esse tema. Vamos começar com as delegacias?
Imagine que você acaba de receber um telefonema ou a visita no seu escritório de algum familiar de um preso que relata o fato (tomaremos como base uma suposta prisão em flagrante) e contrata seus serviços advocatícios. Óbvio que é necessário colher já nesse primeiro momento a maior quantidade de informações possíveis, identificar qual seria o crime de que acusam o cliente, quais as condições em que ocorreram a prisão, o horário da prisão, se o cliente já foi preso em outras oportunidades e, caso afirmativo, quais as acusações.
O passo seguinte é, ajustar os honorários para atuar na demanda, e cada seccional possui uma tabela com os valores mínimos para atuação em cada tipo de procedimento. E é preciso ajustar com quem está contratando se o acordo é para atuar em todo o processo ou se apenas no procedimento visando a soltura do cliente. Feitos esses ajustes, por escrito e com contrato assinado, vamos à delegacia buscar informações sobre o caso, conversar com o cliente e pegar a assinatura dele na procuração.
Ao chegar, identifique-se como advogado e peça para falar com o cliente, apresente o nome completo dele e as informações que têm, sobre o caso e a prisão, seja educado, todos nós merecemos um tratamento gentil, sobretudo no ambiente estressante que é uma Delegacia de Polícia. Caso encontre alguma dificuldade em falar com o cliente seja firme na defesa de suas prerrogativas e insista, obviamente de forma educada, que precisa conversar com seu cliente. O Estatuto da Advocacia (lei 8.906/94) informa que
Art. 7º São direitos do advogado:
(…) III – comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis.
Além disso a Constituição Federal no art. 5º, LXIII, determina que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. E ainda, o Pacto de São José da Costa Rica no art. 8º, II, ‘d’, afirma ser “direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor”. Por fim, esse pacto, também chamado de Convenção Americana de Direitos Humanos foi promulgada pelo Decreto 678/92 e integra o nosso ordenamento jurídico.
Normalmente há alguma resistência por parte de policiais, mas insistindo o advogado não há maiores problemas no acesso. Mas se ainda assim, os servidores não o deixarem ter acesso ao preso. Comunique-se com a Ordem dos Advogados do Brasil – tenha sempre consigo o telefone de comissão de prerrogativas da sua Seccional – e denuncie o abuso. Entre em contato também com a corregedoria da Polícia (civil ou militar) responsável pela guarda do preso e também relate o fato. Sempre informe o nome das pessoas (delegados, agentes ou outros servidores) que impediram o acesso para deixar claro a intenção de ir às últimas consequências caso o acesso ao preso seja efetivamente vetado.
Normalmente a OAB, ou mesmo a Corregedoria, entrará em contato com a Unidade policial e com isso o acesso será liberado. Lembre-se que você deve sim lutar pelas suas prerrogativas, mas valendo-se daquilo que a lei instrumentaliza para que essas garantias sejam respeitadas.
Brigar, gritar, tratar mal os servidores, de nada adiantará na solução do caso, seja firme, mas educado. Você deve mostrar aos policiais servidores que sabe quais são os seus direitos como advogado e que sabe também quais canais devem ser acessados para que esses abusos sejam punidos.
Caso seu cliente ainda não tenha sido ouvido, informe que você irá acompanhar a oitiva dele, o Estatuto da Advocacia (lei 8.906/94) que foi alterado pela lei 13.245, de 2016, determina essa possibilidade afirmando que:
Art. 7º São direitos do advogado:
XXI – assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:
a) apresentar razões e quesitos;
Converse reservadamente com seu cliente antes da oitiva e peça a ele que lhe conte todo o ocorrido para que você possa orientá-lo durante o depoimento, caso ele não esteja seguro dos fatos oriente-o a ficar calado durante o interrogatório. Se houver qualquer relato acerca de lesões ou tortura peça que o preso seja encaminhado para exames no instituto médico legal, constando sua presença no termo de oitiva do preso, faça esses pedidos constarem na ata.
Caso o cliente já tenha sido ouvido pelo Delegado e seu depoimento já tenha sido reduzido a termo, peça acesso ao inquérito para saber quais declarações foram dadas pelo seu cliente e analise também as demais informações constantes dos autos. Tire cópia de tudo que achar necessário, pois possivelmente irá precisar para entrar com um Habeas Corpus.
Outra vez é possível que os servidores públicos tentem dificultar a atividade do advogado impedindo o acesso aos autos. Aqui, registre-se que o Estatuto da Advocacia, no art. 7º, XIV afirma que é direito do advogado “examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital.”
E que o Supremo Tribunal Federal através da Súmula Vinculante 14, afirma que
É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.
Caso o acesso seja negado verbalmente peticione – é extremamente importante registrar os acontecimentos para providencias futuras. Não é muito provável que ainda assim exista negativa de acesso aos autos, mas se houver, entre com as medidas cabíveis, tais como: mandado de segurança, habeas corpus, reclamação ao STF e representações junto às corregedorias e o CNJ.
O advogado deve tratar todos com cordialidade e educação, mesmo diante dessas negativas infelizes e infundadas de acesso ao preso ou ao inquérito. Mas tratar com cordialidade não importa em ser subserviente. Ao invés de gritar e brigar na delegacia, vamos às representações. É improvável que os agentes policiais, depois de representados por você junto às corregedorias, repitam esse tipo de tratamento, mas se os fatos se repetirem, vamos novamente às representações.
É importante que se cobre das comissões de prerrogativas – faça isso perante a sua Seccional – que levem adiante essas denúncias para evitar perseguições aos advogados que militam na seara criminal. Uma representação feita pelo Comissão de Prerrogativas tem duas funções: evitar que o advogado seja coagido na sua labuta diária, e dar ao caso mais ênfase, pois trata-se de uma classe representando e não de apenas uma pessoa.
A advocacia criminal é uma profissão escolhida por quem ama a liberdade, por quem ama lutar como sua, a luta alheia, mas lembre-se, seja cordial na exigência do respeito às suas garantias, cordial e educado, mas sempre intransigente na defesa delas, através dos instrumentos legais previstos.
No nosso próximo artigo, vamos falar do passo seguinte, a audiência de custódia e a impetração de Habeas Corpus. Vamos soltar o cliente para que ele responda em liberdade? Até lá.
Por Leandro Gesteira
Fonte: Canal Ciências Criminais
Por outro lado, não se pretende aqui questionar a postura dela como advogada ou mesmo dos policiais, apesar de eu ter achado estranho e desnecessária a agressão a ela, pois na imagem tem-se uma mulher, desarmada, diante de vários policiais armados. A prisão fazia-se necessária, ok, mas a agressão não.
Aproveitando o lamentável episódio e as muitas dúvidas de alunos e de ex-alunos acerca de como dirigir-se às autoridades nas delegacias, presídios, fóruns e tribunais, resolvi escrever um pouco sobre esse tema. Vamos começar com as delegacias?
Imagine que você acaba de receber um telefonema ou a visita no seu escritório de algum familiar de um preso que relata o fato (tomaremos como base uma suposta prisão em flagrante) e contrata seus serviços advocatícios. Óbvio que é necessário colher já nesse primeiro momento a maior quantidade de informações possíveis, identificar qual seria o crime de que acusam o cliente, quais as condições em que ocorreram a prisão, o horário da prisão, se o cliente já foi preso em outras oportunidades e, caso afirmativo, quais as acusações.
O passo seguinte é, ajustar os honorários para atuar na demanda, e cada seccional possui uma tabela com os valores mínimos para atuação em cada tipo de procedimento. E é preciso ajustar com quem está contratando se o acordo é para atuar em todo o processo ou se apenas no procedimento visando a soltura do cliente. Feitos esses ajustes, por escrito e com contrato assinado, vamos à delegacia buscar informações sobre o caso, conversar com o cliente e pegar a assinatura dele na procuração.
Ao chegar, identifique-se como advogado e peça para falar com o cliente, apresente o nome completo dele e as informações que têm, sobre o caso e a prisão, seja educado, todos nós merecemos um tratamento gentil, sobretudo no ambiente estressante que é uma Delegacia de Polícia. Caso encontre alguma dificuldade em falar com o cliente seja firme na defesa de suas prerrogativas e insista, obviamente de forma educada, que precisa conversar com seu cliente. O Estatuto da Advocacia (lei 8.906/94) informa que
Art. 7º São direitos do advogado:
(…) III – comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis.
Além disso a Constituição Federal no art. 5º, LXIII, determina que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. E ainda, o Pacto de São José da Costa Rica no art. 8º, II, ‘d’, afirma ser “direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor”. Por fim, esse pacto, também chamado de Convenção Americana de Direitos Humanos foi promulgada pelo Decreto 678/92 e integra o nosso ordenamento jurídico.
Normalmente há alguma resistência por parte de policiais, mas insistindo o advogado não há maiores problemas no acesso. Mas se ainda assim, os servidores não o deixarem ter acesso ao preso. Comunique-se com a Ordem dos Advogados do Brasil – tenha sempre consigo o telefone de comissão de prerrogativas da sua Seccional – e denuncie o abuso. Entre em contato também com a corregedoria da Polícia (civil ou militar) responsável pela guarda do preso e também relate o fato. Sempre informe o nome das pessoas (delegados, agentes ou outros servidores) que impediram o acesso para deixar claro a intenção de ir às últimas consequências caso o acesso ao preso seja efetivamente vetado.
Normalmente a OAB, ou mesmo a Corregedoria, entrará em contato com a Unidade policial e com isso o acesso será liberado. Lembre-se que você deve sim lutar pelas suas prerrogativas, mas valendo-se daquilo que a lei instrumentaliza para que essas garantias sejam respeitadas.
Brigar, gritar, tratar mal os servidores, de nada adiantará na solução do caso, seja firme, mas educado. Você deve mostrar aos policiais servidores que sabe quais são os seus direitos como advogado e que sabe também quais canais devem ser acessados para que esses abusos sejam punidos.
Caso seu cliente ainda não tenha sido ouvido, informe que você irá acompanhar a oitiva dele, o Estatuto da Advocacia (lei 8.906/94) que foi alterado pela lei 13.245, de 2016, determina essa possibilidade afirmando que:
Art. 7º São direitos do advogado:
XXI – assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:
a) apresentar razões e quesitos;
Converse reservadamente com seu cliente antes da oitiva e peça a ele que lhe conte todo o ocorrido para que você possa orientá-lo durante o depoimento, caso ele não esteja seguro dos fatos oriente-o a ficar calado durante o interrogatório. Se houver qualquer relato acerca de lesões ou tortura peça que o preso seja encaminhado para exames no instituto médico legal, constando sua presença no termo de oitiva do preso, faça esses pedidos constarem na ata.
Caso o cliente já tenha sido ouvido pelo Delegado e seu depoimento já tenha sido reduzido a termo, peça acesso ao inquérito para saber quais declarações foram dadas pelo seu cliente e analise também as demais informações constantes dos autos. Tire cópia de tudo que achar necessário, pois possivelmente irá precisar para entrar com um Habeas Corpus.
Outra vez é possível que os servidores públicos tentem dificultar a atividade do advogado impedindo o acesso aos autos. Aqui, registre-se que o Estatuto da Advocacia, no art. 7º, XIV afirma que é direito do advogado “examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital.”
E que o Supremo Tribunal Federal através da Súmula Vinculante 14, afirma que
É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.
Caso o acesso seja negado verbalmente peticione – é extremamente importante registrar os acontecimentos para providencias futuras. Não é muito provável que ainda assim exista negativa de acesso aos autos, mas se houver, entre com as medidas cabíveis, tais como: mandado de segurança, habeas corpus, reclamação ao STF e representações junto às corregedorias e o CNJ.
O advogado deve tratar todos com cordialidade e educação, mesmo diante dessas negativas infelizes e infundadas de acesso ao preso ou ao inquérito. Mas tratar com cordialidade não importa em ser subserviente. Ao invés de gritar e brigar na delegacia, vamos às representações. É improvável que os agentes policiais, depois de representados por você junto às corregedorias, repitam esse tipo de tratamento, mas se os fatos se repetirem, vamos novamente às representações.
É importante que se cobre das comissões de prerrogativas – faça isso perante a sua Seccional – que levem adiante essas denúncias para evitar perseguições aos advogados que militam na seara criminal. Uma representação feita pelo Comissão de Prerrogativas tem duas funções: evitar que o advogado seja coagido na sua labuta diária, e dar ao caso mais ênfase, pois trata-se de uma classe representando e não de apenas uma pessoa.
A advocacia criminal é uma profissão escolhida por quem ama a liberdade, por quem ama lutar como sua, a luta alheia, mas lembre-se, seja cordial na exigência do respeito às suas garantias, cordial e educado, mas sempre intransigente na defesa delas, através dos instrumentos legais previstos.
No nosso próximo artigo, vamos falar do passo seguinte, a audiência de custódia e a impetração de Habeas Corpus. Vamos soltar o cliente para que ele responda em liberdade? Até lá.
Por Leandro Gesteira
Fonte: Canal Ciências Criminais