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Durante muito tempo, os litígios foram massivamente decididos pelo Poder Judiciário, em que a voz das partes é silenciada e convertida em pedido jurídico firmado pelo advogado[1]. Hoje, contudo, diante do reconhecimento dos meios consensuais para tratar conflitos, garantem-se às partes o direito de terem voz, de sentirem e de expressarem uns para os outros os sentimentos envolvidos na controvérsia. Algo que a burocracia, que envolve o meio tradicional de composição de conflitos, não permite[2].
A mediação é uma dessas formas consensuais de tratar os conflitos: uma maneira de fazer cotidianas as possibilidades de decidirmos as prioridades das nossas vidas e dos nossos relacionamentos[3]. Com a ajuda de um mediador, que facilita a comunicação entre as partes, tal técnica auxilia os envolvidos a encontrarem saídas proveitosas para suas controvérsias. Ela tem tido boa aceitação pelos usuários do sistema de justiça: 80% considera excelente a atuação do mediador para atender seus interesses, segundo dados disponibilizados pelo TJ/DF[4].
A mediação é conhecida pelo modo empático e compassivo de compor os conflitos. Incentiva a empatia porque permite que seja conhecida e considerada a perspectiva da outra parte para a construção da decisão. Promove a compaixão, pois diante do sofrimento do outro manifesta-se a ação cooperativa em que as partes colaboram para encontrar possíveis soluções.
Diferentemente do que ocorre na mediação, no âmbito do processo judicial (que se destaca pelo comportamento competitivo da relação ganha-perde) a forma compassiva de abordar os conflitos não encontra espaço. Uma das explicações possíveis diz respeito ao reconhecimento tardio dos meios não adversariais nas faculdades de direito, que negligenciaram todo o conhecimento que envolvia o consenso, como a empatia, a escuta ativa e a comunicação não-violenta (ou compassiva).
Agora, diante do cenário fértil de incentivo às técnicas não adversariais, inspiradas na mediação, propõem-se práticas compassivas na advocacia, que podem ser entendidas como um conjunto de condutas comprometidas com o consenso, que envolvem o falar e o escrever (ativas), e o ler e o escutar (passivos). Tais práticas promovem um modo compassivo de comunicação para abordar os conflitos e inspiram ações menos burocráticas, porém mais atentas às necessidades e aos sentimentos das partes.
A “comunicação compassiva” ou “comunicação não-violenta” é uma forma de comunicar criada por Marshall Rosemberg, que tem por objetivo despertar a compaixão natural nas pessoas. Ela auxilia os envolvidos em conflitos não só a reformularem a maneira pela qual se expressam, mas também como ouvem os outros[5]. Envolve uma linguagem que aumenta a disposição do outro em cooperar, permitindo que se construa com ele uma relação de confiança.
Muitas vezes, até mesmo sem perceber, os advogados expressam seus sentimentos particulares em suas manifestações processuais, com a utilização de argumentos como “vem agora o autor com firulas e devaneios defender seus direitos”, quando poderiam usar a comunicação compassiva (ou não-violenta), reformulando a frase para algo como “o autor deixou de apresentar provas que sustentem suas alegações”. As duas formas podem ser manejadas; a segunda, porém, incentiva novos modos de se articular com o outro, sem julgamentos.
A forma de comunicação promovida pelas práticas compassivas, além de prevenir futuros conflitos, tem o compromisso de não ampliar a gravidade daqueles já existentes. Ou seja, trata-se de uma atuação profissional que procura dar respostas éticas satisfatórias, em que o advogado procura ser o mais útil possível para a resolução dos problemas que lhes são apresentados.
As exigências do mercado de trabalho jurídico, com a inserção dos meios consensuais no CPC/2015, inclusive como possibilidade de suspensão do processo para que as partes negociem por um período de tempo, exige uma nova formação do jurista. Impõe também à educação jurídica explorar o potencial dos (futuros) profissionais, de suas forças e virtudes, dentre as quais se destaca a empatia e a compaixão. O advogado, como procurador, deve ser um peregrino em territórios desconhecidos, em busca de uma nova e permanente formação.
As partes desejam respostas efetivas para seus conflitos e alívio para seus sofrimentos. Se não puderem decidir por si mesmas, escolherão como via de resolução de conflitos o processo judicial. Para que este seja o locus da cidadania inclusiva[6], tanto as manifestações processuais dos advogados quanto as decisões judiciais precisam se desamarrar das narrativas que fazem das crenças jurídicas um conto de fadas normativo, com personagens despersonalizados e reduzidos pelo senso comum teórico dos juristas a um conjunto de chavões[7].
Para que as práticas compassivas encontrem lugar também no processo judicial, o advogado precisa se comprometer definitivamente com o consenso e em incentivar os meios não adversariais em todos os âmbitos e instâncias, pautando sua atuação em condutas sem violência ou agressão. A mediação de conflitos, conforme visto, pode ensinar muito à advocacia.
Notas e Referências:
[1] WARAT. Luis Alberto. Surfando na pororoca: o ofício do mediador. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, pg. 124.
[2] WARAT. Luis Alberto. Surfando na pororoca: o ofício do mediador. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, pg. 124.
[3] WARAT. Luis Alberto. Surfando na pororoca: o ofício do mediador. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, pg. 124.
[4] BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Relatório Semestral NUPEMEC 2016. Disponível em: <http://www.tjdft.jus.br/institucional/2a-vice-presidencia/nupemec/relatorios-1/copy3_of_RelatrioSemestral2016NUPEMECFINAL.pdf>. Acesso em: 01 jan. 2017.
[5] ROSENBERG. Marshall B. Comunicação não violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. Tradução Mário Vilela. São Paulo: Ágora, 2006.
[6] ABREU, Pedro Manoel. Processo e Democracia: O processo jurisdicional como um locus da democracia participativa e da cidadania inclusiva no estado democrático de direito. São Paulo: Conceito Editorial, 2011.
[7] WARAT. Luis Alberto. Surfando na pororoca: o ofício do mediador. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, p. 199.
Por Juliana Ribeiro Goulart
Fonte: emporiododireito
Mahatma Gandhi
Durante muito tempo, os litígios foram massivamente decididos pelo Poder Judiciário, em que a voz das partes é silenciada e convertida em pedido jurídico firmado pelo advogado[1]. Hoje, contudo, diante do reconhecimento dos meios consensuais para tratar conflitos, garantem-se às partes o direito de terem voz, de sentirem e de expressarem uns para os outros os sentimentos envolvidos na controvérsia. Algo que a burocracia, que envolve o meio tradicional de composição de conflitos, não permite[2].
A mediação é uma dessas formas consensuais de tratar os conflitos: uma maneira de fazer cotidianas as possibilidades de decidirmos as prioridades das nossas vidas e dos nossos relacionamentos[3]. Com a ajuda de um mediador, que facilita a comunicação entre as partes, tal técnica auxilia os envolvidos a encontrarem saídas proveitosas para suas controvérsias. Ela tem tido boa aceitação pelos usuários do sistema de justiça: 80% considera excelente a atuação do mediador para atender seus interesses, segundo dados disponibilizados pelo TJ/DF[4].
A mediação é conhecida pelo modo empático e compassivo de compor os conflitos. Incentiva a empatia porque permite que seja conhecida e considerada a perspectiva da outra parte para a construção da decisão. Promove a compaixão, pois diante do sofrimento do outro manifesta-se a ação cooperativa em que as partes colaboram para encontrar possíveis soluções.
Diferentemente do que ocorre na mediação, no âmbito do processo judicial (que se destaca pelo comportamento competitivo da relação ganha-perde) a forma compassiva de abordar os conflitos não encontra espaço. Uma das explicações possíveis diz respeito ao reconhecimento tardio dos meios não adversariais nas faculdades de direito, que negligenciaram todo o conhecimento que envolvia o consenso, como a empatia, a escuta ativa e a comunicação não-violenta (ou compassiva).
Agora, diante do cenário fértil de incentivo às técnicas não adversariais, inspiradas na mediação, propõem-se práticas compassivas na advocacia, que podem ser entendidas como um conjunto de condutas comprometidas com o consenso, que envolvem o falar e o escrever (ativas), e o ler e o escutar (passivos). Tais práticas promovem um modo compassivo de comunicação para abordar os conflitos e inspiram ações menos burocráticas, porém mais atentas às necessidades e aos sentimentos das partes.
A “comunicação compassiva” ou “comunicação não-violenta” é uma forma de comunicar criada por Marshall Rosemberg, que tem por objetivo despertar a compaixão natural nas pessoas. Ela auxilia os envolvidos em conflitos não só a reformularem a maneira pela qual se expressam, mas também como ouvem os outros[5]. Envolve uma linguagem que aumenta a disposição do outro em cooperar, permitindo que se construa com ele uma relação de confiança.
Muitas vezes, até mesmo sem perceber, os advogados expressam seus sentimentos particulares em suas manifestações processuais, com a utilização de argumentos como “vem agora o autor com firulas e devaneios defender seus direitos”, quando poderiam usar a comunicação compassiva (ou não-violenta), reformulando a frase para algo como “o autor deixou de apresentar provas que sustentem suas alegações”. As duas formas podem ser manejadas; a segunda, porém, incentiva novos modos de se articular com o outro, sem julgamentos.
A forma de comunicação promovida pelas práticas compassivas, além de prevenir futuros conflitos, tem o compromisso de não ampliar a gravidade daqueles já existentes. Ou seja, trata-se de uma atuação profissional que procura dar respostas éticas satisfatórias, em que o advogado procura ser o mais útil possível para a resolução dos problemas que lhes são apresentados.
As exigências do mercado de trabalho jurídico, com a inserção dos meios consensuais no CPC/2015, inclusive como possibilidade de suspensão do processo para que as partes negociem por um período de tempo, exige uma nova formação do jurista. Impõe também à educação jurídica explorar o potencial dos (futuros) profissionais, de suas forças e virtudes, dentre as quais se destaca a empatia e a compaixão. O advogado, como procurador, deve ser um peregrino em territórios desconhecidos, em busca de uma nova e permanente formação.
As partes desejam respostas efetivas para seus conflitos e alívio para seus sofrimentos. Se não puderem decidir por si mesmas, escolherão como via de resolução de conflitos o processo judicial. Para que este seja o locus da cidadania inclusiva[6], tanto as manifestações processuais dos advogados quanto as decisões judiciais precisam se desamarrar das narrativas que fazem das crenças jurídicas um conto de fadas normativo, com personagens despersonalizados e reduzidos pelo senso comum teórico dos juristas a um conjunto de chavões[7].
Para que as práticas compassivas encontrem lugar também no processo judicial, o advogado precisa se comprometer definitivamente com o consenso e em incentivar os meios não adversariais em todos os âmbitos e instâncias, pautando sua atuação em condutas sem violência ou agressão. A mediação de conflitos, conforme visto, pode ensinar muito à advocacia.
Notas e Referências:
[1] WARAT. Luis Alberto. Surfando na pororoca: o ofício do mediador. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, pg. 124.
[2] WARAT. Luis Alberto. Surfando na pororoca: o ofício do mediador. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, pg. 124.
[3] WARAT. Luis Alberto. Surfando na pororoca: o ofício do mediador. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, pg. 124.
[4] BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Relatório Semestral NUPEMEC 2016. Disponível em: <http://www.tjdft.jus.br/institucional/2a-vice-presidencia/nupemec/relatorios-1/copy3_of_RelatrioSemestral2016NUPEMECFINAL.pdf>. Acesso em: 01 jan. 2017.
[5] ROSENBERG. Marshall B. Comunicação não violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. Tradução Mário Vilela. São Paulo: Ágora, 2006.
[6] ABREU, Pedro Manoel. Processo e Democracia: O processo jurisdicional como um locus da democracia participativa e da cidadania inclusiva no estado democrático de direito. São Paulo: Conceito Editorial, 2011.
[7] WARAT. Luis Alberto. Surfando na pororoca: o ofício do mediador. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, p. 199.
Por Juliana Ribeiro Goulart
Fonte: emporiododireito