goo.gl/ugJmCt | A esperança de transformar a vida profissional fez com que a advogada Maria Aloísia Jesus dos Santos, de 30 anos, conciliasse o trabalho de doméstica, que conhece desde a infância, com a faculdade de Direito. Mesmo sem qualquer incentivo familiar para estudar, a jovem da zona rural de Valença, no Baixo Sul da Bahia, não desistiu do sonho. Ela, que mora em Salvador, jamais perdeu uma matéria no período da graduação, e após cinco anos, tempo do curso de Direito, conquistou a tão sonhada formatura na quarta-feira (26).
Maria Aloísia ao lado da casa da mãe no sítio em Valença, na bahia (Foto: Arquivo Pessoal)
Aluna dedicada, após madrugadas em claro, Maria estreou no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em fevereiro deste ano e foi aprovada. Ela conta que intensificou os estudos quando soube que poderia fazer o exame antes mesmo de se formar.“Criei uma meta, comprei vários cadernos e comecei a estudar nas madrugadas”, contou. Apesar da conclusão do curso de Direito e da realização profissional, o sonho dela não para. Seu desejo é ser juíza.
Sobre a escolha da profissão, Maria conta que teve a ajuda de testes vocacionais, mas o que contou mesmo foi saber que poderia ajudar as pessoas através da carreira que decidiu seguir. “O Direito é uma profissão bonita, eu vou servir à sociedade e nela [a carreira] vi exemplos de mulheres que me motivaram, como Luislinda Valois, que foi a primeira juíza negra do país. Se ela conseguiu, por que eu não conseguiria também?”, argumenta.
Maria Aloísia percorreu um longo caminho de estudo e superação. Aos 17 anos, ela não havia concluído nem o ensino fundamental. Além disso, a jovem não tinha tempo para estudar, nem dinheiro para pagar a mensalidade de uma faculdade particular.
Superação: diarista que enfrentou adversidades e se formou em Direito
Determinação foi essencial para alcançar os objetivos. Segundo ela, os obstáculos que iria enfrentar para chegar à faculdade foram a base da motivação.
"Escolhi estudar porque sabia que seria um desafio para mim e eu gosto de desafios. Eu sempre acreditei que era possível, mas hoje eu sei. Eu vivo isso. Um dia desses, eu era semianalfabeta. Eu vejo que tudo é possível. Sou feliz e realizada. A razão de contar minha história é mostrar para as pessoas que elas não devem desistir”, relata.
O advogado, professor e coordenador do curso de Direito da faculdade onde Maria estudou, Vinícius Maia, relata que a colega de profissão era muito dedicada às aulas no período graduação, além de ser concentrada e bastante determinada. "Sempre tem o aluno com o 'caderno da salvação' aquele que copia tudo e os colegas correm para tirar cópia perto das provas. Assim era Maria Aloísia, que sempre ajudava seus colegas", contou.
Ele destacou que a determinação dela era o que mais o surpreendia. "Mesmo diante das adversidades, ela não abandonou seus objetivos, pois tinha convicção de que o estudo não era apenas uma opção, mas o único caminho para que sua vida fosse realmente mudada. Histórias como a de Aloísia alimentam nossa alma como educadores", disse Vinícius.
Maria Aloísia (calça preta e blusa branca) com os colegas da faculdade em Salvador (Foto: Arquivo Pessoal)
Em Salvador, ela continuou trabalhando como doméstica. Contudo, não se sentia feliz porque os patrões não a tratavam bem - alguns não pagavam o salário, e outros já a humilharam.
“Uma vez uma amiga de uma ex-patroa disse que quem só comia ovo frito não tinha como saber o que era comida boa. Esse tipo de situação foi me deixando tão magoada, triste e comecei a despertar. Vi que precisava mudar de vida”, contou.
Maria conta que apesar do empecilho escolar, por não ter concluído os estudos, ela não desistiu e foi em busca do conhecimento. “Fiz um supletivo, terminei o ensino fundamental e em 2011 concluí o ensino médio. Até a metade do ensino médio fui doméstica, dormia na casa das famílias. Depois disso, passei a ser diarista e a focar no objetivo de ingressar na faculdade. Então comecei a fazer testes vocacionais”, relatou.
Ao concluir o ensino médio, Maria descobriu que queria cursar direito. O desafio seguinte era chegar até a universidade. Maria conta que não tinha tempo para estudar e disputar a vaga em uma universidade federal, nem dinheiro para pagar uma faculdade particular.
“Saí da vida de faxinas e procurei um emprego fixo, com carteira assinada em uma empresa de limpeza, para poder contratar o Fies [Fundo de Financiamento Estudantil] e poder me matricular em uma faculdade particular. Eu só conseguiria o financiamento se tivesse com carteira assinada, que comprovava que eu poderia pagar. Foi a primeira vez que minha carteira estava sendo assinada”, relatou.
Maria Aloísia (no meio de cabelo curto) com a mãe (de vestido lilás) e os irmãos na casa da família em Valença, na Bahia (Foto: Arquivo Pessoal)
Após conseguir 100% do financiamento, ingressar na faculdade e com sonho realizado, os desafios de Maria aumentaram. O trabalho de serviços gerais na empresa fazia com que ela perdesse muito tempo e o rendimento na faculdade começou a cair.
“Fui até a empresa e contei a situação. Mostrei que queria estudar direito e o comprovante das notas baixas. Então eles me removeram do shopping e me colocaram em um banco. Aí já deu para estudar mais [na faculdade] porque o banco é menor, funciona em tempo mais curto que o shopping e lá eu me sentia menos cansada”.
Em junho de 2015 a estudante deixou o emprego para procurar um estágio - mas não poderia sobreviver somente com o salário do estágio, voltou a fazer faxinas. “Eu ia para o estágio de segunda a sexta-feira e fazia diárias nos finais de semana”.
Após passar na OAB, cerca de dois meses antes da formatura, a bolsa-estágio de Maria Aloísia aumentou e ela pôde deixar as diárias. Agora o foco é a vida profissional. “Sei que o caminho vai ser longo, estou só começando, mas não vou desistir e um dia serei juíza. Só não sei de que área ainda”.
Casa da mãe de Aloísia na Bahia, onde ela morou antes de deixar Valença com destino à Salvador (Foto: Arquivo Pessoal)
Por Maiana Belo, G1 BA
Fonte: g1.globo.com
Aluna dedicada, após madrugadas em claro, Maria estreou no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em fevereiro deste ano e foi aprovada. Ela conta que intensificou os estudos quando soube que poderia fazer o exame antes mesmo de se formar.“Criei uma meta, comprei vários cadernos e comecei a estudar nas madrugadas”, contou. Apesar da conclusão do curso de Direito e da realização profissional, o sonho dela não para. Seu desejo é ser juíza.
Sobre a escolha da profissão, Maria conta que teve a ajuda de testes vocacionais, mas o que contou mesmo foi saber que poderia ajudar as pessoas através da carreira que decidiu seguir. “O Direito é uma profissão bonita, eu vou servir à sociedade e nela [a carreira] vi exemplos de mulheres que me motivaram, como Luislinda Valois, que foi a primeira juíza negra do país. Se ela conseguiu, por que eu não conseguiria também?”, argumenta.
Maria Aloísia percorreu um longo caminho de estudo e superação. Aos 17 anos, ela não havia concluído nem o ensino fundamental. Além disso, a jovem não tinha tempo para estudar, nem dinheiro para pagar a mensalidade de uma faculdade particular.
Superação: diarista que enfrentou adversidades e se formou em Direito
Determinação foi essencial para alcançar os objetivos. Segundo ela, os obstáculos que iria enfrentar para chegar à faculdade foram a base da motivação.
"Escolhi estudar porque sabia que seria um desafio para mim e eu gosto de desafios. Eu sempre acreditei que era possível, mas hoje eu sei. Eu vivo isso. Um dia desses, eu era semianalfabeta. Eu vejo que tudo é possível. Sou feliz e realizada. A razão de contar minha história é mostrar para as pessoas que elas não devem desistir”, relata.
O advogado, professor e coordenador do curso de Direito da faculdade onde Maria estudou, Vinícius Maia, relata que a colega de profissão era muito dedicada às aulas no período graduação, além de ser concentrada e bastante determinada. "Sempre tem o aluno com o 'caderno da salvação' aquele que copia tudo e os colegas correm para tirar cópia perto das provas. Assim era Maria Aloísia, que sempre ajudava seus colegas", contou.
Ele destacou que a determinação dela era o que mais o surpreendia. "Mesmo diante das adversidades, ela não abandonou seus objetivos, pois tinha convicção de que o estudo não era apenas uma opção, mas o único caminho para que sua vida fosse realmente mudada. Histórias como a de Aloísia alimentam nossa alma como educadores", disse Vinícius.
Maria Aloísia (calça preta e blusa branca) com os colegas da faculdade em Salvador (Foto: Arquivo Pessoal)
Estudo e conquistas
Maria conhece o trabalho desde os 7 anos de idade, quando começou a fazer faxinas em Valença. Aos 17, no ano de 2004, ela se despediu da mãe e da cidade natal com destino a Salvador, quando quatro dos 12 irmãos já moravam na capital e poderiam dar um suporte familiar.Em Salvador, ela continuou trabalhando como doméstica. Contudo, não se sentia feliz porque os patrões não a tratavam bem - alguns não pagavam o salário, e outros já a humilharam.
“Uma vez uma amiga de uma ex-patroa disse que quem só comia ovo frito não tinha como saber o que era comida boa. Esse tipo de situação foi me deixando tão magoada, triste e comecei a despertar. Vi que precisava mudar de vida”, contou.
Maria conta que apesar do empecilho escolar, por não ter concluído os estudos, ela não desistiu e foi em busca do conhecimento. “Fiz um supletivo, terminei o ensino fundamental e em 2011 concluí o ensino médio. Até a metade do ensino médio fui doméstica, dormia na casa das famílias. Depois disso, passei a ser diarista e a focar no objetivo de ingressar na faculdade. Então comecei a fazer testes vocacionais”, relatou.
Ao concluir o ensino médio, Maria descobriu que queria cursar direito. O desafio seguinte era chegar até a universidade. Maria conta que não tinha tempo para estudar e disputar a vaga em uma universidade federal, nem dinheiro para pagar uma faculdade particular.
“Saí da vida de faxinas e procurei um emprego fixo, com carteira assinada em uma empresa de limpeza, para poder contratar o Fies [Fundo de Financiamento Estudantil] e poder me matricular em uma faculdade particular. Eu só conseguiria o financiamento se tivesse com carteira assinada, que comprovava que eu poderia pagar. Foi a primeira vez que minha carteira estava sendo assinada”, relatou.
Maria Aloísia (no meio de cabelo curto) com a mãe (de vestido lilás) e os irmãos na casa da família em Valença, na Bahia (Foto: Arquivo Pessoal)
Após conseguir 100% do financiamento, ingressar na faculdade e com sonho realizado, os desafios de Maria aumentaram. O trabalho de serviços gerais na empresa fazia com que ela perdesse muito tempo e o rendimento na faculdade começou a cair.
“Fui até a empresa e contei a situação. Mostrei que queria estudar direito e o comprovante das notas baixas. Então eles me removeram do shopping e me colocaram em um banco. Aí já deu para estudar mais [na faculdade] porque o banco é menor, funciona em tempo mais curto que o shopping e lá eu me sentia menos cansada”.
Em junho de 2015 a estudante deixou o emprego para procurar um estágio - mas não poderia sobreviver somente com o salário do estágio, voltou a fazer faxinas. “Eu ia para o estágio de segunda a sexta-feira e fazia diárias nos finais de semana”.
Após passar na OAB, cerca de dois meses antes da formatura, a bolsa-estágio de Maria Aloísia aumentou e ela pôde deixar as diárias. Agora o foco é a vida profissional. “Sei que o caminho vai ser longo, estou só começando, mas não vou desistir e um dia serei juíza. Só não sei de que área ainda”.
Casa da mãe de Aloísia na Bahia, onde ela morou antes de deixar Valença com destino à Salvador (Foto: Arquivo Pessoal)
Por Maiana Belo, G1 BA
Fonte: g1.globo.com