Por que deixei de ser Defensor Público para ser Advogado Criminalista? - Por Evinis Talon

goo.gl/Pamh2C | Caro(a) leitor(a), os últimos textos desta coluna foram sobre teses defensivas, mas hoje abrirei uma exceção. Quero falar sobre lições de vida, sonhos, empreendedorismo e coisas semelhantes. Peço desculpas pelos erros e pelas frases curtas, mas este não é um texto técnico. São histórias em forma de sentimentos. Para isso, sugeri o título: Por que deixei de ser Defensor Público para ser Advogado Criminalista? Essa é uma pergunta que me fazem diariamente, mas é impossível respondê-la sem fazer uma breve contextualização histórica.

Em janeiro de 2015, pleno verão gaúcho, eu era um Defensor Público numa ótima cidade do interior do Rio Grande do Sul. O subsídio tinha sido aumentado para a Defensoria Pública e outras instituições, como Ministério Público e Judiciário. Eu tinha estagiários excelentes e servidores qualificados ao meu lado. Havia acabado de ser aprovado entre os primeiros colocados na prova objetiva para o concurso de Juiz de Direito do Distrito Federal, um dos mais concorridos do país.

Contudo, no dia 21 de janeiro, quando a crise no Brasil estava perto do seu auge, pedi exoneração e desisti de continuar no concurso da Magistratura.

Se você espera que eu critique a Defensoria, sinto por te decepcionar. Eu seria incapaz de criticar uma instituição pela qual me apaixonei. Uma instituição que me ensinou praticamente tudo – inclusive a ser mais humano -, que me deu experiências incríveis e que possibilitou que eu conhecesse alguns dos meus melhores amigos (ex-estagiários, Defensores e Promotores, principalmente).

Não saí da Defensoria por posicionamento ideológico, tampouco por discordar de algo. Pelo contrário, tive a sorte de integrar a instituição durante a melhor administração de sua história, que, inclusive, convenceu-me a adiar essa decisão por vários meses.

Tive muitos motivos para sair, mas poderia resumi-los em: sonhos adiados, liberdade, qualidade de vida e empreendedorismo.

Quanto aos sonhos adiados, preciso fazer uma nova e breve contextualização histórica. Não advoguei antes de ser Defensor Público. Iniciei o concurso ainda na faculdade. Passei na prova objetiva enquanto estava no 8º semestre, na dissertativa durante o 9º e nas provas oral e de tribuna no último semestre da faculdade. Fiz uma colação de grau antecipada e tomei posse na DPE, sem um intervalo para a advocacia.

Mas, desde o início da faculdade, eu tinha o sonho de advogar. Por razões diversas, fui convencido pela maioria de que fazer concurso seria a melhor opção. Interessei-me muito pela Defensoria, por ser uma instituição que dá voz a quem não tem vez (e vice-versa) e por ser uma instituição que, com sua atuação, pode diminuir as desigualdades. Por coincidência, estava aberto o concurso para o Rio Grande do Sul, que, além de ser terra da minha esposa (na época era namorada), era o local no qual sempre sonhei morar. Desde criança, ouvia meu pai dizendo “gaúcho é tudo gente boa”. E o frio? Nem se fala…

Durante meu tempo de Defensor Público, pensava se queria adiar o meu sonho de advogar por algumas décadas até a minha aposentadoria. E se depois eu me arrependesse pelos anos perdidos? O tempo é a única “moeda” que nunca mais se recupera.

A vontade de ter mais liberdade também foi um dos meus motivos. Liberdade para escolher em qual área atuar, onde morar, o tempo de trabalho diário e com quem trabalhar. Também a liberdade para delegar decisões e atos executórios.

A liberdade também reflete no tempo dedicado a cada processo. O serviço público está abarrotado, e a Defensoria Pública é uma das instituições que mais trabalha. Apenas na iniciativa privada eu poderia dedicar mais tempo a cada processo e a cada situação concreta. Verdadeiramente, se fosse para um Advogado Criminalista dedicar o tempo necessário a cada processo, ele dedicaria a sua vida inteira a cada caso. Cada processo criminal envolve a vida de um acusado. E não se pode “compensar” a vida de alguém com menos do que uma vida inteira.

Outro ponto relacionado à liberdade é o meu amor incondicional pela vida acadêmica. Fiz quase todo o meu Mestrado durante meu tempo na Defensoria, mas terminei a dissertação depois que pedi exoneração. Não me considerava no direito de aguardar uma licença para concluir a dissertação. Seria legalmente permitido, mas injusto com os colegas e com o povo gaúcho. Além disso, na Defensoria ou em qualquer cargo público, teria dificuldade para palestrar em cidades mais distantes ou participar de congressos, haja vista que quase todos os atos dos agentes públicos devem ser executados pessoalmente, com pouca margem de delegação. Evidentemente, o mesmo não ocorre na iniciativa privada.

Quanto à qualidade de vida, poderia mencionar o excesso de trabalho (média de 20 audiências por dia, por exemplo), mas isso todos já sabem. Poderia dizer que é triste morar longe da família, mas também não é novidade. Então vou contar uma história.

Minha família é de Campos dos Goytacazes, interior do Rio de Janeiro. Em razão da distância e do excesso de trabalho, eu viajava pouco para lá. Talvez a cada 2 ou 3 meses. Eu já estava há alguns meses sem ver minha família, quando liguei para minha mãe e ela contou que minha cunhada, esposa do meu irmão, estava grávida. Fiquei emocionado e decidi que ligaria para meu irmão naquela semana para parabenizá-lo.

Mas o excesso de trabalho não permitia. Acumulação de comarca, época de analisar os indultos e as comutações… todos me viam chegando e saindo do fórum com um malote cheio de processos. Virava madrugadas trabalhando e, enquanto isso, procrastinava para ligar para meu irmão. Foi assim durante aproximadamente uma semana.

Num dia como outro qualquer, saí cedo para trabalhar em Candelária. Ainda pela manhã, entre uma audiência e outra, minha esposa ligou, disse que meu irmão havia sofrido um acidente e que era para encontrá-la em casa. Avisei aos estagiários e fui o mais rápido possível. E então ela deu a notícia de que meu irmão não havia resistido. Eu só ficava me questionando “por que não liguei???”.

Voltei para a Defensoria e, ao abrir a porta, não disse nada. Apenas olhei fixamente para meus estagiários – que sempre foram meus amigos – e comecei a chorar. Depois de nos abraçarmos, disse que sairia de licença e teria que ir para Porto Alegre pegar o primeiro voo para o RJ. Antes de sair, vi um processo em cima da mesa. Resolvi olhar e percebi que estava sendo intimado de uma decretação de prisão preventiva de um réu. Poderia ter deixado para o substituto, mas isso levaria alguns dias. Então me lembro de ter segurado uma caneta preta e começado a escrever, por cota, o pedido de liberdade. Minha mão tremia, a letra saía muito torta, eu chorava, as lágrimas pingavam no verso da decisão… mas fiz.
Ainda me pergunto como teriam sido aqueles dias se eu trabalhasse menos e morasse perto de um aeroporto. Eu teria visitado o meu irmão antes de tudo acontecer? Teria pelo menos ligado e dito que estava muito feliz por saber que ele seria pai novamente? É impossível saber.

O empreendedorismo também motivou a minha decisão. Empreender é um sonho antigo. Acredito na ideia de que podemos controlar nosso destino e criá-lo da forma que queremos. Gosto de ser retribuído por ideias, resultados e atitudes, e não por tempo despendido. Todos vendemos algo. Alguns vendem produtos ou serviços, outros vendem o próprio tempo em troca de um salário ou subsídio. Mas o tempo é finito, escasso e não permite escala. Sempre há um limite no tempo. Por isso empreender nos faz pensar fora da caixa.

Empreender em tempo de crise é um dos maiores desafios que existe. E eu quis esse desafio, potencializando-o ao máximo. Após pedir exoneração, resolvi abrir meu primeiro escritório em Brasília, um dos ambientes mais hostis para advogados, em razão da concorrência muito numerosa e qualificada (ex-Ministros do STF e STJ, por exemplo). Se sobrevivesse àquela dificuldade, nada mais me assustaria. Depois de superar esse teste, retornei para o meu amado Rio Grande do Sul.

Também durante a crise, inaugurei meu curso preparatório, Meu Cargo Concursos, baseando-me na ideia de que se suportasse as dificuldades temporárias do Brasil, a sequência seria muito mais fácil.

Portanto, a minha opção foi a de trocar a estabilidade de um cargo público pela liberdade de todas as outras possibilidades, principalmente da Advocacia Criminal. De fato, acredito que a única coisa estável no mundo seja o tempo, sempre constante. Mesmos os cargos públicos possuem instabilidade, como os recentes parcelamentos em algumas carreiras e o PLP 257/2016.

Se eu tivesse de dizer quais são os pontos negativos da carreira pública, diria: o excesso de trabalho, a diminuta margem de escolha quanto ao local de atuação e moradia, a impossibilidade de recusar trabalho por mera opinião ou sentimento pessoal e a necessidade de atuar pessoalmente em quase todas as situações. Também não gostava de saber até qual ponto eu poderia chegar ao final da minha jornada no serviço público e quanto ganharia durante os 35 anos até a minha aposentadoria. A previsibilidade não me agrada.

Mas o serviço público também tem inúmeros pontos positivos, como as inúmeras experiências vivenciadas diariamente, a convivência com pessoas altamente qualificadas e a possibilidade de atuar diretamente em prol da sociedade.

Sobre a Advocacia Criminal, os pontos positivos estão listados neste texto, como as diversas formas de liberdade, a qualidade de vida, a imprevisibilidade e os desafios, bem como a possibilidade de atuar em toda e qualquer cidade do país, inclusive de forma consultiva e por meio virtual. Ainda não sei quais são os pontos negativos, mas em algum momento os enfrentarei.

Se há uma lição que gostaria de frisar neste texto, é a de precisamos falar mais sobre as oportunidades que o Direito proporciona. Alguns dizem que fizeram concurso por falta de opção. Mas opção é o que mais há. Não há falta de oportunidades, mas sim falta de conhecimento sobre as oportunidades existentes.

Sempre no primeiro dia de aula, pergunto aos meus alunos quem quer concurso público e quem prefere advogar. Em uma das turmas, todos os alunos levantaram as mãos quando eu perguntei sobre concursos. Na sequência, um dos alunos levantou a mão para a advocacia e me disse “professor, quero um concurso que me permita advogar.” Por fim, ninguém ergueu o braço para a vida acadêmica.

Quem se forma em Direito pode ser advogado, fazer inúmeros concursos públicos jurídicos (Defensoria, Magistratura, Ministério Público, Procuradorias etc.) e não jurídicos (concursos que exigem nível superior sem exigir formação específica), ser professor de graduação, pós-graduação ou de preparatório para o exame da OAB e concursos públicos, publicar livros, empreender por meio de empresas que exijam conhecimentos jurídicos, atuar como palestrante (inclusive ministrando workshops em empresas), seguir carreira política (os conhecimentos jurídicos serão muito úteis) etc. Portanto, creio que devemos urgentemente quebrar o paradigma da falta de oportunidades.

Uma das frases mais clichês que existe é aquela que diz para trabalharmos no que gostamos. É clichê, mas está correta. Vejo isso agora que posso dedicar meu tempo a um sonho antigo.

Mas sempre há os medos, não é? Pouco antes de sair, tive inúmeros receios: medo do futuro, de arrependimento posterior, de ser criticado. Após enviar o pedido de exoneração, passei uma semana questionando a minha decisão. Um conhecido me perguntou se eu havia “surtado”, e eu disse que queria empreender por meio da advocacia. Então, em tom de deboche, ele falou: “vai virar comerciante?”. Ouvi muitas pessoas tentando me desanimar de todas as formas. Alguns diziam que eu havia estragado a minha vida. Esse é um preço a se pagar quando se escolhe algo diferente do que a maioria quer.

Contudo, acreditei no meu sonho e nas pessoas que realmente estavam ao meu lado em todas as situações. Inspirei-me muito na história do ex-Advogado-Geral da União, Fábio Medina Osório, que se exonerou do cargo de Promotor de Justiça no Rio Grande do Sul para exercer a advocacia privada.
Tive, igualmente, a influência de grandes Advogados Criminalistas do Brasil, que estavam sempre combatendo as arbitrariedades acusatórias, como os doutores Márcio Thomaz Bastos, Alberto Toron, Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay), Roberto Parentoni, Thiago Minagé, Edson Knippel, Ércio Quaresma Firpe, Pierpaolo Cruz Bottini e muitos outros.

No Rio Grande do Sul, pude ver de perto Advogados Criminalistas geniais e que, sem dúvida, já marcaram os seus nomes na história. Em uma lista não exaustiva, lembro-me dos doutores César Peres, Pacífico Luiz Saldanha, Aury Lopes Jr., Marco Alfredo Mejia, Alexandre Wünderlich, Jean Severo, Ney Fayet Júnior, Marcos Eberhardt etc.

Todos esses grandes Criminalistas fortaleceram a convicção do que eu queria para minha vida e como eu gostaria de ser lembrado no futuro. A Advocacia Criminal, por ser uma grande paixão, não entrou na minha vida como um trabalho, mas sim como algo que quero viver todos os dias. Deixei de ter uma rotina de 5×2 (5 dias de trabalho por 2 de diversão) para ter uma rotina 7×7. Não consigo mais enxergar aquela linha que separa o trabalho da diversão… tudo é vida! d

Por Evinis Talon
Fonte: Canal Ciências Criminais
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