Intimidade e confiança: cinco tópicos essenciais de direito médico - Por Érico Klein

goo.gl/sngZ6b | Há pouco tempo, o médico Roger Abdelmassih estampava diversas manchetes dos veículos de informação do país e até mesmo do exterior. O médico responde a acusações pelo estupro de suas pacientes. Alguns casos envolvendo médicos podem chocar quem lê as manchetes, mas o dia-a-dia da profissão é marcado por questões bem mais simples e, exatamente por isso, mais relevantes.

A relação médico-paciente é uma das mais íntimas, delicadas e baseadas na confiança, dentre todas as relações civis de prestação de serviço. O trabalho do médico é de grande importância e envolve técnica refinada, além de grande senso humanitário e de prestatividade. A vida de cada ser humano, com a qual o médico nobremente se propõe a lidar, é sensível e complexa, sendo necessários os mais diversos cuidados, para que a relação seja proveitosa ao médico e ao paciente, na mesma medida em que é segura e sólida para ambos. A função do direito é exatamente a de esclarecer, dar contornos e tornar a relação segura.

1 - O desenvolvimento do direito no campo médico veio a formar o conceito de “consentimento informado” [1], que estabelece o dever de efetivamente informar o paciente acerca de todas as circunstâncias que envolvem o procedimento médico prescrito, colhendo sua assinatura em “termo de consentimento informado”, onde constem tais informações de forma clara para o paciente.

2 - Interessante que se note que, em geral, o médico tem o dever de adotar a técnica correta em cada procedimento (obrigação de meio), não sendo obrigado, no entanto, a atingir determinado resultado. Isto é, caso o paciente sofra consequências negativas de uma cirurgia, por exemplo, o médico será responsabilizado apenas se não tiver atuado de forma tecnicamente correta.

3 - A responsabilidade pelos resultados ocorre apenas em cirurgia plástica (obrigação de resultado), em que o médico é obrigado a atingir o resultado prometido ao paciente, sob pena de responder judicialmente pelos danos eventualmente causados, sejam eles morais ou materiais.

O direito e a medicina são ciências em constante movimento, de forma que a constante atualização é exigida dos profissionais da área. Neste sentido, são cada vez mais recorrentes os casos em que pacientes possuem testamento vital [2], ou questões religiosas que justificariam atendimento médico diferenciado.

4 - Quanto ao testamento vital, trata-se de expressão de vontade do paciente, referente aos tratamentos aos quais ele deseja, ou não, ser submetido em caso de doença terminal. [3] O testamento vital foi regulamentado pelo Conselho Federal de Medicina [4], tendo como principais elementos a prevalência da vontade do paciente, a manifestação consciente e prévia à fase crítica, além da necessidade de observância do Código de Ética Médica.

5 - Também são relevantes as situações em que pacientes se negam a receber transfusão de sangue por razões religiosas. Trata-se de ponderação de princípios, envolvendo especialmente a liberdade religiosa em oposição à proteção da vida. Nestes casos, embora haja defensores da liberdade religiosa do paciente no tocante a esta decisão [5], prevalece entendimento jurídico de que o princípio da proteção à vida sobrepujaria o anterior, justificando até mesmo a obrigação de agir do médico, ainda que contrariamente à vontade do paciente ou de seus pais ou responsáveis legais. [6] 

O campo médico é realmente um dos que apresenta maior complexidade e importância em suas discussões, exatamente por envolver diretamente a vida e o ser humano em seus momentos mais frágeis, e por ser profissão que traz consigo o risco na mesma proporção da nobreza que lhe é inerente. Cabe ao direito a difícil função de proteger a vida, ao mesmo tempo em que procura tornar segura a atuação do médico, ao estabelecer limites de responsabilização, assim como diretivas claras de atuação nos conformes da legislação e da Constituição vigentes.
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[1] REsp 1180815/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2010, DJe 26/08/2010

[2] Neste ano (2017), até abril foram registrados 185 testamentos vitais. No ano passado, foram feitos 673 e, desde 2006 (data do primeiro registro em cartório do documento), foram feitos 3.127. Fonte: Cartório Notarial do Brasil.

[3] Mais informações sobre o tema: http://testamentovital.com.br/

[4] http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2012/1995_2012.pdf

[5] https://www.jw.org/pt/publicacoes/livros/como-pode-o-sangue/Testemunhas-de-Jeov%C3%A1-o-desafio-cir%C3%BArgico-%C3%A9tico/

[6] HC 268.459/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 02/09/2014, DJe 28/10/2014.

Por Érico Klein é especialista em Direito Processual Civil
Fonte: www.gazetadopovo.com.br
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