Prática penal: duas duras verdades sobre a advocacia criminal - Por Amanda da Mata

goo.gl/5NScHt | Desde que me foi dada a grata oportunidade de compartilhar minhas impressões sobre a advocacia criminal com as leitoras e leitores do Canal Ciências Criminais, tenho falado sobre assuntos da prática penal econômica no intento de contribuir com a formação dos colegas e trocar alguma experiência.

Mas, é bem verdade, as mídias sociais e jornais da tarde passaram a tratar direito penal com uma familiaridade que falta até a nós, criminalistas. Algo como uma paixão avassaladora que arrebata as pessoas e as catequiza.

Sem muito aviso, quando percebemos, estávamos às voltas com especialistas penais formados pela televisão. O que dizer? Crime e prisão é uma coisa que desperta reflexão em todo mundo.

Então, ficamos assim. Discute-se direito penal em aparente pé de igualdade com qualquer pessoa que tenha internet em casa. Beira a comicidade perceber que os acadêmicos é que se esquivam das discussões que demandam conteúdo e, por vezes, preferem o conforto havido em não ter uma opinião para dar.

Esta é primeira dura verdade sobre a advocacia criminal. Desde os tempos mais remotos, mas tanto mais agora, as pessoas do povo acreditam ser exímias conhecedoras do que nós passaremos a vida estudando.

Não se nega que o crime, figurando enquanto norma na teoria tridimensional, é a valoração do fato social exarada pela sociedade. Até aqui estamos de acordo. Mas daí a palestrar direito penal como quem discute a tabela do brasileirão, bem, vamos combinar que não dá.

Esta é uma constante na vida profissional do advogado, mas tanto mais do criminalista, constantemente confrontado não só a confirmar se vai defender bandido, mas a proferir opinião que, pela via técnica, vai à total contramão do que o senso comum quer ouvir.

Em que pese o advogado estude delitos e penas para estruturar uma boa tese de defesa, ao leigo é sempre demasiado automático escorraçar ao sistema prisional o furtador de margarina.

E embora o defensor tenha a Constituição Federal à mão adiantando a inocência presumida, ainda é ele quem precisa vergastar a retórica explicando porque a prisão cautelar no Brasil é uma grande piada de mal gosto para com os direitos humanos.

E pior. Diuturnamente essas explicações se dirigem a julgadores que aplicam o cárcere como regra, sem qualquer observância à crise carcerária.

O advogado criminal é o profissional que se debate não apenas com a opinião pública, mas com as instituições que aplicam a lei, muitas vezes comovidas pela repercussão social que a violência causa na sociedade. Esta comoção é natural, mas não pertence aos participantes do processo.

Por conta desse cenário, outra dura verdade é a de que o advogado criminal, quase sempre, joga em desvantagem. Cotidianamente, ouço colegas dizendo que “não gostam de perder”, “que só pegam ação para ganhar” e variações de frases utópicas dentro do sistema de justiça criminal.

É óbvio que os advogados criminais querem, como qualquer outro, trazer a vitória para o cliente. Mas a nossa sociedade está projetada para chamar de culpado qualquer um que sente no banco dos réus. E por isso é tão difícil desconstruir essa convicção no decorrer do processo, seja no júri, seja em procedimento comum.

O advogado criminalista precisa entender que o valor de seu trabalho é, antes mesmo da almejada absolvição, a garantia ao devido processo legal. Proporcionar ao cliente o máximo de oportunidades de exercitar seu direito de defesa, num país onde presos provisórios são esquecidos dentro de celas, é o nosso “ganhar”.

A televisão está formando criminólogos, penalistas e consultores que, quando inquiridos, votarão pela pena de morte e a favor de condições subumanas para pessoas presas.

É um dever indigesto dos defensores, mais até do que dos demais profissionais jurídicos, relembrar que há um fragmento delicado da vida em sociedade que, embora se pareça muito com opinião, é, na verdade, direito – quase sempre do outro, quando se trata de suprimir.

Como advogado ou advogada criminal, você precisa saber que vai lidar cotidianamente com estas duas figuras e seguramente isso não deve desmotivar você. Vale mais fazer destas passagens o combustível que é lembrar quão vital é nossa função dentro de tão frágil democracia.

Por Amanda da Mata
Fonte: Canal Ciências Criminais
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