Juiz criminal diz: 'Sou a favor da pena de morte para criminoso irrecuperável'

goo.gl/5FheVU | Com a experiência de quem atuou por mais de 20 anos na Justiça criminal, o presidente da Associação Mato-grossense de Magistrados (Amam), juiz José Arimatéa Neves Costa, defende uma mudança severa no Código Penal Brasileiro.

Criada na década de 1940, parte da legislação penal não tem mais “sintonia” com os tempos atuais, segundo o magistrado.

José Arimatéa entende ser necessária a aplicação de penas mais severas para diminuir a criminalidade. E se coloca a favor, até mesmo, da pena de morte para criminosos diagnosticados como "incuráveis".

“O sistema penal precisa passar por uma reforma para que seja invertido esse gráfico da criminalidade. Hoje a criminalidade só aumenta e nós precisamos inverter. E para isso acontecer é necessário um Código Penal com punições mais severas e que o sistema de ressocialização seja repensado”, afirmou.

Nesta entrevista concedida na sede da Amam, o magistrado ainda falou sobre a maioridade penal, a delação do ex-governador Silval Barbosa (PMDB) e os casos de corrupção no Poder Judiciário.

Confira a íntegra da entrevista:

Não é vergonhoso e inadmissível que o Brasil tenha um Código Penal da década de 40?

José Arimatéa – O Código Penal é da década de 40 sim, mas passou por uma grande reforma em 1989.  Entretanto, em linhas gerais segue o mesmo texto de 1940. Foi iniciado um processo legislativo no Senado para a aprovação de um novo Código Penal, inclusive o nosso governador Pedro Taques (PMDB) foi relator desse projeto de lei quando era senador. Só que esse tipo de matéria demora até décadas para ser aprovada, pois é necessária muita discussão.

Então, enquanto essas mudanças não vêm, ficamos à mercê dessa legislação ultrapassada?

José Arimatéa – Quem mais sofre com isso, além é claro de toda sociedade, são os juízes. Porque temos que aplicar uma lei que não está mais em harmonia com a própria dinâmica da vida social. O atual Código Penal não está mais em sintonia com que o vivemos hoje nos presídios, com os tipos de crimes. Hoje nós temos uma situação em que pelo menos 85% dos crimes cometidos estão diretamente ligados ao tráfico ou ao uso de entorpecentes, e isso é uma realidade recente. Portanto, são leis antigas que não atendem mais a demanda social e geram, realmente, essa sensação de impunidade, pois o "ciclano" que cometeu um crime muito grave fica apenas alguns anos preso e depois já está em liberdade, ou vai do regime fechado diretamente para a prisão domiciliar.

O senhor apontou que os juízes são os que mais sofrem com essas leis ultrapassadas. Mas o Judiciário não está acomodado diante disso? Não deveria ser o primeiro a encampar uma grande mobilização nacional por mudanças, sobretudo contra a impunidade garantida por leis?

José Arimatéa – Foi formada uma comissão no Conselho Nacional de Justiça, presidida pelo ministro Gilson Dipp, que inclusive veio em Mato Grosso discutir o assunto. Em um ano ele formulou o projeto e encaminhou para o Congresso Nacional, mas infelizmente o Legislativo não funciona na velocidade que nós queremos. E o Judiciário não tem como interferir no processo legislativo. Depende muito da vontade política, de quem está presidindo as duas Casas, da própria composição da Câmara, do Senado.

De tempos em tempos, o brasileiro se depara com notícias de autores de crimes bárbaros deixando a prisão pouco tempo depois da condenação. Um caso recente é o dos assassinos do casal Richtofen, crime ocorrido em 2002, em São Paulo. Dois dos três condenados já estão nas ruas. Por que existe tanta facilidade para bandidos no Brasil?

José Arimatéa – A Lei de Execução Penal, de 1984, tem como princípio que a pena não serve apenas para punir, mas também para ressocializar. É diferente do sistema americano, por exemplo, que a pena é para punir mesmo. Aqui no Brasil, não. E, para que esse processo de ressocialização aconteça, a Lei de Execução Penal criou a progressão de regime. Quem cometeu um crime grave começa a cumprir a pena em regime fechado, depois vai para o regime semiaberto, em seguida o aberto e, por fim, o livramento condicional. A ideia da lei é que o cidadão preso seja reinserido paulatinamente na sociedade.

Tudo isso é muito bonito filosoficamente. Só que o que vemos é completamente diferente. O sistema prisional brasileiro não ressocializa, pelo contrário, dessocializa. Às vezes o cidadão se envolve em um fato uma vez na vida, entra no presídio e sai de lá um criminoso profissional. Essa é a realidade, mas parece que ninguém vê. Tudo isso, claro, revolta a sociedade, pois o cidadão que comete um crime grave em pouco tempo é colocado em regime semiaberto. E como em Mato Grosso, por exemplo, não existe regime semiaberto, o indivíduo fica praticamente em liberdade. Nós, juízes, não gostamos disso, mas os tribunais superiores entendem que o Estado que não tem albergue para colocar os presos em regime semiaberto deve colocá-los em prisão domiciliar.

O senhor é a favor de penas mais punitivas?

José Arimatéa – Sim! O sistema penal precisa passar por uma reforma para que seja invertido esse gráfico da criminalidade. Hoje a criminalidade só aumenta e nós precisamos inverter isso. E para isso acontecer é necessário um Código Penal com penas mais severas e que o sistema de ressocialização seja repensado.  Além disso, é necessário que, para determinados crimes, como homicídio, latrocínio, estupro, sequestro seguido de morte, seja afastada a hipótese da progressão de regime. Já foram criadas algumas situações. Por exemplo, o percentual de pena. Se o crime foi hediondo, o criminoso só tem direito a progressão depois de um tempo muito maior. Mas mesmo assim, se compararmos com o sistema americano, o nosso ainda está muito light, suave para os criminosos.

Dentro de sua visão de punir mais, o senhor é a favor de prisão perpétua ou mesmo a pena de morte no Brasil?

José Arimatéa – Sou a favor da pena de morte para algumas situações específicas, de reincidência, por exemplo. Para criminosos que sejam diagnosticados como irrecuperáveis. Não que a pena de morte resolva todos os problemas, mas é uma situação que você precisa utilizar até para impor medo. Já com relação à prisão perpétua, é quase impraticável no sistema prisional brasileiro. Não há estabelecimentos prisionais nem para presos que com prazo de penas definido, imagina para aqueles com prisão perpétua, que vão ficar na cadeia a vida toda!

Acontece muito de uma pessoa ser presa e, quando a polícia puxa a sua ficha, verifica que ele tem dezenas de passagens por crimes semelhantes. Por que uma pessoa como essa não fica na cadeia?

José Arimatéa – Às vezes é crime de furto. O criminoso que mais dá trabalho para o juízes é o que comete crime contra o patrimônio. Ele passa na frente da sua casa, vê um par de tênis, uma roupa no varal, um celular, pega e leva. São crimes sem violência. Se você pegar uma pessoa que nunca agrediu ninguém - mas cometeu uma sequência de pequenos furtos - e jogar lá dentro da Penitenciária Central do Estado, ela vai sair de lá e não vai cometer só furto. Vai roubar, matar,  praticar crimes para o Comando Vermelho, essa é a realidade.  Por isso eu digo que os juízes sofrem muito com essa situação atual, a situação do sistema prisional, a forma de como aplicar a pena.

O que o senhor pensa a respeito da maioridade penal?

José Arimatéa – Se não me engano a Câmara dos Deputados já aprovou uma PEC que reduz a maioridade para 16 anos. A proposta agora está para aprovação do Senado. Demorou sete anos para aprovar na Câmara, deve demorar mais que isso para conseguir no Senado, se vier a ser votado. Essa questão da maioridade penal é muito polêmica, envolve grandes debates de estudiosos no tema.

Obviamente que o sistema cronológico que o Brasil adotou - em que menor de 18 anos é inimputável e a partir de 18 anos passa a ser imputável - é difícil de ser defendido. Como você pode dizer que um jovem de 17 anos, 11 meses, 29 dias, 23 horas, 59 minutos e 59 segundos não tem noção do que faz, que ele é inimputável? Aí, um segundo depois, completa 18 anos e passa ser totalmente imputável, consciente do que faz ou deixa de fazer.

Por isso que eu defendo um sistema flexível diante da realidade que nós temos hoje. Um adolescente com 16 anos, por exemplo, tem muito mais discernimento do que é certo e errado do que um jovem com 20 anos meio século atrás.

Já para os adolescente abaixo de 16 anos seria necessário fazer exames através da psiquiatria, psicologia para dizer se ele tinha consciência do que fez, ou não. E, se tiver, que seja punido. Pelo menos, nos crimes mais graves. Eu defendo esse sistema.

Um recurso que se tornou praxe no Brasil nos últimos anos foi o uso da tornozeleira eletrônica, como forma de controlar os passos de réus e condenados. Mas é comum vermos pessoas com tornozeleiras cometendo crimes. Onde está a falha?

José Arimatéa – Quando o preso está no regime fechado, o Estado é 100% responsável por ele. Dá café da manhã, almoço, jantar e, em tese, garante sua segurança. A partir do momento em que esse preso sai para o regime semiaberto, as responsabilidades são divididas.

Ele precisa se recolher no horário certo, não pode viajar sem antes avisar o Juízo, enfim, tem uma série de deveres que precisa cumprir. Mas, infelizmente, alguns não cumprem essas regras, não seguem o contrato. E aí se envolvem em outros crimes, estragam a tornozeleira, não se recolhem no horário determinado, vão para festas, baladas...

O monitoramento precisa ser mais eficaz?

José Arimatéa – Quando a tornozeleira está funcionando, o monitoramento é eficaz, funciona, mas lógico que há falhas. Às vezes o sistema não funciona. Mas a proposta do sistema é muito boa e as falhas vão sendo resolvidas a partir do momento em que os problemas acontecem. Lidar com gente é complicado.

O senhor também tem a impressão de que as penas para crimes cometidos contra a mulher são muito brandas? Porque muitos homens cometem agressões, que deixam marcas físicas e psicológicas, e no final das contas pegam alguns meses de prisão, em regime aberto. Há casos em que a punição é revertida em alguma multa ou prestação de serviços. Não é a Justiça dizendo ao agressor que ele pode continuar agredindo, pois continuará impune?

José Arimatéa – Nessa semana a minha esposa estava comentando que queria ver o Joesley Batista [da empresa JBS] preso, porque é bandido demais, porque ele causou um dano muito grande ao País. Mas quando ela o viu preso, ficou com dó. Essa síndrome é uma coisa que a gente ganhou dos portugueses. Tem até uma poesia chamada "Fado Tropical", que em um determinado momento narra uma característica do português que o brasileiro também tem.

É assim: “Se a sentença se anuncia bruta. Mais que depressa a mão cega executa. Pois que senão o coração perdoa”. Por isso que nós raciocinamos diferente dos americanos. Para eles, se você agride uma mulher pode pegar 10 anos de cadeia. Aqui não.

Às vezes a própria agredida perdoa. É uma questão cultural. A área penal tem que impor mais rigor, obviamente, mas eu acredito que não se resolve só com isso. É preciso uma mudança cultural para não aceitarmos que um cidadão passe dois, três anos agredindo sua esposa, seus filhos, e pague somente uma cesta básica e o mal está reparado, em tese.

Essa complacência explica os assassinatos contra as mulheres?

José Arimatéa – Sim, porque o agressor pode se tornar um homicida. Se você trata com leniência o agressor, ele vai se sentir mais à vontade para causar uma lesão mais grave, até matar. Eu defendo que a pena para a agressão às mulheres seja mais rigorosa, mas também defendo um sistema prisional mais eficaz.

Se nós tivéssemos prisões realmente como deveriam ser, como determina a Lei de Execução Penal - com cela de dois ocupantes, por exemplo -, o juiz mandaria tranquilamente o agressor para cumprir uma pena de cinco anos, por exemplo. Mas pelo que vemos hoje, o juiz e a própria sociedade ficam constrangidos de mandar um agressor de violência doméstica ficar cinco anos na PCE [Penitenciária Central do Estado]. É desproporcional. Esse é o grande dilema que o juiz criminal vive hoje.

Por falar em impunidade, como o senhor viu a delação premiada do ex-governador Silval Barbosa? Ele é acusado de desviar bilhões dos cofres públicos, mas devolveu apenas R$ 70 milhões e não deverá mais voltar para a cadeia.

José Arimatéa – Essa questão da delação premiada é uma coisa relativamente nova no nosso sistema. É um instituto que está se aperfeiçoando à medida que vem sendo utilizado. Obviamente que há falhas, mas a premissa da delação premiada é muito boa, porque ela troca muitas vezes a pena pelo perdão para atingir um alvo muito maior. Em um caso de tráfico de entorpecentes, por exemplo, deixa de condenar o “aviãozinho” para pegar o grande traficante.

Eu tive um caso desse quando era juiz em Cacoal (RO). Na época nem se falava em delação, mas eu fiz um acordo com um cidadão que foi pego com 350 quilos de cocaína e ele entregou fazendeiros, delegado de polícia, policiais civis, grandes empresários, comerciantes.

Ou seja, pegamos pessoas com relevância muito maior que aquele mero transportador da droga. Eu acho que valeu a pena, sim.

Então, com relação ao Silval, se consolidar o tamanho do benefício que essa delação vai trazer para a sociedade mato-grossense de uma forma em geral, expulsando da política maus gestores, acho que compensa sim.

Como o senhor analisa os casos de corrupção envolvendo o Judiciário Estadual?

José Arimatéa – Nós ficamos constrangidos, até mais constrangidos do que a sociedade em geral.

Eu sempre falo: não é que o juiz seja melhor do que outro cidadão. O juiz é igual a qualquer cidadão, mas o nível de responsabilidade do magistrado é maior do que o cidadão comum.  O juiz tem que dar o exemplo. Então, quando acontece esse tipo de coisa, nós não temos a política de esconder. Inclusive, Mato Grosso é campeão em punir magistrados em desvios de conduta. Nenhum colega acoberta esse tipo de coisa.

Ainda existe comércio de decisões judiciais em Mato Grosso, as famosas vendas de sentenças?

José Arimatéa – Isso existe no País inteiro. Os juízes são seres humanos, não descemos do céu, não somos anjos de perfeição. Há denúncias até hoje e o Tribunal de Justiça tem agido com rigor com relação a isso. A própria associação é a primeira a querer que essas denúncias sejam investigadas com extremo rigor e que, caso sejam verdadeiras, que seja excluído da magistratura quem não é digno dela.

Não foi constrangedor para o Judiciário de Mato Grosso a divulgação dos chamados supersaláros de juízes. Inclusive, houve um que recebeu cerca de R$ 500 mil em um mês.

José Arimatéa – Era um direito e o CNJ, depois de 13 anos, liberou esse crédito trabalhista para ele.

Por Thaiza Assunção e Anselmo Pinto
Fonte: www.midianews.com.br
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