Precisamos falar sobre bullying com a mesma seriedade que falamos do vestibular

goo.gl/qaRvM1 | Se você foi vítima de bullying na escola e “não morreu”, pelo contrário, ficou “mais forte” e hoje é uma pessoa super bem-sucedida que aprendeu a superar as adversidades da vida graças às maldades a que foi submetido na escola, parabéns.

Mas saiba: você é a exceção, não a regra.

Geralmente o bullying deixa marcas negativas, que vão das lembranças ruins do período escolar – que deveria ser uma época recheada de boas recordações – e passam pela insegurança, por doenças como síndrome do pânico, depressão e outros bichos. E desde que vi na televisão que um estudante que seria vítima de bullying (note o verbo no condicional) disparou contra seus colegas dentro de uma sala de aula, em Goiânia, tenho lido uma série de ‘textões’ de amigos lembrando o quanto a escola foi um período de humilhações e sofrimentos. Nenhum deles sacou uma arma e matou ninguém, claro, mas um deles desabafou dizendo que era tão insuportável ser alvo de humilhações constantes que, se tivesse um revólver ao seu alcance, teria recorrido sim à violência, tamanho o seu desespero.

Uma amiga que passou anos sendo chamada de gorda (e de todos os apelidos que são dados a quem tem excesso de peso) contou que a escola era um lugar muito insuportável de frequentar. Ficou doente e começou a arrancar literalmente os cabelos, (prática conhecida por tricotilomania), ganhando, assim, mais apelidos, sendo vítima de mais violência e fazendo com que se isolasse ainda mais. Será que ninguém reparou que ela precisava de ajuda?

Eu mesma lembro de um menino que era muito humilhado no meu colégio. A escola toda sabia o que faziam com ele, mas nunca interveio. Um belo dia, esse garoto que sofria diariamente a fúria de seus colegas, caiu da escada em um episódio suspeitíssimo, quebrou o rosto inteiro, passou um tempão internado, teve de fazer plásticas reconstrutoras e, mesmo assim, a escola não deu um pio. “Esses adolescentes!”, deve ter pensado.

O mundo mudou, algumas escolas e alguns pais também. Mas precisa mudar ainda mais. Instituições que têm políticas e práticas ativas antibullying, muitas vezes, não são valorizadas pelos pais, que estão preocupados apenas com o desempenho acadêmico de crianças de 6, 7, 8 anos. Quando meu filho vai aprender a ler? Quando vai aprender a escrever, somar, subtrair, dividir e multiplicar?

Um dia participei de uma reunião de pais e fiquei encantada com uma história contada pela professora do meu filho, que está no 1º ano do ensino fundamental. Ela explicava um método adotado pela escola que, todas as semanas, reserva duas aulas às sextas-feiras para que as crianças falem sobre seus sentimentos. O esquema é fechar a porta da sala para que as crianças discutam questões que as afligem, em um ambiente seguro e protegido. É quase uma sessão de terapia, onde amizade, companheirismo, brigas, ciúmes e todas as questões de relacionamento são discutidos à exaustão.

Meus olhos brilharam quando percebi que tinha escolhido uma escola que levava o combate ao bullying tão a sério. Os de alguns outros pais também. Perguntei mais sobre o método e logo viajei pra minha adolescência: tudo teria sido diferente se alguém tivesse agido quando começaram a transformar a vida daquele menino em um inferno. Mas deixei minhas lembranças de lado assim que um pai começou a reclamar, achando as tais aulas uma bobagem sem tamanho. “Meu filho ainda não aprendeu tabuada!”, disse. “O primo dele que estuda no (nome de um colégio super tradicional de São Paulo)  já sabe até a tabuada do 7! Essa escola está muito atrasada!”

Muitos pais assentiram. E a professora foi obrigada a mudar de assunto para focar “no que realmente interessa”.

Um bom desempenho na matemática, a identificação correta de uma oração subordinada substantiva ou de um hidrocarboneto na química orgânica parecem ser as únicas coisas que encantam algumas famílias. Eu, particularmente, nunca ouvi nenhum pai ou mãe se vangloriando, em uma daquelas rodinhas de porta de escola, que o filho sabe resolver um conflito como ninguém, que estava em recuperação em relacionamentos mas, depois de uma intervenção certeira da família e da escola, tirou 10 em respeito às diferenças. Nunca. Mas deveríamos.

PS: Meus sentimentos e meu respeito às famílias das crianças mortas e feridas, à família do menino que atirou e a coordenadora do colégio que, habilmente, evitou que a tragédia fosse ainda maior. Todos são vítimas. Todos.

Por Rita Lisauskas
Fonte: emais.estadao.com.br
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