O 'Bicho' de Lygia Clarck e o episódio do homem nu - Por Antonio Luiz Rocha Pirola

goo.gl/kvqhRP | Lygia Clark, pseudônimo de Lygia Pimentel Lins, foi uma escultora brasileira de grande talento nascida em Belo Horizonte. Iniciou na arte da pintura no Rio de Janeiro sob a orientação do artista plástico Burle Marx. Em Paris teve a oportunidade de expor na Galeria do Institut Endoplastique. Também lecionou no curso de Comunicação gestual na Faculdade de Artes Plásticas St. Charles, na Sorbonne. Voltando para o Rio de Janeiro, inovou associando arte com terapia. [1]

O que se observa ao ler a biografia de Lygia Clarck não é apenas a sua criatividade artística, mas também o desejo de envolver positivamente o expectador com as obras da exposição. Dedicou-se ao estudo das possibilidades terapêuticas da arte sensorial e dos objetos relacionados, e desenvolveu experiências terapêuticas com seus alunos fazendo uso de objetos sensoriais. Passou a dar consultas terapêuticas particulares considerando seu trabalho definitivamente alheio à arte e próximo à psicanálise.

Lygia Clarck também lecionou no Instituto Nacional dos Cegos. Nesse contexto suas obras ganharam ainda mais significado. A série “Bicho”, por exemplo, é um conjunto de esculturas metálicas geométricas que se articulavam por meio de dobradiças. Ela inovou no sentido de buscar a participação do público com seu trabalho. O resultado não poderia ser outro, sua obra ganhou reconhecimento internacional com retrospectivas em diversas capitais internacionais. [2]

Mas qual a relação que o homem nu do Museu de Arte Moderna tem com as esculturas metálicas de Lygia Clarck? Apesar dos responsáveis pela exposição no Museu de Artes Modernas afirmarem em nota que o desempenho do homem nu realmente era uma leitura interpretativa da série “Bicho”, de Lygia Clark, sobre a manipulação de objetos articuláveis, não é possível deixar de enxergar o conteúdo libidinoso da apresentação “cultural”. O homem nu interagindo com crianças dentro do museu, por mais que alguém possa achar interessante e inovador não tem nada de pedagógico, terapêutico ou artístico. Vencida a curiosidade inicial nada resta de proveitoso. Os sentimentos que são despertados ao invés de aproximar afastam as pessoas da arte e do museu. O bom senso cabe em qualquer lugar. Atos de libidinagem com crianças, dentro e fora do museu, acompanhado ou não de seus pais, é crime e se espera que continue sendo.

O artista tem liberdade para criar e o museu liberdade para expor, mas é imperativo que ambos se abstenham de condutas criminosas e nem com elas compactuem. O limite que se impõe não é na arte propriamente dita, mas decorre do respeito e da obediência à lei. Esse é um dever de todo cidadão. O artista tem a sua importância para a sociedade, mas o bom senso sugere que ele se revista de um mínimo de humildade e reconheça que embora possa ter um dom artístico, não é um ser superior e nem está acima da lei.

Alguém que comentou um dos meus artigos, respeitosamente argumentou que na sua visão a arte não tem ética, e vê com preocupação o estabelecimento de algum tipo de patrulhamento acerca do que é moral e do que atende aos bons costumes em se tratando da seara artística. Contudo, embora tenha respeito pela opinião deste interlocutor, nós não podemos deixar de considerar que a ética tem sido o principal regulador do desenvolvimento histórico-cultural da humanidade. Sem ética, ou seja, sem a referência aos princípios e valores humanitários fundamentais comuns a todos os povos, nações, religiões etc a humanidade já teria se despedaçado até a autodestruição. É verdade que a arte não deve ser aprisionada, antes deve andar de mãos dadas com a liberdade de expressão. No entanto, liberdade de expressão não é liberdade de fazer qualquer coisa. A arte não deve tornar-se, por exemplo, uma ferramenta de erotização dos infantes ou de degradação moral da sociedade, antes um meio de propiciar e fortalecer a educação, incentivar os bons costumes e despertar nas crianças um verdadeiro interesse pelas artes, mas de forma sadia e responsável.

Como já era de se esperar houve manifestação de artistas, filósofos e outros em apoio ao Museu de Artes Modernas. Mas como defender o que é indefensável? Bem, na falta de argumento sobra arrogância. Na defesa do artista nu que interage com crianças, certo filósofo publicou um artigo na internet em que dizia que o mundo da arte pertence a uma elite. Essa elite ele chama de escolarizados. Segundo ele só os escolarizados conseguem ver no homem nu uma autentica Lygia Clarck. Os outros que reclamaram não poderiam mesmo entrar no museu, pois não teriam educação para tal, diz ele. [3]

Contudo, a despeito da reação dos famosos e da arrogância de alguns filósofos, deve-se considerar que embora a arte produzida por um ser humano tenha o seu valor, ela não pode se sobrepor ao próprio ser humano ou a Deus. Pessoas são mais importantes que objetos. Crianças são mais importantes que esculturas. Os bons costumes são mais uteis que a pornografia e a libidinagem. As obras de Lygia Clarck e a forma como foram originalmente expostas e utilizadas, com certeza teriam um efeito mais didático para as crianças que visitaram o museu, do que a apresentação do homem nu.

A inocência das nossas Crianças é a melhor arte, aquela que se deve defender, apreciar, preservar e aprender com ela. Evan do Carmo, um poeta paraibano escreveu: “O que me encanta nas crianças é a inocência, nos homens a decência e nas mulheres a inteligência”. Definitivamente, essas coisas não podem ser jogadas no lixo em nome de uma ideologia. [4]

Queiram desculpar, mas eu não vou vender a minha alma para parecer uma pessoa mais inteligente ou sensível à arte. Eu não negocio valores e princípios que dão dignidade ao ser humano e nos protege da degradação. A minha sensibilidade diz que aquilo que aconteceu no Museu de Artes Modernas não é arte, e que erotização infantil, pedofilia ou atos libidinosos com crianças devem ser combatidos com todas as nossas forças. Parabéns ao Ministério Público de São Paulo que abriu investigação para apurar as denuncias.
______________________________________
Referências:

[1] FRAZÃO, Dilva. Resumo da Biografia de Lygia Clark. Disponível em: https://www.ebiografia.com/lygia_clark/. Acesso em: 03 out. 2017.

[2] Ibidem FRAZÃO, 2017.

[3] GHIRALDELLI JR, Paulo. O que é “Bicho”, de Lygia Clark?. Disponível em: http://ghiraldelli.pro.br/arte/o-queebicho-de-lygia-clark.html. Acesso em: 03 out. 2017.

[4] KDFRASES. Frases de Evan do Carmo. Disponível em: https://kdfrases.com/usuario/evan/frase/3989. Acesso em: 03 out 2017.

Por Antonio Luiz Rocha Pirola
Fonte: Jus Brasil
Anterior Próxima