Financiamento imobiliário: donos de imóveis quitados vão à Justiça contra nova dívida

goo.gl/1oY7L1 | Imagine o alívio de chegar ao fim do financiamento imobiliário depois de longos 20 anos pagando prestações mensais. Esse era o sentimento do engenheiro Armando Baptista Castanheira, de 50 anos, depois de duas décadas. Mas a alegria só durou até ele receber uma comunicação de que ainda devia ao banco um montante equivalente à metade do valor do imóvel. O pesadelo não parou por aí. Além de um saldo devedor de mais R$ 200 mil, a instituição financeira apresentou uma opção de parcelamento em apenas 60 meses, com parcelas de R$ 5 mil (o cálculo da mensalidade leva em consideração os juros do novo crédito).



Armando tem um saldo devedor de R$ 200 mil após pagar o imóvel em Niterói por 20 anos

Armando — que comprou um apartamento de dois quartos e 60 metros quadrados em Icaraí, Niterói — está entre os cerca de 45 mil consumidores, segundo dados da empresa de cobrança EMGEA, que assinaram contratos antigos de financiamento de imóveis pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH), sem a cláusula de garantia de cobertura pelo Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS). Estes acordos tinham previsão de cobrança de um saldo residual, referente à atualização de taxas e encargos não pagos ao longo do financiamento. Os contratos foram firmados com a Caixa Econômica.

— Não tenho condições de pagar uma prestação de R$ 5 mil por mês. Antes de o financiamento acabar, eu pagava R$ 800. Contratei um perito para calcular o que realmente eu devo. Sei que o contrato tinha previsão de saldo residual, mas vou contestar o tamanho da dívida na Justiça — declarou Armando.

— O entendimento da Justiça é que, se havia previsão de resíduo, o mutuário deve suportar o pagamento, mas é possível questionar o índice de correção utilizado pela instituição financeira — disse a advogada Lizia Jacintho, presidente da Associação de Mutuários do Rio (AmuRio).

Caixa repassou a cobrança



A Caixa Econômica Federal informou que a empresa Emgea adquiriu contratos firmados no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e do Sistema Hipotecário (SH) até 1994, para efetuar as cobranças. A empresa informou que o saldo residual é o resultado do desequilíbrio entre o reajuste do saldo devedor pelos encargos contratuais e o aumento das prestações mensais. Ainda segundo a EMGEA, a companhia adota uma política de conciliação de cobrança. De acordo com especialistas, porém, um dos problemas do saldo residual é que o valor não respeita o limite máximo de comprometimento da renda mensal familiar com a prestação, que é de 30%.

O advogado e consultor financeiro Ronaldo Gotlib alerta que as ações são individuais, e que cada mutuário que receber uma cobrança dessa natureza deve recorrer à Justiça para discutir o caso.

— No passado, os contratos tinham mais de um indexador para as correções das mensalidades e do saldo devedor. Alguns tinham a previsão de reajuste da prestação de acordo com o valor do salário, mas a dívida (saldo devedor) era reajustada pelo rendimento da caderneta de poupança ou outro indicador — disse o advogado.

A possibilidade de ingressar com um processo na Justiça, no entanto, deve ser analisada com cuidado.

— Uma ação judicial tem custos para um mutuário que tem uma cobrança elevada a ser paga — concluiu Vinícius Zwarg, sócio do Baggio & Associados.

Entrevista: Livia Coelho, advogada e representante da Proteste

Pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), se os valores se mostrarem excessivamente onerosos, essas cláusulas de atualização e correção podem ser consideradas nulas, por se presumir exagerada a vantagem por parte do fornecedor.

Como esse cálculo pode ser revisado?

Além do trabalho do perito especialista, o consumidor deve analisar as prestações que ele pagava antes, durante o financiamento, e o valor total do imóvel, comparando com o saldo residual que está sendo cobrado agora. Se o advogado analisar a natureza do contrato e as cláusulas de atualização na Justiça, há grandes chances de conseguir alterar isso no Judiciário. É preciso ainda levar em consideração e deixar claro essa vulnerabilidade do consumidor, na relação com a instituição financeira.

O fato de a Caixa ter repassado a cobrança para outra empresa altera o processo?

Não. O contrato foi feito com a Caixa e, nesses casos, ela será a parte acionada. A cobrança foi uma negociação do banco com outra instituição, mas o financiamento imobiliário é da Caixa.

Saiba mais

Contratos

Os contratos com previsão de cobrança de saldo residual foram assinados entre 1988 e 1994, e os processos estão chegando à Justiça por causa do término dos financiamentos com prazos de 20 a 25 anos.

Jurisprudência

Em 2014, a Justiça Federal chegou a suspender a cobrança do saldo residual, mas, no mesmo ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a cobrança era lícita e havia previsão contratual para o pagamento do resíduo. Embora haja jurisprudência nesse sentido, especialistas recomendam a revisão dos valores, das taxas e dos índices usados no cálculo da instituição financeira.

Argumentos

Para o advogado Vinícius Zwarg, especialistas Direito Imobiliário e do Consumidor, no STJ, a interpretação foi legalista e com base nas cláusulas do contrato, o que pode dificultar o pedido do mutuário. Mas os argumentos em favor do consumidor podem ser ausência de transparência, erro de cálculo, cobrança acessória ou necessidade de readequação para reequilíbrio das bases de contrato.

Por Pollyanna Brêtas
Fonte: extra.globo.com
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