goo.gl/pkYEzq | A presunção de veracidade da palavra de policiais não é absoluta. Por isso, se a acusação não apresentar provas do que alega, prevalece a presunção de inocência. Foi o que decidiu o juiz Carlos Eduardo Oliveira de Alencar, da 31ª Vara Criminal de São Paulo, ao desclassificar acusação de tráfico qualificado.
O réu foi preso em flagrante por policiais militares das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota) com quatro tijolos de maconha, diversas pequenas porções da droga, 4 gramas de cocaína e R$ 437. Em depoimento, os agentes afirmaram que chegaram ao acusado após denúncia anônima feita diretamente à PM.
Disseram que o suposto denunciante afirmou ter visto um homem procurado pela Justiça na região. Por conta disso, foram ao local onde as drogas foram encontradas. As substâncias, segundo os policiais, estavam guardadas no carro do acusado e em seu apartamento, onde, afirmaram, entraram com autorização da mulher do réu.
Na denúncia, o Ministério Público de São Paulo chancelou as informações prestadas pelos agentes e afirmou que “o indiciado confessou informalmente que mantinha aqueles entorpecentes para o comércio ilegal”. “A quantidade, a natureza das drogas apreendidas, a forma como estavam embaladas, o local dos fatos, o comportamento do agente, bem como o dinheiro encontrado, proveniente do tráfico, indicam claramente destinarem-se os entorpecentes ao comércio ilícito”, argumentou.
Durante a audiência de instrução, um dos advogados do réu, Jacob Filho, questionou a veracidade da história dos policiais, principalmente a autorização dada pela mulher do acusado aos policiais e a denúncia anônima. Ele, então, pediu cópia do relato dado aos policiais.
“Neste exato momento a defesa acaba de ligar no número fornecido pelo policial e fomos informados que tal número não recebe denúncias anônimas”, disse na audiência. “Vale ressaltar que a defesa não busca saber os dados do denunciante, tão somente quer saber o porquê uma denúncia anônima foi realizada junto a Rota e o porquê de tais policiais diligenciaram mais de 40 km em busca de um indivíduo em situação de foragido”, complementou.
Afirmando que os policiais que atuaram na ocorrência mentiram “deslavadamente”, o advogado destacou que o réu foi extorquido pelos agentes. Na sessão, o acusado permaneceu algemado todo o tempo, porque, de acordo com o juiz responsável, a medida foi necessária para “manter a integridade física" dos presentes, pois o acusado sentou “na mesma mesa em que estão os advogados e representante do Ministério Público, ficando próximo da vítima e outras pessoas que devem ser inquiridas”
Na audiência seguinte as algemas foram mantidas, dessa vez sob a justificativa de falta de efetivo policial suficiente: “a movimentação de presos neste fórum criminal é grande. Porém, é pequeno o número de policiais militares à disposição para escolta e segurança das centenas de pessoas que circulam diariamente pelo prédio. Tal situação é perigosa para a incolumidade do público, de funcionários, advogados e autoridades que circulam e trabalham no prédio em contato direto com presos”.
Ele também acusou os policiais militares de ameaça e abuso de autoridade. Os agentes, de acordo o acusado, teriam obrigado sua mulher a ficar no banheiro durante toda a diligência e o teriam ameaçado de agressão caso ele gritasse. Durante a revista no carro, continuou, foi obrigado a ficar de costas para os agentes enquanto ocorria averiguação.
Para o juiz que presidiu essa sessão, a palavra dos agentes de segurança merece ser considerada acima de qualquer dúvida “porque não haveria razão para policiais acusarem injustamente o réu se sequer o conheciam e este nada alegou contra eles”. “Vale mencionar a jurisprudência pacífica no sentido de que os depoimentos de policiais devem ser tidos como verdadeiros, até que se prove o contrário”, afirmou o juízo.
Esse entendimento foi criticado pelo outro advogado do réu, Paulo Tamer. Ele afirmou que as dúvidas sobre a legalidade da operação policial existem desde a prisão em flagrante. Citou como exemplos o fato de os policiais terem feito a diligência sem o sobrenome do réu e a ausência de pedido mandado de prisão contra o acusado à central da PM.
O advogado também estranhou que nenhum dos policiais soube dizer exatamente quem acompanhou a revista na casa do acusado. “A total ilegalidade da ação policial nos permite não apenas alegar a real ilicitude da prova arrecadada por estes meios, mas requerer instauração de inquérito policial em face dos policiais, pelos crimes de falso testemunho, falsidade ideológica (pois fizeram constar em documento publico informação que sabiam ser falsa), invasão de domicilio, ameaça”, afirmou.
Por conta disso, ele desclassificou o delito de tráfico e impôs ao acusado pena de advertência sobre os efeitos das drogas. “Restou incontroverso que o réu tinha em seu poder, quando abordado por policiais militares, no interior de sua residência, parte do entorpecente indicado na denúncia [seis porções de cocaína e uma de maconha], guardado na gaveta do armário, e que se destinava a seu consumo pessoal.”
O magistrado destacou ainda que um dos policiais que atuou na operação “reconheceu não ter confirmado, antes de se dirigir à residência do réu e investigar a procedência da denúncia anônima, a existência ou não de mandado de prisão expedido contra o réu”. “E, de fato, não há”, complementou.
O magistrado também apontou algumas lacunas na história contada pelos policiais, por exemplo, a ausência do nome da síndica do condomínio, que teria permitido a entrada no prédio; a falta de indicação sobre quem acompanhou a busca na residência do réu e as razões para as buscas na casa e no carro do acusado.
“Tratando-se de denúncia anônima sobre pessoa procurada da justiça, inexistia motivo prévio à busca (bastaria que conduzissem o "procurado" ao distrito policial) [...] Se não havia mandado de prisão a ser cumprido, também não havia razão para o ingresso de policiais na residência do réu, sem que houvesse patente violação da garantia constitucional da inviolabilidade de domicílio”, afirmou.
O juiz explicou que o contexto apresentado ao juízo mostra que a versão do réu é “perfeitamente plausível”, tendo sido confirmada pelas próprias circunstâncias, e que a história contada pelos policiais, “que tem interesse em dar contornos de legalidade à sua atuação”, não. “No conflito entre a garantia constitucional de presunção de inocência e a presunção de veracidade e legalidade do ato praticado por um agente policial, deve-se, na falta de efetiva comprovação do ato da autoridade, prestigiar a primeira”, finalizou.
Por Brenno Grillo
Fonte: Conjur
O réu foi preso em flagrante por policiais militares das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota) com quatro tijolos de maconha, diversas pequenas porções da droga, 4 gramas de cocaína e R$ 437. Em depoimento, os agentes afirmaram que chegaram ao acusado após denúncia anônima feita diretamente à PM.
Disseram que o suposto denunciante afirmou ter visto um homem procurado pela Justiça na região. Por conta disso, foram ao local onde as drogas foram encontradas. As substâncias, segundo os policiais, estavam guardadas no carro do acusado e em seu apartamento, onde, afirmaram, entraram com autorização da mulher do réu.
Na denúncia, o Ministério Público de São Paulo chancelou as informações prestadas pelos agentes e afirmou que “o indiciado confessou informalmente que mantinha aqueles entorpecentes para o comércio ilegal”. “A quantidade, a natureza das drogas apreendidas, a forma como estavam embaladas, o local dos fatos, o comportamento do agente, bem como o dinheiro encontrado, proveniente do tráfico, indicam claramente destinarem-se os entorpecentes ao comércio ilícito”, argumentou.
Durante a audiência de instrução, um dos advogados do réu, Jacob Filho, questionou a veracidade da história dos policiais, principalmente a autorização dada pela mulher do acusado aos policiais e a denúncia anônima. Ele, então, pediu cópia do relato dado aos policiais.
“Neste exato momento a defesa acaba de ligar no número fornecido pelo policial e fomos informados que tal número não recebe denúncias anônimas”, disse na audiência. “Vale ressaltar que a defesa não busca saber os dados do denunciante, tão somente quer saber o porquê uma denúncia anônima foi realizada junto a Rota e o porquê de tais policiais diligenciaram mais de 40 km em busca de um indivíduo em situação de foragido”, complementou.
Afirmando que os policiais que atuaram na ocorrência mentiram “deslavadamente”, o advogado destacou que o réu foi extorquido pelos agentes. Na sessão, o acusado permaneceu algemado todo o tempo, porque, de acordo com o juiz responsável, a medida foi necessária para “manter a integridade física" dos presentes, pois o acusado sentou “na mesma mesa em que estão os advogados e representante do Ministério Público, ficando próximo da vítima e outras pessoas que devem ser inquiridas”
Na audiência seguinte as algemas foram mantidas, dessa vez sob a justificativa de falta de efetivo policial suficiente: “a movimentação de presos neste fórum criminal é grande. Porém, é pequeno o número de policiais militares à disposição para escolta e segurança das centenas de pessoas que circulam diariamente pelo prédio. Tal situação é perigosa para a incolumidade do público, de funcionários, advogados e autoridades que circulam e trabalham no prédio em contato direto com presos”.
Presunção de veracidade
Ao ser interrogado, o réu alegou que a entrada dos policiais em sua casa não foi permitida por sua esposa, que, disse, foi proibida de acompanhá-lo até a delegacia sob ameaça de também ser presa por tráfico de drogas. O acusado admitiu a posse de parte da droga (seis pequenas porções de cocaína e uma de maconha), mas alegou que as substâncias eram para consumo próprio, não para venda.Ele também acusou os policiais militares de ameaça e abuso de autoridade. Os agentes, de acordo o acusado, teriam obrigado sua mulher a ficar no banheiro durante toda a diligência e o teriam ameaçado de agressão caso ele gritasse. Durante a revista no carro, continuou, foi obrigado a ficar de costas para os agentes enquanto ocorria averiguação.
Para o juiz que presidiu essa sessão, a palavra dos agentes de segurança merece ser considerada acima de qualquer dúvida “porque não haveria razão para policiais acusarem injustamente o réu se sequer o conheciam e este nada alegou contra eles”. “Vale mencionar a jurisprudência pacífica no sentido de que os depoimentos de policiais devem ser tidos como verdadeiros, até que se prove o contrário”, afirmou o juízo.
Esse entendimento foi criticado pelo outro advogado do réu, Paulo Tamer. Ele afirmou que as dúvidas sobre a legalidade da operação policial existem desde a prisão em flagrante. Citou como exemplos o fato de os policiais terem feito a diligência sem o sobrenome do réu e a ausência de pedido mandado de prisão contra o acusado à central da PM.
O advogado também estranhou que nenhum dos policiais soube dizer exatamente quem acompanhou a revista na casa do acusado. “A total ilegalidade da ação policial nos permite não apenas alegar a real ilicitude da prova arrecadada por estes meios, mas requerer instauração de inquérito policial em face dos policiais, pelos crimes de falso testemunho, falsidade ideológica (pois fizeram constar em documento publico informação que sabiam ser falsa), invasão de domicilio, ameaça”, afirmou.
Operação ilegal
Na sentença, Carlos Eduardo Oliveira de Alencar explicou que a instrução processual não demonstrou que o réu praticou o crime pelo qual foi acusado. Segundo o juiz, a ação da policia foi “conduzida sem a observância dos ditames legais”, o que retira “a credibilidade que mereceria o depoimento de um agente da lei”.Por conta disso, ele desclassificou o delito de tráfico e impôs ao acusado pena de advertência sobre os efeitos das drogas. “Restou incontroverso que o réu tinha em seu poder, quando abordado por policiais militares, no interior de sua residência, parte do entorpecente indicado na denúncia [seis porções de cocaína e uma de maconha], guardado na gaveta do armário, e que se destinava a seu consumo pessoal.”
O magistrado destacou ainda que um dos policiais que atuou na operação “reconheceu não ter confirmado, antes de se dirigir à residência do réu e investigar a procedência da denúncia anônima, a existência ou não de mandado de prisão expedido contra o réu”. “E, de fato, não há”, complementou.
O magistrado também apontou algumas lacunas na história contada pelos policiais, por exemplo, a ausência do nome da síndica do condomínio, que teria permitido a entrada no prédio; a falta de indicação sobre quem acompanhou a busca na residência do réu e as razões para as buscas na casa e no carro do acusado.
“Tratando-se de denúncia anônima sobre pessoa procurada da justiça, inexistia motivo prévio à busca (bastaria que conduzissem o "procurado" ao distrito policial) [...] Se não havia mandado de prisão a ser cumprido, também não havia razão para o ingresso de policiais na residência do réu, sem que houvesse patente violação da garantia constitucional da inviolabilidade de domicílio”, afirmou.
O juiz explicou que o contexto apresentado ao juízo mostra que a versão do réu é “perfeitamente plausível”, tendo sido confirmada pelas próprias circunstâncias, e que a história contada pelos policiais, “que tem interesse em dar contornos de legalidade à sua atuação”, não. “No conflito entre a garantia constitucional de presunção de inocência e a presunção de veracidade e legalidade do ato praticado por um agente policial, deve-se, na falta de efetiva comprovação do ato da autoridade, prestigiar a primeira”, finalizou.
Por Brenno Grillo
Fonte: Conjur