goo.gl/ckJ2Zy | A ideia desse texto veio com a notícia de que um motorista que causou um acidente de trânsito e matou, culposamente, 04 pessoas, teve a prisão em flagrante convertida em preventiva (clique aqui para ter acesso a notícia).
A autuação dele foi pela prática do crime tipificado no artigo 302 (4x) da Lei 9.503/97, ou seja, 04 homicídios culposos na direção de veículo automotor.
Encaminhado à audiência de custódia, a sua prisão em flagrante foi convertida em prisão preventiva.
Mas será que nossa legislação permite a prisão preventivas em casos como esse?
E mais, será que caberia prisão em flagrante?
Nesse sentido, nos crimes de trânsito é necessário analisar, além dos requisitos do Código de Processo Penal, o Código de Trânsito, mais especificamente o artigo 301 da Lei 9.503/97, segundo o qual:
Ao condutor de veículo, nos casos de acidentes de trânsito de que resulte vítima, não se imporá a prisão em flagrante, nem se exigirá fiança, se prestar pronto e integral socorro àquela.
Desse modo, em se tratando de hipóteses em que o condutor prestar pronto e integral socorro à vítima, não há que se falar em prisão em flagrante.
No caso em análise não houve pronto e integral socorro às vítimas, mas não por falta de vontade do condutor e sim por total impossibilidade de se fazer, visto que os veículos pegaram fogo.
Apesar de o condutor não prestar o socorro, diante da impossibilidade de fazê-lo, não se ausentou do local, tampouco buscou se esquivar de eventuais reaponsabilidades.
Assim, a dúvida que fica é: poderia ter sido realizada a sua prisão em flagrante ou seria possível enquadrar a hipótese nas determinações contidas no artigo 301 do Código de Trânsito?
Em se entendendo pela possibilidade da prisão em flagrante, poderia ela ser convertida em preventiva?
Para tanto, necessária a leitura do artigo 313, inciso I, do Código de Processo Penal, senão vejamos:
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:
I – nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;
Portanto um dos requisitos para a decretação de uma prisão preventiva é a prática de um crime doloso. No caso em análise é um crime culposo e, portanto, fora do rol dos requisitos para a prisão preventiva.
A lógica desse raciocínio está no fato de que os crimes culposos em hipótese alguma geram uma pena de prisão.
De acordo com o artigo 44 do Código Penal:
As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)
I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;
Logo, se a pena definitiva do crime não é de prisão, como admitir uma medida cautelar mais gravosa que a definitiva?
O STF, inclusive, já decidiu nesse sentido:
HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO CULPOSO. PRISÃO PREVENTIVA. NÃO CABIMENTO. ILEGALIDADE DA MEDIDA. RELATIVIZAÇÃO DO ÓBICE PREVISTO NA SÚMULA 691/STF. ORDEM CONCEDIDA. I. Homicídio culposo na direção de veículo automotor, sem prestação de socorro à vitima. Conduta tipificada no art. 302 , parágrafo único , III , da Lei 9.503 /97. II. Acusado que, citado por edital, não comparece em Juízo nem indica advogado para apresentação de defesa preliminar. Decreto de prisão preventiva do paciente, com fundamento no art. 366 , parte final, do Código de Processo Penal , para garantia da aplicação da lei penal. III. Ilegalidade da medida. Consoante o disposto no art. 313 do referido código, somente se admite a imposição de prisão preventiva em face de imputação da prática de crimes dolosos. IV. Hipótese em que, consoante jurisprudência iterativa da Corte, admite-se a relativização do óbice previsto na Súmula 691/STF. V. Ordem de habeas corpus concedida, para cassar a decisão mediante a qual foi decretada a prisão cautelar do paciente. (STF – HC 116504; SEGUNDA TURMA; DJ 20/08/13; RELATOR MIN RICARDO LEWANDOWSKI)
Devo mencionar que há quem entenda pela possibilidade da preventiva em duas hipóteses: 1) Na hipótese do parágrafo único do artigo 313, do CPP; e 2) Quando houver descumprimento das medidas cautelares.
Ocorre que, como já mencionado, se a pena definitiva não acarretará prisão, a medida cautelar não pode ser mais gravosa, impedindo, assim, a prisão preventiva.
Portanto, trata-se, a decretação da prisão preventiva em um crime culposo, de uma medida ilegal e arbitrária, devendo ter sido aplicadas medidas cautelares diversas da prisão, como a fiança e a suspensão do direito de dirigir, por exemplo.
O Judiciário apura a prática de condutas contrárias a legislação, mas ele próprio não precisa seguir o que estabelece a lei?
Ao que tudo indica, a decisão que decretou a prisão preventiva do motorista acusado de praticar homicídio culposo foi baseada no clamor popular e no medo da reação social do que na legislação em vigor, o que é triste e demonstra que as leis só servem para serem aplicadas quando bem querem.
Por Pedro Magalhães Ganem
Fonte: Jus Brasil
A autuação dele foi pela prática do crime tipificado no artigo 302 (4x) da Lei 9.503/97, ou seja, 04 homicídios culposos na direção de veículo automotor.
Encaminhado à audiência de custódia, a sua prisão em flagrante foi convertida em prisão preventiva.
Mas será que nossa legislação permite a prisão preventivas em casos como esse?
E mais, será que caberia prisão em flagrante?
Nesse sentido, nos crimes de trânsito é necessário analisar, além dos requisitos do Código de Processo Penal, o Código de Trânsito, mais especificamente o artigo 301 da Lei 9.503/97, segundo o qual:
Ao condutor de veículo, nos casos de acidentes de trânsito de que resulte vítima, não se imporá a prisão em flagrante, nem se exigirá fiança, se prestar pronto e integral socorro àquela.
Desse modo, em se tratando de hipóteses em que o condutor prestar pronto e integral socorro à vítima, não há que se falar em prisão em flagrante.
No caso em análise não houve pronto e integral socorro às vítimas, mas não por falta de vontade do condutor e sim por total impossibilidade de se fazer, visto que os veículos pegaram fogo.
Apesar de o condutor não prestar o socorro, diante da impossibilidade de fazê-lo, não se ausentou do local, tampouco buscou se esquivar de eventuais reaponsabilidades.
Assim, a dúvida que fica é: poderia ter sido realizada a sua prisão em flagrante ou seria possível enquadrar a hipótese nas determinações contidas no artigo 301 do Código de Trânsito?
Em se entendendo pela possibilidade da prisão em flagrante, poderia ela ser convertida em preventiva?
Para tanto, necessária a leitura do artigo 313, inciso I, do Código de Processo Penal, senão vejamos:
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:
I – nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;
Portanto um dos requisitos para a decretação de uma prisão preventiva é a prática de um crime doloso. No caso em análise é um crime culposo e, portanto, fora do rol dos requisitos para a prisão preventiva.
A lógica desse raciocínio está no fato de que os crimes culposos em hipótese alguma geram uma pena de prisão.
De acordo com o artigo 44 do Código Penal:
As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)
I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;
Logo, se a pena definitiva do crime não é de prisão, como admitir uma medida cautelar mais gravosa que a definitiva?
O STF, inclusive, já decidiu nesse sentido:
HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO CULPOSO. PRISÃO PREVENTIVA. NÃO CABIMENTO. ILEGALIDADE DA MEDIDA. RELATIVIZAÇÃO DO ÓBICE PREVISTO NA SÚMULA 691/STF. ORDEM CONCEDIDA. I. Homicídio culposo na direção de veículo automotor, sem prestação de socorro à vitima. Conduta tipificada no art. 302 , parágrafo único , III , da Lei 9.503 /97. II. Acusado que, citado por edital, não comparece em Juízo nem indica advogado para apresentação de defesa preliminar. Decreto de prisão preventiva do paciente, com fundamento no art. 366 , parte final, do Código de Processo Penal , para garantia da aplicação da lei penal. III. Ilegalidade da medida. Consoante o disposto no art. 313 do referido código, somente se admite a imposição de prisão preventiva em face de imputação da prática de crimes dolosos. IV. Hipótese em que, consoante jurisprudência iterativa da Corte, admite-se a relativização do óbice previsto na Súmula 691/STF. V. Ordem de habeas corpus concedida, para cassar a decisão mediante a qual foi decretada a prisão cautelar do paciente. (STF – HC 116504; SEGUNDA TURMA; DJ 20/08/13; RELATOR MIN RICARDO LEWANDOWSKI)
Devo mencionar que há quem entenda pela possibilidade da preventiva em duas hipóteses: 1) Na hipótese do parágrafo único do artigo 313, do CPP; e 2) Quando houver descumprimento das medidas cautelares.
Ocorre que, como já mencionado, se a pena definitiva não acarretará prisão, a medida cautelar não pode ser mais gravosa, impedindo, assim, a prisão preventiva.
Portanto, trata-se, a decretação da prisão preventiva em um crime culposo, de uma medida ilegal e arbitrária, devendo ter sido aplicadas medidas cautelares diversas da prisão, como a fiança e a suspensão do direito de dirigir, por exemplo.
O Judiciário apura a prática de condutas contrárias a legislação, mas ele próprio não precisa seguir o que estabelece a lei?
Ao que tudo indica, a decisão que decretou a prisão preventiva do motorista acusado de praticar homicídio culposo foi baseada no clamor popular e no medo da reação social do que na legislação em vigor, o que é triste e demonstra que as leis só servem para serem aplicadas quando bem querem.
Por Pedro Magalhães Ganem
Fonte: Jus Brasil