goo.gl/WUgF8M | Em seminário recente organizado pela Anamatra, diversos profissionais, dentre eles juízes trabalhistas, advogados e membros do Ministério Público do Trabalho, reuniram-se para discutir a reforma trabalhista, que entrará em vigor no mês que vem. Pelo que se tem noticiado acerca desse evento, teses que apontam aspectos ilegítimos da reforma contaram com considerável respaldo dos participantes. Isso pode preocupar alguns setores, tendo em vista que tais juízes, em poucas semanas, serão os responsáveis pela aplicação da nova lei.
Como a existência do controle difuso-incidental torna cada membro do Judiciário um juiz constitucional, vislumbra-se uma potencial e inusitada reação em cadeia contra a reforma trabalhista. Diante disso, em um cenário marcado por severas críticas a ativismos judiciais excessivos, sobretudo no âmbito do STF, a atuação articulada dos magistrados trabalhistas parece elevar o tom da juristocracia, acirrando ainda mais os ânimos na política. Afinal, veremos uma desobediência judicial à reforma trabalhista? Tal atitude não ofende os pilares de uma democracia, subvertendo-a no tão temido governo dos juízes?
Essa situação nos remete ao conhecido debate em torno da adequação da jurisdição constitucional com o regime democrático, o que, no limite, diz respeito à relação entre constitucionalismo e democracia. A teoria constitucional o enfrenta há muito tempo. Um ponto de partida relevante é perceber as implicações institucionais do paradigma do Estado Democrático de Direito (ou democracia constitucional) emergente na segunda metade do século passado. Sem essa perspectiva, bem destaca Maurizio Fioravanti[1], continuamos herdeiros de uma tradição iluminista e codicista que nos faz enxergar o novo papel dos juízes sempre como uma anomalia.
Ocorre que estamos diante de uma engenharia constitucional mais complexa, apoiada em uma estrutura política reinventada. Em outras palavras, tem-se experimentado uma gradativa transformação constitucional. Nesse sentido, a ideia de democracia é revista na medida em que não mais convence o dogma de que os Parlamentos refletem uma suposta vontade geral, que se traduz na infalibilidade das leis. Os direitos de participação política, as eleições periódicas, consultas populares, leis gerais e abstratas não simbolizam mais a garantia absoluta de proteção dos direitos e liberdades individuais, garantia esta nunca concretizada, tendo em vista que cada época apresenta a sua própria assimetria de forças entre os grupos representados ou não representados pela política formal.
Lembra Luigi Ferrajoli que o nazismo e o fascismo se “apropriaram do poder por intermédio de formas legais e depois o consignaram 'democraticamente' e tragicamente a um líder que suprimiu a democracia”[2]. Em razão de experiências traumáticas como essas, como desdobramento institucional das democracias constitucionais, verificou-se a expansão e consolidação da jurisdição constitucional em vários países. Os tribunais se tornaram o novo lócus de contenção das maiorias políticas ocasionais, especialmente quando ameaçam direitos fundamentais. É dizer, tais direitos consubstanciam a esfera do indecidível, ou seja, aquilo que está fora do varejo da política ordinária. O we the people, traduzido nos recentes pactos constitucionais, prevalece sobre o we the politicians[3].
Não obstante o inegável percurso que conduziu ao empoderamento dos juízes e tribunais nas democracias contemporâneas, como a brasileira, é recomendável cautela para evitar cair no discurso fácil e sedutor de que temos um Poder Judiciário convertido em vanguarda iluminista. Isso acarretaria o deslocamento da tradicional infalibilidade das leis para a infalibilidade judicial. Seria a troca de uma ilusão por outra. Em um breve olhar na prática judicial brasileira, percebe-se que há várias disfunções que precisam ser corrigidas e que arranham a legitimidade dos juízes. Podemos ilustrar com alguns exemplos: voluntarismos judiciais, distorções semânticas da linguagem jurídica, desconsideração da doutrina, instabilidade da jurisprudência , politização da Justiça, atuações ativistas quando o adequado seria prudência, omissões quando o necessário seria o protagonismo e, não menos importante, os traços oligárquicos que ainda fortemente marcam o Poder Judiciário[4].
No lugar, portanto, de persistir na (eterna) discussão a respeito da (i) legitimidade democrática da jurisdição constitucional, é preciso analisar os fundamentos e como funciona o modelo de democracia constitucional que decorre da existência de uma instituição contramajoritária, como a jurisdição constitucional. O novo arranjo não deve significar uma ilegitimidade a priori das instâncias representativas, abrindo o perigoso caminho da demonização da política, nem uma romantizada concepção do Poder Judiciário.
Desse modo, faz-se necessário estabelecer parâmetros que, razoavelmente, demarquem até onde é legítima intervenção judicial, sem comprometer o espaço, também legítimo, da política. Disso decorre um desejável equilíbrio nas relações institucionais, mas que não é fácil de alcançar e depende de inúmeras variáveis. Os desajustes desta complexa relação Parlamento-Judiciário podem, como parece ser o caso brasileiro atual, onde a tradição democrática é débil, fomentar atores que se apresentam como salvadores das relações institucionais mediante o uso de discursos de força, sejam eles civis ou militares.
No caso da reforma trabalhista, podemos realçar alguns elementos que julgamos pertinentes e que justificam uma fundada atuação do Poder Judiciário. Em primeiro lugar, é legítimo um controle jurisdicional mais rigoroso diante de leis restritivas de direitos fundamentais. Isso decorre da própria vinculação objetiva do legislador aos direitos fundamentais e, considerando que são esses direitos que substancializam a democracia, o respeito a eles é condição de legitimidade da própria vontade da maioria. Dessa maneira, leis restritivas de direitos individuais possuem uma presunção de legitimidade mais branda, cabendo ao Estado o ônus de demonstrar a necessidade de tal opção política.
Em segundo lugar, não se pode esquecer que a legitimidade da lei não deve apenas levar em conta a Constituição como parâmetro de controle, como também as normas de Direito Internacional incorporadas ao Direito brasileiro. Com efeito, dada a importância sobranceira que os tratados e convenções de direitos humanos passaram a ter no nosso sistema, é fundamental o exercício do controle de convencionalidade das leis. Essa prática, contudo, ainda tem sido negligenciada por alguns juízes. Porém, a preocupação com a efetivação de direitos humanos e fundamentais fez surgir um ambiente multinível de tutela de direitos, onde o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) não deve mais ser visto como simples petição de princípios não vinculantes. No contexto da presente controvérsia, impossível não submeter a reforma trabalhista às normas protetoras de direitos humanos da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Com isso, alarga-se o “bloco de constitucionalidade/convencionalidade”, que tem nos direitos humanos/fundamentais sua peça-chave, ampliando-se a teia de proteção jurídica dos indivíduos. E os juízes nacionais têm o poder-dever de incorporar esse bloco de constitucionalidade/convencionalidade na fundamentação de suas decisões.
Vinculado à questão anterior, especialmente por envolver direitos sociais, deve-se levar em conta a vedação de retrocesso social. É certo que essa diretriz não deve ser interpretada a ponto de impedir mudanças legislativas legítimas, inclusive substituindo modelos já consolidados de políticas públicas, mas não se pode, em nome do princípio majoritário, simplesmente recuar em termos de proteção social. A pré-compreensão em torno da reforma trabalhista no campo empresarial bem ilustra a situação, expressa na retumbante pergunta: afinal, a partir de quando podemos reduzir salários? Em um país como o nosso, onde não se viveu a consolidação de um Estado Social, apesar de possuir uma constituição com robusto viés transformador, é um grande equívoco sustentar que trabalhadores possuem “muitos direitos” e que isso deve ser visto como obstáculo ao desenvolvimento econômico. Não se deve reduzir o que sequer possuímos num patamar minimamente satisfatório.
Por fim, o escrutínio judicial deve ser menos intenso quanto maior for o respaldo democrático da legislação. Assim, na hipótese de uma lei ser resultante de amplo e plural debate público, envolvendo segmentos sociais os mais diversos e que tiveram efetivamente voz e vez, é recomendável a deferência judicial. Isso não significa legitimar posturas populistas que atropelem direitos fundamentais, mas reconhecer a importância do Parlamento em qualquer democracia constitucional e que possui tanto sua parcela de legitimidade, quanto de responsabilidade politico-constitucional.
Em relação à reforma trabalhista, há vários elementos que indicam a ausência de respaldo democrático mais forte a seu favor. Como se sabe, ela foi aprovada em um ambiente de aguda crise política envolvendo Parlamento e governo. É inegável que governo atual mudou radicalmente a agenda política que saiu vencedora no processo eleitoral. A rigor, foi justamente uma proposta neoliberal a derrotada nas urnas e que agora se vê imposta num contexto de oportunismo político, associado a uma passividade da sociedade civil. Em um país com uma cultura democrática mais consolidada, o novo governo, que conta com um baixíssimo índice de aceitação pelos eleitores, dificilmente discutiria reformas tão estruturais e profundas. O recomendável seria conduzir um governo de transição até que as próximas eleições fossem realizadas, legitimando-se democraticamente o novo mandatário e sua agenda política.
Portanto, um controle jurisdicional rigoroso sobre a reforma trabalhista não deve ser compreendido como uma espécie de autoritarismo judicial, como se juízes e tribunais estivessem agredindo a democracia. Quando orientados pela proteção de direitos, não se voltam contra o regime democrático, mas a favor dele. O ideal é que o próprio STF, que eventualmente se manifestará sobre o tema, também perceba isso. Por tudo que já viu até agora, seria uma boa oportunidade para o tribunal exercer sua função contramajoritária, mostrando que o direito impõe constrangimentos à política. Do contrário, a política engolirá, de vez, o Direito.
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[1] FIORAVANTI, Maurizio. A produção do Direito entre lei e juiz: a relação entre democracia e jurisdição. In: Interesse Público. Belo Horizonte, Ano 14, n. 76, nov./dez. 2012.
[2] FERRAJOLI, Luigi. Poderes selvagens: a crise da democracia italiana. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 20.
[3]ACKERMAN, Bruce. We the people: foundations. Cambridge: The Belknap Press of Harvard University Press, 1991. v. 1, p. 10.
[4] Cf. MELO FILHO, Hugo Cavalcanti. Judiciário Oligárquico: déficit democrático e informalidade na Administração dos Tribunais e no Governo da Magistratura no Brasil. São Paulo: LTr, 2014.
Por Glauco Salomão Leite e Luiz Guilherme Arcaro Conci
Fonte: Conjur
Como a existência do controle difuso-incidental torna cada membro do Judiciário um juiz constitucional, vislumbra-se uma potencial e inusitada reação em cadeia contra a reforma trabalhista. Diante disso, em um cenário marcado por severas críticas a ativismos judiciais excessivos, sobretudo no âmbito do STF, a atuação articulada dos magistrados trabalhistas parece elevar o tom da juristocracia, acirrando ainda mais os ânimos na política. Afinal, veremos uma desobediência judicial à reforma trabalhista? Tal atitude não ofende os pilares de uma democracia, subvertendo-a no tão temido governo dos juízes?
Essa situação nos remete ao conhecido debate em torno da adequação da jurisdição constitucional com o regime democrático, o que, no limite, diz respeito à relação entre constitucionalismo e democracia. A teoria constitucional o enfrenta há muito tempo. Um ponto de partida relevante é perceber as implicações institucionais do paradigma do Estado Democrático de Direito (ou democracia constitucional) emergente na segunda metade do século passado. Sem essa perspectiva, bem destaca Maurizio Fioravanti[1], continuamos herdeiros de uma tradição iluminista e codicista que nos faz enxergar o novo papel dos juízes sempre como uma anomalia.
Ocorre que estamos diante de uma engenharia constitucional mais complexa, apoiada em uma estrutura política reinventada. Em outras palavras, tem-se experimentado uma gradativa transformação constitucional. Nesse sentido, a ideia de democracia é revista na medida em que não mais convence o dogma de que os Parlamentos refletem uma suposta vontade geral, que se traduz na infalibilidade das leis. Os direitos de participação política, as eleições periódicas, consultas populares, leis gerais e abstratas não simbolizam mais a garantia absoluta de proteção dos direitos e liberdades individuais, garantia esta nunca concretizada, tendo em vista que cada época apresenta a sua própria assimetria de forças entre os grupos representados ou não representados pela política formal.
Lembra Luigi Ferrajoli que o nazismo e o fascismo se “apropriaram do poder por intermédio de formas legais e depois o consignaram 'democraticamente' e tragicamente a um líder que suprimiu a democracia”[2]. Em razão de experiências traumáticas como essas, como desdobramento institucional das democracias constitucionais, verificou-se a expansão e consolidação da jurisdição constitucional em vários países. Os tribunais se tornaram o novo lócus de contenção das maiorias políticas ocasionais, especialmente quando ameaçam direitos fundamentais. É dizer, tais direitos consubstanciam a esfera do indecidível, ou seja, aquilo que está fora do varejo da política ordinária. O we the people, traduzido nos recentes pactos constitucionais, prevalece sobre o we the politicians[3].
Não obstante o inegável percurso que conduziu ao empoderamento dos juízes e tribunais nas democracias contemporâneas, como a brasileira, é recomendável cautela para evitar cair no discurso fácil e sedutor de que temos um Poder Judiciário convertido em vanguarda iluminista. Isso acarretaria o deslocamento da tradicional infalibilidade das leis para a infalibilidade judicial. Seria a troca de uma ilusão por outra. Em um breve olhar na prática judicial brasileira, percebe-se que há várias disfunções que precisam ser corrigidas e que arranham a legitimidade dos juízes. Podemos ilustrar com alguns exemplos: voluntarismos judiciais, distorções semânticas da linguagem jurídica, desconsideração da doutrina, instabilidade da jurisprudência , politização da Justiça, atuações ativistas quando o adequado seria prudência, omissões quando o necessário seria o protagonismo e, não menos importante, os traços oligárquicos que ainda fortemente marcam o Poder Judiciário[4].
No lugar, portanto, de persistir na (eterna) discussão a respeito da (i) legitimidade democrática da jurisdição constitucional, é preciso analisar os fundamentos e como funciona o modelo de democracia constitucional que decorre da existência de uma instituição contramajoritária, como a jurisdição constitucional. O novo arranjo não deve significar uma ilegitimidade a priori das instâncias representativas, abrindo o perigoso caminho da demonização da política, nem uma romantizada concepção do Poder Judiciário.
Desse modo, faz-se necessário estabelecer parâmetros que, razoavelmente, demarquem até onde é legítima intervenção judicial, sem comprometer o espaço, também legítimo, da política. Disso decorre um desejável equilíbrio nas relações institucionais, mas que não é fácil de alcançar e depende de inúmeras variáveis. Os desajustes desta complexa relação Parlamento-Judiciário podem, como parece ser o caso brasileiro atual, onde a tradição democrática é débil, fomentar atores que se apresentam como salvadores das relações institucionais mediante o uso de discursos de força, sejam eles civis ou militares.
No caso da reforma trabalhista, podemos realçar alguns elementos que julgamos pertinentes e que justificam uma fundada atuação do Poder Judiciário. Em primeiro lugar, é legítimo um controle jurisdicional mais rigoroso diante de leis restritivas de direitos fundamentais. Isso decorre da própria vinculação objetiva do legislador aos direitos fundamentais e, considerando que são esses direitos que substancializam a democracia, o respeito a eles é condição de legitimidade da própria vontade da maioria. Dessa maneira, leis restritivas de direitos individuais possuem uma presunção de legitimidade mais branda, cabendo ao Estado o ônus de demonstrar a necessidade de tal opção política.
Em segundo lugar, não se pode esquecer que a legitimidade da lei não deve apenas levar em conta a Constituição como parâmetro de controle, como também as normas de Direito Internacional incorporadas ao Direito brasileiro. Com efeito, dada a importância sobranceira que os tratados e convenções de direitos humanos passaram a ter no nosso sistema, é fundamental o exercício do controle de convencionalidade das leis. Essa prática, contudo, ainda tem sido negligenciada por alguns juízes. Porém, a preocupação com a efetivação de direitos humanos e fundamentais fez surgir um ambiente multinível de tutela de direitos, onde o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) não deve mais ser visto como simples petição de princípios não vinculantes. No contexto da presente controvérsia, impossível não submeter a reforma trabalhista às normas protetoras de direitos humanos da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Com isso, alarga-se o “bloco de constitucionalidade/convencionalidade”, que tem nos direitos humanos/fundamentais sua peça-chave, ampliando-se a teia de proteção jurídica dos indivíduos. E os juízes nacionais têm o poder-dever de incorporar esse bloco de constitucionalidade/convencionalidade na fundamentação de suas decisões.
Vinculado à questão anterior, especialmente por envolver direitos sociais, deve-se levar em conta a vedação de retrocesso social. É certo que essa diretriz não deve ser interpretada a ponto de impedir mudanças legislativas legítimas, inclusive substituindo modelos já consolidados de políticas públicas, mas não se pode, em nome do princípio majoritário, simplesmente recuar em termos de proteção social. A pré-compreensão em torno da reforma trabalhista no campo empresarial bem ilustra a situação, expressa na retumbante pergunta: afinal, a partir de quando podemos reduzir salários? Em um país como o nosso, onde não se viveu a consolidação de um Estado Social, apesar de possuir uma constituição com robusto viés transformador, é um grande equívoco sustentar que trabalhadores possuem “muitos direitos” e que isso deve ser visto como obstáculo ao desenvolvimento econômico. Não se deve reduzir o que sequer possuímos num patamar minimamente satisfatório.
Por fim, o escrutínio judicial deve ser menos intenso quanto maior for o respaldo democrático da legislação. Assim, na hipótese de uma lei ser resultante de amplo e plural debate público, envolvendo segmentos sociais os mais diversos e que tiveram efetivamente voz e vez, é recomendável a deferência judicial. Isso não significa legitimar posturas populistas que atropelem direitos fundamentais, mas reconhecer a importância do Parlamento em qualquer democracia constitucional e que possui tanto sua parcela de legitimidade, quanto de responsabilidade politico-constitucional.
Em relação à reforma trabalhista, há vários elementos que indicam a ausência de respaldo democrático mais forte a seu favor. Como se sabe, ela foi aprovada em um ambiente de aguda crise política envolvendo Parlamento e governo. É inegável que governo atual mudou radicalmente a agenda política que saiu vencedora no processo eleitoral. A rigor, foi justamente uma proposta neoliberal a derrotada nas urnas e que agora se vê imposta num contexto de oportunismo político, associado a uma passividade da sociedade civil. Em um país com uma cultura democrática mais consolidada, o novo governo, que conta com um baixíssimo índice de aceitação pelos eleitores, dificilmente discutiria reformas tão estruturais e profundas. O recomendável seria conduzir um governo de transição até que as próximas eleições fossem realizadas, legitimando-se democraticamente o novo mandatário e sua agenda política.
Portanto, um controle jurisdicional rigoroso sobre a reforma trabalhista não deve ser compreendido como uma espécie de autoritarismo judicial, como se juízes e tribunais estivessem agredindo a democracia. Quando orientados pela proteção de direitos, não se voltam contra o regime democrático, mas a favor dele. O ideal é que o próprio STF, que eventualmente se manifestará sobre o tema, também perceba isso. Por tudo que já viu até agora, seria uma boa oportunidade para o tribunal exercer sua função contramajoritária, mostrando que o direito impõe constrangimentos à política. Do contrário, a política engolirá, de vez, o Direito.
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[1] FIORAVANTI, Maurizio. A produção do Direito entre lei e juiz: a relação entre democracia e jurisdição. In: Interesse Público. Belo Horizonte, Ano 14, n. 76, nov./dez. 2012.
[2] FERRAJOLI, Luigi. Poderes selvagens: a crise da democracia italiana. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 20.
[3]ACKERMAN, Bruce. We the people: foundations. Cambridge: The Belknap Press of Harvard University Press, 1991. v. 1, p. 10.
[4] Cf. MELO FILHO, Hugo Cavalcanti. Judiciário Oligárquico: déficit democrático e informalidade na Administração dos Tribunais e no Governo da Magistratura no Brasil. São Paulo: LTr, 2014.
Por Glauco Salomão Leite e Luiz Guilherme Arcaro Conci
Fonte: Conjur