Segundo o STJ, é realmente possível a revogação da adoção unilateral?

goo.gl/MJ4SC3 | No caso de adoção unilateral, a irrevogabilidade prevista no art. 39, § 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente pode ser flexibilizada no melhor interesse do adotando.

Ex: filho adotado teve pouquíssimo contato com o pai adotivo e foi criado, na verdade, pela família de seu falecido pai biológico.

Nesse sentido: STJ. 3ª Turma. REsp 1.545.959-SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/6/2017 (Info 608).

Imagine a seguinte situação hipotética:

Maria passou a viver em união estável com Pedro. Lucas, filho de Maria, era órfão de pai. Em razão disso, Pedro adotou Lucas quando este tinha 14 anos. Ocorre que 1 ano após a adoção, Lucas foi morar com a sua avó paterna em outra cidade, perdendo completamente o contato com Pedro.

Quando completou 31 anos, Lucas ingressou com ação pedindo a revogação da adoção. Alegou, na ação, que foi criado por sua família paterna (tios, avôs e avós paternos) e que, apesar disso, eles não são seus parentes porque a adoção rompeu os vínculos que ele possuía em relação aos parentes de seu falecido pai. Diante disso, ele deseja restabelecer tais vínculos revogando a adoção unilateral ocorrida. A petição inicial foi acompanhada das declarações da mãe e do pai adotivo concordando com a revogação pleiteada. O juiz, contudo, extinguiu o processo sem resolução do mérito por impossibilidade jurídica do pedido alegando que a adoção é irrevogável, conforme prevê expressamente o art. 39, § 1º do ECA.

A questão chegou até o STJ. O Tribunal manteve a sentença do juiz?

NÃO. O STJ entendeu que a regra da irrevogabilidade da adoção deveria ser relativizada no presente caso. No caso de adoção unilateral, a irrevogabilidade prevista no art. 39, § 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente pode ser flexibilizada no melhor interesse do adotando.

Adoção unilateral

A adoção unilateral ocorre quando o pai ou a mãe do menor morre, é destituído do poder familiar ou, então, quando não há pai registral. Nessa circunstância, a pessoa que vai adotar a criança/adolescente irá substituir o papel de pai ou de mãe do adotando. Tal adoção irá substituir, para todos os efeitos, a linha biológica originária do adotado e ocorre independentemente de consulta ao grupo familiar estendido, cabendo tão-só ao cônjuge supérstite decidir sobre a conveniência, ou não, da adoção do filho pelo seu novo cônjuge/companheiro.

Em outras palavras, na adoção unilateral, o adotado terá um novo pai (ou mãe) e, consequentemente, novos avós, novos tios, novos primos etc. Ao contrário da adoção regular, a adoção unilateral não é tão incentivada e aplaudida pela doutrina.

Como explica Nucci:

(...) M tinha um pai, J, que faleceu , ao qual dedicava amor e respeito. Não vemos nenhuma razão para excluí-lo da sua vida, podendo, inclusive, trocar seu sobrenome, apagando o do pai biológico. O padrasto pode exercer, com muito carinho e amor, a sua função de substituto do pai, mas não há necessidade de incorporar um lugar, relegando a memória de outrem ao acaso. (NUCCI, Guilherme de Souza. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: em busca da Constituição Federal das Crianças dos Adolescentes. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 148).

Relativização da irrevogabilidade no caso de adoção unilateral Como a adoção unilateral possui essas características peculiares, o STJ entendeu que a regra da irrevogabilidade poderia ser relativizada em nome do melhor interesse do adotado.

Assim, diante da inexistência de reais vantagens para o adotando no processo de adoção unilateral, é possível imaginar a possibilidade de se permitir a sua revogação, desde que haja uma análise individualizada por parte do Poder Judiciário se os motivos alegados são justificáveis.

A razão de ser da proibição da revogação da adoção existe para proteger o menor adotado, buscando colocá-lo a salvo de possíveis alternâncias comportamentais de seus adotantes, rupturas conjugais ou outras atitudes que recoloquem o menor adotado novamente no limbo sócio emocional que vivia antes da adoção.

Por outro lado, se a revogação tem por objetivo proteger os interesses do adotado, então, nesta hipótese, poderia ser flexibilizada a restritiva regra fixada no art. 39 § 1º, do ECA.

Por Flávia Teixeira Ortega
Fonte: Dizer o direito
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