goo.gl/R2vmSS | É direito fundamental de qualquer pessoa manifestar livremente seu pensamento e sua atividade intelectual – direito esse que não pode ser tirado do juiz e do membro do Ministério Público, principalmente numa época em que há uma exigência de manifestação. Essa é a posição da subprocuradora-geral da República Ela Wiecko Volkmer de Castilho sobre os limites da expressão pública de magistrados e membros do Ministério Público.
Subprocuradora-geral da República Ela Wiecko Volkmer de Castilho
Wiecko, que até agosto de 2016 foi vice de Rodrigo Janot à frente da Procuradoria-Geral da República (PGR), criticou a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de investigar quatro juízes que participaram de um ato contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff.
“O fato aconteceu há mais de um ano dentro de um contexto de efervescência e de polarização da sociedade brasileira. Nesse contexto, não percebo em que a manifestação pública contra o impeachment configura um atentado à função jurisdicional. Nada do que disseram incide no exercício da função jurisdicional. É o ponto de vista deles como cidadãos”, afirmou a subprocuradora em entrevista concedida ao JOTA na Escola Superior do Ministério Público da União.
Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), ela atua junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e recentemente foi eleita para compor o Conselho Superior do Ministério Público para o biênio 2017-2019. Na PGR, coordena a matéria de Direitos Sociais e Fiscalização dos Atos Administrativos e o Comitê Gestor de Gênero e Raça.
A subprocuradora-geral falou ainda sobre a sobreposição de identidades pela qual passam juízes e membros do Ministério Público. Isso, segundo ela, gera um ruído de interpretação.
“É como se, por ser um juiz ou uma juíza, a pessoa vivesse essa identidade 24 horas por dia. Considero que essa concepção se torna um ônus que nega direitos assegurados pela Constituição. A pessoa se torna sem direito de se expressar como cidadã, porque tudo vai ser lido de acordo com o cargo que a pessoa ocupa, como juiz, como membro do Ministério Público”, disse.
Ao JOTA, Wiecko também disse não acreditar no mito da neutralidade absoluta do juiz e manifestou preocupação com as regulamentações prévias às manifestações políticas. “Podemos chegar a um momento em que simplesmente nós não vamos poder manifestar o que pensamos, sob pena de retaliação. ”
Ela Wiecko: Esta máxima de só falar nos autos já foi superada. Não poder falar fora dos autos é uma violação ao próprio direito de manifestação do pensamento. Existe a regra de não manifestação político-partidária, tanto para o Ministério Público quanto para a Magistratura. Existe também a regra de que a manifestação de pensamento não seja ofensiva, que não cause prejuízo a outrem. Havendo ofensa à imagem, à reputação, à dignidade existem os meios legais para assegurar direito de resposta ou indenização. A liberdade de manifestação do pensamento, porém, é a regra geral e se aplica a todos.
No caso de juízes e membros do Ministério Público quais são os limites, para a senhora, da expressão pública?
Ela Wiecko: Além da restrição à manifestação político-partidária que decorre da proibição constitucional de dedicar-se à atividade político-partidária, o juiz ou a juíza deve guardar comedimento em manifestações públicas, pois julga casos e pode vir a ser arguida parcialidade. De modo que essa prudência é em defesa do próprio juiz e do próprio membro do MP. Entretanto, repito, é direito fundamental de qualquer pessoa manifestar livremente seu pensamento bem como de expressar livremente sua atividade intelectual. Esses direitos não podem ser tirados do juiz e do membro do Ministério Público, principalmente numa época em que há uma exigência de manifestação.
Qual a sua opinião sobre a recente decisão do CNJ de investigar quatro juízes que participaram de um ato contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff?
Ela Wiecko: Me causou espanto, porque a conduta deles foi levada ao seu órgão [do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro] e ali houve uma discussão, houve quem fosse contra, mas quem considerou que eles agiram dentro dos limites aceitáveis da liberdade de manifestação, de expressão, venceu. Isso veio para o CNJ, até onde eu sei, não por meio de nenhuma provocação. Foi o próprio corregedor nacional que trouxe o caso e obteve do conselho a deliberação para que fosse instaurada uma investigação para melhor conhecimento das circunstâncias em que se deram as falas e a natureza do evento. Ora, o fato aconteceu há mais de um ano dentro de um contexto de efervescência e de polarização da sociedade brasileira. Nesse contexto, não percebo em que a manifestação pública contra o impeachment configura um atentado à função jurisdicional. Nada do que disseram incide no exercício da função jurisdicional. É o ponto de vista deles como cidadãos.
Mas esse limite de manifestação não faz parte da liturgia do cargo?
Ela Wiecko: Esse é o problema que sempre levantam, que determinadas pessoas se tornam conhecidas publicamente por conta do cargo que ocupam e essa identidade se sobrepõe às outras identidades que uma pessoa tem. É como se, por ser um juiz ou uma juíza, a pessoa vivesse essa identidade 24 horas por dia. Considero que essa concepção se torna um ônus que nega direitos assegurados pela Constituição. A pessoa se torna sem direito de se expressar como cidadã, porque tudo vai ser lido de acordo com o cargo que a pessoa ocupa, como juiz, como membro do Ministério Público.
A senhora viveu uma situação semelhante em 2016, quando teve que renunciar ao cargo de vice procuradora-geral da República após a divulgação de um vídeo onde apareceu em uma manifestação contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff. O que aconteceu depois?
Ela Wiecko: O CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público] entendeu que minha manifestação não era uma atividade político-partidária. Isso é o que é expressamente vedado.
Na decisão do CNJ pela abertura da revisão disciplinar contra os quatro juízes, muito se falou sobre os limites entre o que a Lei Orgânica da Magistratura (Loman) permite manifestar, expressar, e o que ela proíbe.
Ela Wiecko: Nesse aspecto, gostaria de me reportar ao parecer do Núcleo de Assessoramento e Estudos Técnicos do Senado Federal em relação ao pedido de impeachment do ministro Gilmar Mendes, que foi arquivado no dia 13 de setembro: “É aceitável e até natural que os juízes externem esporadicamente críticas e opiniões sobre fatos de interesse público na qualidade de cidadão bem formado e preparado. É legitimo que o juiz manifeste em certos contextos uma sadia indignação com o estado de coisas do país. Não se pode pretender totalmente tolher a atuação transformadora do juiz e a sua disposição de repensar continuamente as bases políticas que estruturam a sociedade em que vive”. Há muito já restou superada a visão do magistrado como um autômato, que simplesmente aplica mecanicamente os textos legais. A indignação pode ter como objeto o próprio Supremo. Por que não?
O mito da neutralidade absoluta e do hermetismo social do juiz e do membro do Ministério Público ainda convence?
Ela Wiecko: Ninguém é neutro. É impossível se despir de todos os valores, da sua concepção de mundo, mas você tem que zelar pela imparcialidade, avaliando os fatos sob vários pontos de vista, buscando a solução que mais se aproxime da concretização do princípio da igualdade.
Há alguma diretriz do CNMP sobre os limites de manifestação?
Ela Wiecko: O CNMP baixou uma resolução. A ANPR [Associação Nacional dos Procuradores da República] embargou e conseguiu que fossem retirados pontos que pareciam dar aos órgãos centrais de cada ramo controle sobre o que falariam os membros. Há uma recomendação do Corregedor Nacional que ainda está sendo contestada. A meu ver as regulamentações são perigosas. Para os casos que realmente ultrapassam o limite, existe a saída de o prejudicado entrar com uma ação civil ou penal. Não poder fazer apologia partidária tudo bem, mas uma manifestação política no sentido de uma apreciação, por exemplo, sobre se um projeto de lei é bom ou não é bom, isso é uma manifestação política. Podemos chegar a um momento em que simplesmente não vamos poder manifestar o que pensamos, sob pena de retaliação.
Por Mariana Muniz
Fonte: jota.info
Subprocuradora-geral da República Ela Wiecko Volkmer de Castilho
Wiecko, que até agosto de 2016 foi vice de Rodrigo Janot à frente da Procuradoria-Geral da República (PGR), criticou a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de investigar quatro juízes que participaram de um ato contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff.
“O fato aconteceu há mais de um ano dentro de um contexto de efervescência e de polarização da sociedade brasileira. Nesse contexto, não percebo em que a manifestação pública contra o impeachment configura um atentado à função jurisdicional. Nada do que disseram incide no exercício da função jurisdicional. É o ponto de vista deles como cidadãos”, afirmou a subprocuradora em entrevista concedida ao JOTA na Escola Superior do Ministério Público da União.
Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), ela atua junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e recentemente foi eleita para compor o Conselho Superior do Ministério Público para o biênio 2017-2019. Na PGR, coordena a matéria de Direitos Sociais e Fiscalização dos Atos Administrativos e o Comitê Gestor de Gênero e Raça.
A subprocuradora-geral falou ainda sobre a sobreposição de identidades pela qual passam juízes e membros do Ministério Público. Isso, segundo ela, gera um ruído de interpretação.
“É como se, por ser um juiz ou uma juíza, a pessoa vivesse essa identidade 24 horas por dia. Considero que essa concepção se torna um ônus que nega direitos assegurados pela Constituição. A pessoa se torna sem direito de se expressar como cidadã, porque tudo vai ser lido de acordo com o cargo que a pessoa ocupa, como juiz, como membro do Ministério Público”, disse.
Ao JOTA, Wiecko também disse não acreditar no mito da neutralidade absoluta do juiz e manifestou preocupação com as regulamentações prévias às manifestações políticas. “Podemos chegar a um momento em que simplesmente nós não vamos poder manifestar o que pensamos, sob pena de retaliação. ”
Leia a íntegra da entrevista:
Como a senhora avalia a questão da liberdade de manifestação de magistrados e membros do Ministério Público? A máxima de que os juízes só podem falar nos autos é verdadeira?Ela Wiecko: Esta máxima de só falar nos autos já foi superada. Não poder falar fora dos autos é uma violação ao próprio direito de manifestação do pensamento. Existe a regra de não manifestação político-partidária, tanto para o Ministério Público quanto para a Magistratura. Existe também a regra de que a manifestação de pensamento não seja ofensiva, que não cause prejuízo a outrem. Havendo ofensa à imagem, à reputação, à dignidade existem os meios legais para assegurar direito de resposta ou indenização. A liberdade de manifestação do pensamento, porém, é a regra geral e se aplica a todos.
No caso de juízes e membros do Ministério Público quais são os limites, para a senhora, da expressão pública?
Ela Wiecko: Além da restrição à manifestação político-partidária que decorre da proibição constitucional de dedicar-se à atividade político-partidária, o juiz ou a juíza deve guardar comedimento em manifestações públicas, pois julga casos e pode vir a ser arguida parcialidade. De modo que essa prudência é em defesa do próprio juiz e do próprio membro do MP. Entretanto, repito, é direito fundamental de qualquer pessoa manifestar livremente seu pensamento bem como de expressar livremente sua atividade intelectual. Esses direitos não podem ser tirados do juiz e do membro do Ministério Público, principalmente numa época em que há uma exigência de manifestação.
Qual a sua opinião sobre a recente decisão do CNJ de investigar quatro juízes que participaram de um ato contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff?
Ela Wiecko: Me causou espanto, porque a conduta deles foi levada ao seu órgão [do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro] e ali houve uma discussão, houve quem fosse contra, mas quem considerou que eles agiram dentro dos limites aceitáveis da liberdade de manifestação, de expressão, venceu. Isso veio para o CNJ, até onde eu sei, não por meio de nenhuma provocação. Foi o próprio corregedor nacional que trouxe o caso e obteve do conselho a deliberação para que fosse instaurada uma investigação para melhor conhecimento das circunstâncias em que se deram as falas e a natureza do evento. Ora, o fato aconteceu há mais de um ano dentro de um contexto de efervescência e de polarização da sociedade brasileira. Nesse contexto, não percebo em que a manifestação pública contra o impeachment configura um atentado à função jurisdicional. Nada do que disseram incide no exercício da função jurisdicional. É o ponto de vista deles como cidadãos.
Mas esse limite de manifestação não faz parte da liturgia do cargo?
Ela Wiecko: Esse é o problema que sempre levantam, que determinadas pessoas se tornam conhecidas publicamente por conta do cargo que ocupam e essa identidade se sobrepõe às outras identidades que uma pessoa tem. É como se, por ser um juiz ou uma juíza, a pessoa vivesse essa identidade 24 horas por dia. Considero que essa concepção se torna um ônus que nega direitos assegurados pela Constituição. A pessoa se torna sem direito de se expressar como cidadã, porque tudo vai ser lido de acordo com o cargo que a pessoa ocupa, como juiz, como membro do Ministério Público.
A senhora viveu uma situação semelhante em 2016, quando teve que renunciar ao cargo de vice procuradora-geral da República após a divulgação de um vídeo onde apareceu em uma manifestação contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff. O que aconteceu depois?
Ela Wiecko: O CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público] entendeu que minha manifestação não era uma atividade político-partidária. Isso é o que é expressamente vedado.
Na decisão do CNJ pela abertura da revisão disciplinar contra os quatro juízes, muito se falou sobre os limites entre o que a Lei Orgânica da Magistratura (Loman) permite manifestar, expressar, e o que ela proíbe.
Ela Wiecko: Nesse aspecto, gostaria de me reportar ao parecer do Núcleo de Assessoramento e Estudos Técnicos do Senado Federal em relação ao pedido de impeachment do ministro Gilmar Mendes, que foi arquivado no dia 13 de setembro: “É aceitável e até natural que os juízes externem esporadicamente críticas e opiniões sobre fatos de interesse público na qualidade de cidadão bem formado e preparado. É legitimo que o juiz manifeste em certos contextos uma sadia indignação com o estado de coisas do país. Não se pode pretender totalmente tolher a atuação transformadora do juiz e a sua disposição de repensar continuamente as bases políticas que estruturam a sociedade em que vive”. Há muito já restou superada a visão do magistrado como um autômato, que simplesmente aplica mecanicamente os textos legais. A indignação pode ter como objeto o próprio Supremo. Por que não?
O mito da neutralidade absoluta e do hermetismo social do juiz e do membro do Ministério Público ainda convence?
Ela Wiecko: Ninguém é neutro. É impossível se despir de todos os valores, da sua concepção de mundo, mas você tem que zelar pela imparcialidade, avaliando os fatos sob vários pontos de vista, buscando a solução que mais se aproxime da concretização do princípio da igualdade.
Há alguma diretriz do CNMP sobre os limites de manifestação?
Ela Wiecko: O CNMP baixou uma resolução. A ANPR [Associação Nacional dos Procuradores da República] embargou e conseguiu que fossem retirados pontos que pareciam dar aos órgãos centrais de cada ramo controle sobre o que falariam os membros. Há uma recomendação do Corregedor Nacional que ainda está sendo contestada. A meu ver as regulamentações são perigosas. Para os casos que realmente ultrapassam o limite, existe a saída de o prejudicado entrar com uma ação civil ou penal. Não poder fazer apologia partidária tudo bem, mas uma manifestação política no sentido de uma apreciação, por exemplo, sobre se um projeto de lei é bom ou não é bom, isso é uma manifestação política. Podemos chegar a um momento em que simplesmente não vamos poder manifestar o que pensamos, sob pena de retaliação.
Por Mariana Muniz
Fonte: jota.info