goo.gl/vcWXBx | O sistema de Justiça do Brasil, antes de 1988, assemelhava-se ao da maioria dos países. Primeira instância representada por varas judiciais. Segunda instância exercida por tribunais de Justiça (em alguns estados, também de alçada), tribunais regionais do Trabalho (poucos) e um Tribunal Federal de Recursos, com sede em Brasília.
Na cúpula, o Supremo Tribunal Federal, por todos respeitado e com um volume de processos sustentável. Seus ministros, homens discretos e de sólida formação jurídica, podiam negar seguimento aos recursos com base no Regimento Interno (artigo 328), através da chamada arguição de relevância.
Exercendo a advocacia em Santos (SP) nos meus dois últimos anos da Faculdade de Direito (1967 a 1969), como estagiário e depois advogado, convivi com esse sistema de Justiça, bem mais efetivo. Dou um exemplo. Em 27 de março de 1969 propus ação de acidente do trabalho a favor de B. A. S. contra o INSS. Com prova pericial feita, em 20 de maio de 1970 a ação estava julgada. Sobreveio recurso de apelação, que foi improvido. Voltaram os autos e em janeiro de 1971 foi feito o pagamento. Portanto, tudo resolvido em menos de 2 anos.
O tempo passou e, em 1988, tivemos uma nova Constituição, pródiga em direitos e avarenta em deveres. O Judiciário, que tinha que ser reformado adaptando-se aos novos tempos, cresceu desmesuradamente. Por outro lado, passou a receber ações de todo tipo, tendo a Carta Magna vedado qualquer limite legal ao seu acesso. O STF passou a conduzir centenas de ações penais e a receber recursos até contra a guarda de papagaio.[i]
A expansão enorme do sistema de Justiça, que vai muito além do Poder Judiciário, pois engloba procuradorias, Ministério Público, defensorias e outros órgãos, tornou-se caro e pouco efetivo. O fenômeno, ainda que em menor escala, ocorre também em outros países. O magistrado francês Antoine Garapon sustenta a necessidade de se precaver contra uma sociedade de litigantes, que considera um risco à democracia.[ii]
Na busca de sua agilização, os serviços atribuídos aos magistrados passaram a contar com assessorias. Deu-se o mesmo no Ministério Público e em outros órgãos.
Estes novos atores são chamados de assessores, assistentes, ou outro nome que leis federais ou estaduais possam dar-lhes. Por vezes fazem exatamente este serviço, porém, sem denominação específica. Por exemplo, um oficial de gabinete de juiz federal pode tornar-se um assessor de fato.
Apesar de seu elevado número, os assessores não têm sido lembrados nas discussões da área jurídica. Exercem, contudo, funções de grande relevância ao auxiliar os magistrados nas suas decisões e sentenças, da primeira instância ao STF. Evidentemente, alguns ministros e desembargadores preferem continuar no sistema antigo, ou seja, examinar os processos individualmente e lançar seu voto. Mas daí pagam um preço muito caro, porque o volume de processos que aguardam julgamento cresce desmesuradamente e as reclamações pelo atraso tornam-se rotina.
O número de assessores tende a crescer. O processo eletrônico fez com que as ações tramitem com maior velocidade, a conclusão dos autos ao juiz não depende de um carimbo de conclusão e a presença de pessoas na secretaria diminuiu, porque o andamento passou a ser acompanhado na internet. Resultado, mais pessoas passaram a assessorar o magistrado.
Basicamente, aos assessores cabe pesquisar doutrina e jurisprudência, preparando rascunho de decisões, sentenças e votos, que serão examinados e aprovados (ou não) total ou parcialmente. Na primeira instância, alguns fazem despachos dando andamento ao processo. Sem eles, os serviços judiciários entrariam em colapso.
Estes auxiliares da Justiça, ocupam cargos em comissão, ou seja, são indicados por alguém que neles confia, ou são servidores concursados. Dificilmente se saberá o percentual de comissionados, porque isto exigiria pesquisa em 91 tribunais colegiados e milhares de varas judiciais espalhadas Brasil afora.
Um assessor deve ter muitas virtudes, é um quase-juiz ou, às vezes, um juiz de fato. Assim, o primeiro requisito é o da discrição. Muito embora, em alguns casos, prepare a decisão do começo ao fim (isto varia de magistrado a magistrado e não há como saber-se percentuais), não lhe cabe vangloriar-se do que fez ou deixou de fazer, e muito menos dizer-se autor da decisão, dentro ou fora do Tribunal.
É importante que ele se amolde ao pensamento do magistrado, siga a linha de pensamento dele e não a sua própria. O assessor pode opinar, motivar sua posição, mas não pode ficar ofendido, revoltado, se ela for rejeitada. A razão é simples, quem assina a decisão é o magistrado. Se o assessor discorda e sofre com isto, deve pensar em fazer concurso para juiz substituto.
Lealdade é outro requisito indispensável. O assessor deve estar ao lado do magistrado em todas as situações. Por exemplo, não semear a discórdia divulgando um comentário negativo do seu superior em um momento de raiva, contra um colega ou outro servidor. Na verdade, cabe-lhe usar a liderança que o cargo lhe dá para semear a paz na unidade judiciária.
A confidencialidade também é requisito do cargo. O assessor não transmite a terceiros informações sobre os casos que passam por suas mãos, sejam eles de natureza privada (p. ex., divórcio litigioso) ou pública (p. ex., ação penal contra político conhecido) Esta regra, explicitamente prevista e nas “Regras de Conduta para servidores das Cortes” da Ucrânia, naquele país alcança, inclusive, os aposentados.[iii]
Zelar pela coerência dos votos também é parte importante das funções de um assessor. Nos Tribunais atualmente, principalmente nos Superiores e nos Federais, um relator, não raramente leva 500 ou mais processos a julgamento em uma única sessão. Se não houver uma rigorosa fiscalização dos votos poderá haver, na mesma sessão, julgamentos contraditórios (p. ex., sobre a atualização monetária pelos índices da TR ou IPCAE), comprometendo a imagem do relator.
Estudar sempre é requisito indispensável. Não apenas o novo Código de Processo Civil, mas também as matérias que fazem parte da jurisdição do magistrado. Tivemos no STF um exemplo disto quando o ministro Teori Zavascki votou a favor da execução da sentença em segunda instância. O voto fazia referência a diversos países e, obviamente, o saudoso magistrado não teria tempo de fazer tão minuciosa pesquisa.[iv] Ali estava a mão de um assessor.
Quando ocupante de cargo em comissão, deve o assessor estar preparado para as adversidades de sua situação, ou seja, saber que pode ser exonerado a qualquer momento e sem motivação. Isto pode dar-se pelas mais variadas razões, justas ou injustas. O que se tem a fazer é despedir-se e sair discretamente. Protestos, reclamações pelos corredores, de nada adiantarão e dificultarão uma nova indicação, se oportunidade houver.
Pode ocorrer do assessor ser concursado e ser retirado de suas funções, perdendo a função gratificada. Isto ocorre com frequência quando há uma troca de magistrados e o novo altera as posições de comando. O assessor não deve ficar magoado ou deprimido, mas apenas compreender que isto faz parte do jogo. Aceitar o fato com profissionalismo ajudará a alcançá-lo em outra oportunidade. Ou servir de motivação para enfrentar um desafio novo, como um curso de mestrado ou outro concurso.
Quando o assessoramento for a juiz de primeira instância, o assessor teve ter em mente a importância na vida das pessoas das decisões de andamento do processo. É muito importante direcionar a ação para a decisão, evitando eternizá-la com decisões dispensáveis (p. ex., suscitando conflito negativo de competência em processo de jurisdição graciosa, como pedido de alvará de levantamento do FGTS). Há em cada processo vidas na expectativa do resultado.
A estas observações muitas outras podem ser acrescidas. O importante é reconhecer-se que o sistema judicial exigiu a presença destes profissionais e que a eles cabe parte importante na solução dos conflitos. Capacitá-los, orientá-los, prestigiá-los, é colaborar para que se aprimorem e assim melhore o serviço judicial.
[i] http://www.observatorioeco.com.br/index.php/2010/09/ibama-questiona-no-stf-decisao-sobre-guarda-de-papagaio-sem-licenca/, acesso em 29/10/2017.
[ii] GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 55.
[iii] Rules of Conduct for Court Employees. Kiev, Ucrânia: State Judicial Administration of Ukraine – Council of Judges of Ukraine 2013, p. 25-27.
[iv] STF, ADCON 43/DF, em www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADC43TZ.pdf, acesso 31/10/2017
Por Vladimir Passos de Freitas
Fonte: Conjur
Na cúpula, o Supremo Tribunal Federal, por todos respeitado e com um volume de processos sustentável. Seus ministros, homens discretos e de sólida formação jurídica, podiam negar seguimento aos recursos com base no Regimento Interno (artigo 328), através da chamada arguição de relevância.
Exercendo a advocacia em Santos (SP) nos meus dois últimos anos da Faculdade de Direito (1967 a 1969), como estagiário e depois advogado, convivi com esse sistema de Justiça, bem mais efetivo. Dou um exemplo. Em 27 de março de 1969 propus ação de acidente do trabalho a favor de B. A. S. contra o INSS. Com prova pericial feita, em 20 de maio de 1970 a ação estava julgada. Sobreveio recurso de apelação, que foi improvido. Voltaram os autos e em janeiro de 1971 foi feito o pagamento. Portanto, tudo resolvido em menos de 2 anos.
O tempo passou e, em 1988, tivemos uma nova Constituição, pródiga em direitos e avarenta em deveres. O Judiciário, que tinha que ser reformado adaptando-se aos novos tempos, cresceu desmesuradamente. Por outro lado, passou a receber ações de todo tipo, tendo a Carta Magna vedado qualquer limite legal ao seu acesso. O STF passou a conduzir centenas de ações penais e a receber recursos até contra a guarda de papagaio.[i]
A expansão enorme do sistema de Justiça, que vai muito além do Poder Judiciário, pois engloba procuradorias, Ministério Público, defensorias e outros órgãos, tornou-se caro e pouco efetivo. O fenômeno, ainda que em menor escala, ocorre também em outros países. O magistrado francês Antoine Garapon sustenta a necessidade de se precaver contra uma sociedade de litigantes, que considera um risco à democracia.[ii]
Na busca de sua agilização, os serviços atribuídos aos magistrados passaram a contar com assessorias. Deu-se o mesmo no Ministério Público e em outros órgãos.
Estes novos atores são chamados de assessores, assistentes, ou outro nome que leis federais ou estaduais possam dar-lhes. Por vezes fazem exatamente este serviço, porém, sem denominação específica. Por exemplo, um oficial de gabinete de juiz federal pode tornar-se um assessor de fato.
Apesar de seu elevado número, os assessores não têm sido lembrados nas discussões da área jurídica. Exercem, contudo, funções de grande relevância ao auxiliar os magistrados nas suas decisões e sentenças, da primeira instância ao STF. Evidentemente, alguns ministros e desembargadores preferem continuar no sistema antigo, ou seja, examinar os processos individualmente e lançar seu voto. Mas daí pagam um preço muito caro, porque o volume de processos que aguardam julgamento cresce desmesuradamente e as reclamações pelo atraso tornam-se rotina.
O número de assessores tende a crescer. O processo eletrônico fez com que as ações tramitem com maior velocidade, a conclusão dos autos ao juiz não depende de um carimbo de conclusão e a presença de pessoas na secretaria diminuiu, porque o andamento passou a ser acompanhado na internet. Resultado, mais pessoas passaram a assessorar o magistrado.
Basicamente, aos assessores cabe pesquisar doutrina e jurisprudência, preparando rascunho de decisões, sentenças e votos, que serão examinados e aprovados (ou não) total ou parcialmente. Na primeira instância, alguns fazem despachos dando andamento ao processo. Sem eles, os serviços judiciários entrariam em colapso.
Estes auxiliares da Justiça, ocupam cargos em comissão, ou seja, são indicados por alguém que neles confia, ou são servidores concursados. Dificilmente se saberá o percentual de comissionados, porque isto exigiria pesquisa em 91 tribunais colegiados e milhares de varas judiciais espalhadas Brasil afora.
Um assessor deve ter muitas virtudes, é um quase-juiz ou, às vezes, um juiz de fato. Assim, o primeiro requisito é o da discrição. Muito embora, em alguns casos, prepare a decisão do começo ao fim (isto varia de magistrado a magistrado e não há como saber-se percentuais), não lhe cabe vangloriar-se do que fez ou deixou de fazer, e muito menos dizer-se autor da decisão, dentro ou fora do Tribunal.
É importante que ele se amolde ao pensamento do magistrado, siga a linha de pensamento dele e não a sua própria. O assessor pode opinar, motivar sua posição, mas não pode ficar ofendido, revoltado, se ela for rejeitada. A razão é simples, quem assina a decisão é o magistrado. Se o assessor discorda e sofre com isto, deve pensar em fazer concurso para juiz substituto.
Lealdade é outro requisito indispensável. O assessor deve estar ao lado do magistrado em todas as situações. Por exemplo, não semear a discórdia divulgando um comentário negativo do seu superior em um momento de raiva, contra um colega ou outro servidor. Na verdade, cabe-lhe usar a liderança que o cargo lhe dá para semear a paz na unidade judiciária.
A confidencialidade também é requisito do cargo. O assessor não transmite a terceiros informações sobre os casos que passam por suas mãos, sejam eles de natureza privada (p. ex., divórcio litigioso) ou pública (p. ex., ação penal contra político conhecido) Esta regra, explicitamente prevista e nas “Regras de Conduta para servidores das Cortes” da Ucrânia, naquele país alcança, inclusive, os aposentados.[iii]
Zelar pela coerência dos votos também é parte importante das funções de um assessor. Nos Tribunais atualmente, principalmente nos Superiores e nos Federais, um relator, não raramente leva 500 ou mais processos a julgamento em uma única sessão. Se não houver uma rigorosa fiscalização dos votos poderá haver, na mesma sessão, julgamentos contraditórios (p. ex., sobre a atualização monetária pelos índices da TR ou IPCAE), comprometendo a imagem do relator.
Estudar sempre é requisito indispensável. Não apenas o novo Código de Processo Civil, mas também as matérias que fazem parte da jurisdição do magistrado. Tivemos no STF um exemplo disto quando o ministro Teori Zavascki votou a favor da execução da sentença em segunda instância. O voto fazia referência a diversos países e, obviamente, o saudoso magistrado não teria tempo de fazer tão minuciosa pesquisa.[iv] Ali estava a mão de um assessor.
Quando ocupante de cargo em comissão, deve o assessor estar preparado para as adversidades de sua situação, ou seja, saber que pode ser exonerado a qualquer momento e sem motivação. Isto pode dar-se pelas mais variadas razões, justas ou injustas. O que se tem a fazer é despedir-se e sair discretamente. Protestos, reclamações pelos corredores, de nada adiantarão e dificultarão uma nova indicação, se oportunidade houver.
Pode ocorrer do assessor ser concursado e ser retirado de suas funções, perdendo a função gratificada. Isto ocorre com frequência quando há uma troca de magistrados e o novo altera as posições de comando. O assessor não deve ficar magoado ou deprimido, mas apenas compreender que isto faz parte do jogo. Aceitar o fato com profissionalismo ajudará a alcançá-lo em outra oportunidade. Ou servir de motivação para enfrentar um desafio novo, como um curso de mestrado ou outro concurso.
Quando o assessoramento for a juiz de primeira instância, o assessor teve ter em mente a importância na vida das pessoas das decisões de andamento do processo. É muito importante direcionar a ação para a decisão, evitando eternizá-la com decisões dispensáveis (p. ex., suscitando conflito negativo de competência em processo de jurisdição graciosa, como pedido de alvará de levantamento do FGTS). Há em cada processo vidas na expectativa do resultado.
A estas observações muitas outras podem ser acrescidas. O importante é reconhecer-se que o sistema judicial exigiu a presença destes profissionais e que a eles cabe parte importante na solução dos conflitos. Capacitá-los, orientá-los, prestigiá-los, é colaborar para que se aprimorem e assim melhore o serviço judicial.
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[i] http://www.observatorioeco.com.br/index.php/2010/09/ibama-questiona-no-stf-decisao-sobre-guarda-de-papagaio-sem-licenca/, acesso em 29/10/2017.
[ii] GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 55.
[iii] Rules of Conduct for Court Employees. Kiev, Ucrânia: State Judicial Administration of Ukraine – Council of Judges of Ukraine 2013, p. 25-27.
[iv] STF, ADCON 43/DF, em www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADC43TZ.pdf, acesso 31/10/2017
Por Vladimir Passos de Freitas
Fonte: Conjur