Apropriação indébita: advogado retém dinheiro e família espera parecer da OAB há três anos

goo.gl/GYtHmN | “Temos como meta oferecer serviços jurídicos de altíssimo nível, buscando êxito e rapidez na solução das causas que nos são confiadas”. É o que diz a apresentação do site Arivaldo Amâncio & Advogados Associados. Mas o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA) condenou, por entender que houve apropriação indevida, o advogado Arivaldo Amâncio dos Santos.



Ele deve devolver R$ 3,4 milhões para a família de um petroleiro, que contratou o serviço do escritório após sofrer um acidente de trabalho na Petrobras, em Alagoinhas, no Nordeste do estado. A decisão é de julho deste ano. Corrigido, o valor supera R$ 5 milhões.

Arivaldo é processado pela família de Valdi Pereira Fontes. Os parentes do petroleiro entraram com a representação na Ordem dos Advogados do Brasil, seção Bahia (OAB-BA), em 2014, pedindo a cassação do registro profissional - mas até agora a instituição não emitiu parecer para que a denúncia seja transformada em um processo ou arquivada.

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Somente em 2017, 225 advogados são investigados por irregularidades na OAB-BA. Ao todo, a entidade conta com 43.251 profissionais cadastrados atualmente. Em 12 anos, apenas 28 advogados foram excluídos da Ordem.

De acordo com a OAB-BA, as infrações mais comuns que são levadas ao Tribunal de Ética Disciplinar (TED) da entidade são: abandono de causa sem motivo; recusa de prestação de assistência jurídica, quando nomeado em virtude de impossibilidade da Defensoria Pública; recusa de prestação de contas; retenção abusiva de autos; e inadimplências de anuidades à OAB-BA. A entidade não especificou a quantidade de cada uma das infrações que são apuradas atualmente. O TED é responsável por analisar, apurar e aplicar sanções aos advogados que cometem infrações.

Ainda em vida, em 1999, Valdi Pereira Fontes contratou Arivaldo. Ele sofreu em 1991 um acidente de trabalho na Petrobrás, ocasião em que precisou amputar 40% do pé esquerdo. Em 2012, Valdi faleceu. Antes da sua morte, ele afirmou que tinha a receber valores decorrentes da ação movida contra a Petrobras em relação ao acidente de trabalho, julgado procedente pelo Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Alagoinhas.

Após passado o período de luto, a família de Valdi solicitou a Arivaldo a prestação de contas, informações e documentos referente aos processos ajuizados, assim como os depósitos de valores em favor do falecido e quantias remanescentes.

De acordo com a sentença, ao qual o CORREIO teve acesso, “o comportamento do Réu, que demonstrava inteira confiança dos Autores, passou a ser esquivo, levantando a suspeita de que algo estaria errado”. Então, por conta própria, a família de Valdi descobriu no cartório que tramitava a ação que Arivaldo havia sacado em 2010 o total de R$ 7.145.179,13 referente à indenização trabalhista.

Com base nas informações do processo, a família do petroleiro recebeu do montante R$ 2.187.500,00. Considerando os honorários advocatícios, Arivaldo retirou para si R$ 3.302.247,59. No entanto, reteve indevidamente R$ 1.655.431,50, que atualizado até o dia 31 de outubro de 2014 corresponde a R$ 3.477.127,83 – valor estabelecido no dia que ação foi instaurada do TJ-BA.

Ainda de acordo com a sentença, Arivaldo foi condenado ao pagamento dos R$ 3.477.127,83 corrigidos acrescidos de juros de mora, e, também ao pagamento de indenização de R$ 100 mil corrigido e acrescido de juros a partir da citação.

O réu foi condenado ainda ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, aos quais arbitrados em 10% do valor da condenação. “Isso tudo foi na época do ajuizamento da ação, em 2014. Em valores corrigidos, hoje o montante supera R$ 5 milhões”, declara Fernando Nonato, advogado da família de Valdi.

Arivaldo recorreu e o processo foi distribuído em 11 de outubro deste ano, no TJ-BA para 1ª Câmara Cível e está sob relatoria do desembargador Lidivaldo Reaiche Raimundo Britto.

A posição da OAB


Ao contrário do processo movido no TJ-BA, a representação contra Arivaldo na OAB-BA está parada.
O processo está parado há meses, e, infelizmente, não é a primeira vez que isto ocorre. A fase de instrução não chega ao final, mesmo se tratando de matéria de prova documental e do fato do representado admitir no processo que não possui documentos originais que comprovem o repasse dos valores”, diz Fernando Nonato.
Os documentos juntados como prova referente à denúncia estão para análise desde novembro de 2014. “A documentação juntada ficou por um longo período nas mãos de um conselheiro e nada avançou. Há seis meses está com uma conselheira e a situação é a mesma. Em dezembro agora fez três anos e nenhum parecer.  Se passar cinco anos que a OAB tomou conhecimento da infração, ocorre a prescrição e o representado, neste caso Arivaldo, não poderá ser punido no âmbito da OAB”, explica Nonato.

Há cerca de cinco meses, os documentos estão com a conselheira Thais Bandeira Oliveira Passos. É ela quem atualmente tem a função de emitir um parecer favorável ou não à denúncia. Se a decisão for favorável, um processo é aberto no Conselho de Ética da OAB-BA, que poderá terminar com cassação do registro profissional de Arivaldo – no caso de posicionamento contrário, o processo é arquivado.
De fato, a pedido dos clientes, tenho tentado acesso ao processo, mas a informação que passam na secretaria é de que o mesmo está com a relatora desde julho de 2017. Já elaborei diversas manifestações solicitando celeridade e que a representação seja submetida ao Tribunal de Ética e Disciplina, mas até agora nada”, comenta o  advogado da família de Valdi.
Segundo ele, nesses três anos, já foram realizadas duas audiências, “e nelas o Arivaldo apresentou atestados médicos na hora da audiência”. “Requeri a cópia dos recibos que teriam sido entregues ao falecido, mas ele já disse em juízo que não tinha, que havia incinerado”, cita. Para Nonato, é possível que tenha faltado a Arivaldo “atenção à gravidade do caso e à necessidade de se dar uma resposta à sociedade e aos lesados”.

O CORREIO procurou o Conselho de Ética da OAB-BA. Presidente do conselho, Waldir Santos estranhou a demora. “O prazo máximo para o conselheiro dar o parecer é de, no máximo, 30 dias”, diz ele, que pondera em seguida em relação ao tempo que leva um conselheiro para ouvir testemunhas, analisar as provas antes de o parecer: “pode levar menos de um ano, mas raramente isso ocorre. Alguns processos levam vários anos. Evidentemente o prazo de 30 dias é separado desse tempo imprevisível”.

O CORREIO procurou saber se já tem algum processo investigatório em nome de Arivaldo Amâncio dos Santos no Conselho de Ética, mas Santos informou que a lei o proíbe de dar qualquer informação em relação a uma investigação. 

Por meio da assessoria da OAB-BA, a reportagem buscou respostas da conselheira da Thais Passos. Ela informou que, como se trata de um processo ético, corre de forma sigilosa e que por isso só se manifestará depois do julgamento. Ela não informou o porquê da demora em dar seu parecer.

Advogado sacou R$ 7 milhões, diz família


A família de Valdi Pereira Fontes disse que o petroleiro conheceu Arivaldo em Alagoinhas, onde também o advogado viveu por anos. “Ele morou lá há mais de 30 anos. Conheceu meu marido, que o procurou em 1999, já que ele era famoso na cidade. Meu marido não o chama de ‘doutor Arivaldo’, sempre de ‘Ari’ ou ‘amigo’. Ele confiava de olhos fechados nele, tanto que quando perguntávamos pela ação, Valdi dizia que não tínhamos que nos preocupar, que Arivaldo estava cuidado de tudo”, afirma Marilene Reis Fontes, mulher do petroleiro falecido.

Entre 2010 e 2012 – ano do falecimento de Valdi – Arivaldo repassou para a família do petroleiro R$ 2.187.500. No entanto, um dos filhos do petroleiro, o contador Glauber Erik Reis Fontes procurou o então advogado do pai e solicitou uma prestação de contas. No entanto, Arivaldo disse que não tinha recibo por causa do inventário. “Mas exigi, pois precisava prestar contar à família. Ele não sabia que eu sou contador e levou um susto. Não contava com isso. Desde então, não atendia as minhas ligações. Foi quando desconfiamos de tudo”, conta Glauber.

A certeza da irregularidade veio quando a família foi ao cartório onde tramitava o processo trabalhista e descobriu que o advogado havia retirado os R$ 7.145.179,13 referente à indenização.

À época, Arivaldo já estava com escritório em Salvador, no Comércio, em Salvador.  “Fui três vezes ao escritório dele. Sempre exigindo os cheques referente aos depósitos.  Saia cedo de Alagoinhas e quando chegava lá, era sempre a mesma enrolação, dizendo pelo fato de ser interior, a microfilmagem dos cheques demorava para chegar ou então inventava uma desculpa qualquer. Tentava ganhar a gente chamando a nossa família para passar um final de semana na fazenda dele”, conta Marilene.

Diante das inúmeras desculpas para não prestar contas, a família de Valdi contratou Fernando Nonato, único advogado que aceitou pegar o caso. Além da ação para reaver a quantia corrigida, a família do petroleiro quer que Arivaldo tenha o registro profissional cassado e para isso ingressou com uma representação na OAB-BA. “Não é possível que ele continue atuando no mercado. Mas ele sabe da certeza da impunidade. Nunca foi a uma audiência.

Sempre envia um atesto médico. A gente conta ainda com a morosidade da própria OAB”, declara Glauber. Para Fernando Nonato a situação é lamentável.  “Obviamente, desvios maculam a imagem da advocacia em geral e, neste sentido, uma atuação firme e célere do Tribunal de Ética Disciplinar da OAB-BA se faz imprescindível para preservar a grande maioria de profissionais honestos e comprometidos.  Estou certo, porém, de que a situação será corrigida”, declarou Nonato.

CORREIO procurou advogado por uma semana


A reportagem tentou uma entrevista presencial, mas não conseguiu localizar o advogado Arivaldo Amâncio. Na segunda-feira (11), a equipe do CORREIO foi ao escritório dele, no Edifício Cidade do Salvador, na Avenida Estados Unidos, no bairro do Comércio, mas a portaria informou que ele não estava.

No dia seguinte, terça-feira (12), através de ligação telefônica, Arivaldo disse que não se encontrava em Salvador. Alegou estar numa audiência no interior do estado – não quis dizer onde – e garantiu que falaria com a equipe do CORREIO às 10h da quarta (13), o que não aconteceu – foram feitas inúmeras ligações em vão para o celular dele.

Então, ainda no dia 13, o CORREIO ligou para o escritório e, por volta das 10h50, um funcionário, identificado apenas por Geraldo, atendeu a ligação e disse que Arivaldo não estava, que não sabia informar o paradeiro dele e nem como localizá-lo.

Algumas horas depois, o advogado que também trabalha na Arivaldo Amâncio & Advogados Associados, Jean Tarcio Franchi, manteve contato com a reportagem e informou que Arivaldo sofreu um acidente vascular cerebral, que estava internado no Hospital Português e que por isso não tinha condições de responder às perguntas do CORREIO em relação às acusações.

No dia 14, o CORREIO procurou Jean Franchi que reiterou que o colega ainda estava hospitalizado. Foi solicitada uma nota do escritório diante das acusações, mas Franchi disse que não tem nenhuma autonomia para emiti-la.

“Sou colega de escritório dele. Não tenho como falar por ele”, disse. Franchi falou ainda sobre um acordo entre as partes no que diz respeito ao processo na Justiça. “ Eles estão conversando sobre a possibilidade de um acordo. Os advogados das partes já se reuniram, já avançaram, já estão perto de concluir. A fase de negociação está bem avançada.  Arivaldo está enfrentando dificuldade financeira para angariar recursos”, declara o colega de escritório.

Quanto à representação na Ordem dos Advogados, ele preferiu não comentar a situação.



Punições para advogados


  • Suspensão: Pode chegar a 90 dias; é aplicada quando há enriquecimento ou benefício indevido do advogado, cobrança de honorários exorbitantes, apropriação de bens e valores destinados ao cliente etc.

  • Censura: Gravidade intermediária. Em situações que amenizem o ocorrido, a punição poderá ser alterada para advertência. Há infrações disciplinares puníveis com censura: por exemplo, a captação de novos clientes por meio de publicidade.

  • Exclusão: Retirada do infrator dos quadros da OAB-BA, impedindo-o de exercer a profissão. Motivos para a exclusão: inidoneidade moral para o exercício da advocacia; ser autor de crime infamante, como o estelionato, a falsificação de documentos, a falsidade ideológica e crimes hediondos.

Por Bruno Wendel
Fonte: hwww.correio24horas.com.br
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