goo.gl/2e4uR3 | Já se tornou comum, perfeitamente inserido no dia a dia carcerário o fato de os presos aparecerem de cabelos cortados, como se fosse uma pena acessória antecipada para trazer mais um verniz de humilhação ou mesmo quebrar as resistências dos mais empertigados, mostrando que ali eles estão por baixo.
Já se tornou tão comum passarem a tesoura nas bem cuidadas cabeleiras de personalidades, que houve quem se insurgisse contra essa medida, como o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, o mais famoso carregador de mala, que pediu ao STF para não ter a cabeça raspada, como foi feito com todos os outros que o precederam, sendo muito discutido e até levado às raias da chacota a tosa sofrida pelo empresário Eike Batista, depois de ter gasto uma nota num precioso implante capilar no exterior.
É evidente que no corre-corre de operações, como a notória Lava Jato, ocorrem inevitáveis arbitrariedades, com conduções coercitivas, uso dispensável de algemas, e outras, ora cometidas pela autoridade policial, ora pelo próprio Judiciário, como se estivessem ali para responder aos anseios do povo, dando-lhe a resposta que a sociedade quer ouvir, deixando de banda a precípua função de tais órgãos.
Li estes dias interessante artigo “Raspar o cabelo dos presos é ilegal”, do advogado Plácido Faria, publicado no “Informe Baiano” do último dia 10 de julho de 2016, em que, coberto de razão, critica a banalização das prisões, mostrando, por exemplo, que “a prisão do Eike Batista comprovou que vivemos no país da chacota, onde assuntos sérios são tratados à base de brincadeira. A sociedade, em sua grande maioria, estava mais preocupada com a famosa cabeleira do Sr. Batista do que com os motivos que levaram à sua prisão. Eike virou “meme de internet”, tendo sua imagem bastante divulgada nas redes sociais, onde o que era pra ser uma questão jurídica, passou a ser uma questão de humor. Não era necessário debater os motivos que levaram à prisão do Empresário, tampouco, se a prisão era legal, o que importava era a degradação da sua imagem, com piadinhas de lojas de perucas, com comparações a comediantes carecas, tal como Amim Khader, assim como com piadas sobre o fato de o mesmo não possuir nível superior, atribuindo a raspagem de seus cabelos ao fato de o mesmo ter sido aprovado no vestibular para ingresso no presídio”.
Parece que a preocupação da sociedade brasileira não é com o Estado Democrático de Direito, tampouco com as prisões ilegais, mas, sim, em ver que cadeia não é feita apenas para pobres ladrões de galinha, mas também para poderosos, que podem, sim, ser presos e humilhados, onde seus direitos à dignidade da pessoa humana não só eram esquecidos, mas, principalmente, cerceados.
Agora no início deste mês de julho, fomos noticiados sobre a prisão do ex-ministro Geddel Vieira Lima, e não foi surpresa vir a lume suas falcatruas, suas fazendas, denunciadas no “Fantástico” e sua insaciável fome de propina, mas o assunto mais comentado, tanto pela mídia, quanto pela sociedade, não foi a causa da prisão em si, mas o seu choro, a sua tristeza e o seu inconformismo quando subitamente se viu carequinha. E a calvície fabricada na prisão transformou-se no símbolo da ignomínia.
Vejamos onde o corte compulsório do cabelo fere a dignidade humana. O artigo 5°, inciso III, da Constituição estabelece que “ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante”. E o art. 129 do Código Penal é taxativo ao dizer que ofender a integridade corporal ou saúde de outrem, é crime, com pena mínima de detenção de três meses a um ano, podendo, a depender da ofensa, chegar a pena de reclusão, de dois a oito anos.
Acontece que o vulgo só considera aviltante aquilo que traz dor, como a tortura e os maus tratos. E o corte de cabelo não traz qualquer sofrimento físico, como o cortar as unhas, soando algo comum quando se trata de um joão-ninguém qualquer.
Sendo o cabelo considerado parte do corpo de uma pessoa, e vez que ninguém será submetido a tratamento degradante, raspar o cabelo dos presos compulsoriamente é, sem dúvida, ilegal, pois, dependendo da posição social do preso, aquilo fica inculcado na ofensa à sua dignidade. É prática primitiva, medieval e de degradação da pessoa humana.
Os defensores desta prática, arrimam-se na Portaria nº 1.191/2008, do Ministério da Justiça, que disciplina os procedimentos administrativos a serem efetivados durante a inclusão de presos nas penitenciárias federais, e autoriza o Chefe da Divisão de Segurança e Disciplina a realizar o processo de higienização pessoal, incluindo: a) cortar cabelo, utilizando-se como padrão o pente número “2” (dois) da máquina de corte; b) raspar barba e c) aparar bigodes (inciso VIII do art. 2º).
O Estado e seus agentes vêm valendo-se desta portaria ilegal, que surge acima da Constituição, como forma de suprimir a individualidade da pessoa, e que não faz o menor sentido: além de degradar o ser humano, é um ritual de entrada na cadeia, como uma forma de padronizar as pessoas, transformá-las em “iguais”, sob uma justificativa pífia, encoberta pela ilusão da disciplina e da ordem. O corte compulsório de cabelos era justificável nas Idades Média e Moderna, quando a infestação de piolhos era comum nas prisões.
E complementa o articulista Plácido Faria: “Cortar os cabelos e/ou raspar as barbas dos presos não é uma questão de higienização, fere a dignidade da pessoa humana, bem como Princípio Constitucional da Isonomia, que versa, em síntese, que todos são iguais perante a lei, porém, é de conhecimento geral que as detentas não tem os seus cabelos raspados. Ora, se é uma questão de higienização pessoal, por qual razão não são os pelos pubianos devidamente aparados? Por que não providenciam um tratamento bucal? A resposta é simples: pois não se trata de uma questão de higienização, mas, sim, de mostrar que aos presos que para o Estado eles não possuem quaisquer direitos à dignidade”.
Quanto à questão de padronização, que alguns defensores desta arbitrariedade afirmam serem motivos suficientes para permitir esta prática ilegal, também não merece prosperar, basta lembrarmos que uma das principais formas de descrever uma pessoa é pelo seu cabelo e pelo seu porte físico; logo, não se trata de padronização. As roupas dos detentos têm essa função, e qualquer coisa além disto, feita de forma compulsória, não só é inaceitável, como também ilegal.
Outrossim, não se pode olvidar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, Tratado Internacional do qual o Brasil é signatário, em seu art. 5° diz que “Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”.
E o corte obrigatório do cabelo do preso, ao marcá-lo como bandido, dispensa dizer que é um tratamento degradante.
Por Liberato Póvoa
Fonte: www.dm.com.br
Já se tornou tão comum passarem a tesoura nas bem cuidadas cabeleiras de personalidades, que houve quem se insurgisse contra essa medida, como o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, o mais famoso carregador de mala, que pediu ao STF para não ter a cabeça raspada, como foi feito com todos os outros que o precederam, sendo muito discutido e até levado às raias da chacota a tosa sofrida pelo empresário Eike Batista, depois de ter gasto uma nota num precioso implante capilar no exterior.
É evidente que no corre-corre de operações, como a notória Lava Jato, ocorrem inevitáveis arbitrariedades, com conduções coercitivas, uso dispensável de algemas, e outras, ora cometidas pela autoridade policial, ora pelo próprio Judiciário, como se estivessem ali para responder aos anseios do povo, dando-lhe a resposta que a sociedade quer ouvir, deixando de banda a precípua função de tais órgãos.
Li estes dias interessante artigo “Raspar o cabelo dos presos é ilegal”, do advogado Plácido Faria, publicado no “Informe Baiano” do último dia 10 de julho de 2016, em que, coberto de razão, critica a banalização das prisões, mostrando, por exemplo, que “a prisão do Eike Batista comprovou que vivemos no país da chacota, onde assuntos sérios são tratados à base de brincadeira. A sociedade, em sua grande maioria, estava mais preocupada com a famosa cabeleira do Sr. Batista do que com os motivos que levaram à sua prisão. Eike virou “meme de internet”, tendo sua imagem bastante divulgada nas redes sociais, onde o que era pra ser uma questão jurídica, passou a ser uma questão de humor. Não era necessário debater os motivos que levaram à prisão do Empresário, tampouco, se a prisão era legal, o que importava era a degradação da sua imagem, com piadinhas de lojas de perucas, com comparações a comediantes carecas, tal como Amim Khader, assim como com piadas sobre o fato de o mesmo não possuir nível superior, atribuindo a raspagem de seus cabelos ao fato de o mesmo ter sido aprovado no vestibular para ingresso no presídio”.
Parece que a preocupação da sociedade brasileira não é com o Estado Democrático de Direito, tampouco com as prisões ilegais, mas, sim, em ver que cadeia não é feita apenas para pobres ladrões de galinha, mas também para poderosos, que podem, sim, ser presos e humilhados, onde seus direitos à dignidade da pessoa humana não só eram esquecidos, mas, principalmente, cerceados.
Agora no início deste mês de julho, fomos noticiados sobre a prisão do ex-ministro Geddel Vieira Lima, e não foi surpresa vir a lume suas falcatruas, suas fazendas, denunciadas no “Fantástico” e sua insaciável fome de propina, mas o assunto mais comentado, tanto pela mídia, quanto pela sociedade, não foi a causa da prisão em si, mas o seu choro, a sua tristeza e o seu inconformismo quando subitamente se viu carequinha. E a calvície fabricada na prisão transformou-se no símbolo da ignomínia.
Vejamos onde o corte compulsório do cabelo fere a dignidade humana. O artigo 5°, inciso III, da Constituição estabelece que “ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante”. E o art. 129 do Código Penal é taxativo ao dizer que ofender a integridade corporal ou saúde de outrem, é crime, com pena mínima de detenção de três meses a um ano, podendo, a depender da ofensa, chegar a pena de reclusão, de dois a oito anos.
Acontece que o vulgo só considera aviltante aquilo que traz dor, como a tortura e os maus tratos. E o corte de cabelo não traz qualquer sofrimento físico, como o cortar as unhas, soando algo comum quando se trata de um joão-ninguém qualquer.
Sendo o cabelo considerado parte do corpo de uma pessoa, e vez que ninguém será submetido a tratamento degradante, raspar o cabelo dos presos compulsoriamente é, sem dúvida, ilegal, pois, dependendo da posição social do preso, aquilo fica inculcado na ofensa à sua dignidade. É prática primitiva, medieval e de degradação da pessoa humana.
Os defensores desta prática, arrimam-se na Portaria nº 1.191/2008, do Ministério da Justiça, que disciplina os procedimentos administrativos a serem efetivados durante a inclusão de presos nas penitenciárias federais, e autoriza o Chefe da Divisão de Segurança e Disciplina a realizar o processo de higienização pessoal, incluindo: a) cortar cabelo, utilizando-se como padrão o pente número “2” (dois) da máquina de corte; b) raspar barba e c) aparar bigodes (inciso VIII do art. 2º).
O Estado e seus agentes vêm valendo-se desta portaria ilegal, que surge acima da Constituição, como forma de suprimir a individualidade da pessoa, e que não faz o menor sentido: além de degradar o ser humano, é um ritual de entrada na cadeia, como uma forma de padronizar as pessoas, transformá-las em “iguais”, sob uma justificativa pífia, encoberta pela ilusão da disciplina e da ordem. O corte compulsório de cabelos era justificável nas Idades Média e Moderna, quando a infestação de piolhos era comum nas prisões.
E complementa o articulista Plácido Faria: “Cortar os cabelos e/ou raspar as barbas dos presos não é uma questão de higienização, fere a dignidade da pessoa humana, bem como Princípio Constitucional da Isonomia, que versa, em síntese, que todos são iguais perante a lei, porém, é de conhecimento geral que as detentas não tem os seus cabelos raspados. Ora, se é uma questão de higienização pessoal, por qual razão não são os pelos pubianos devidamente aparados? Por que não providenciam um tratamento bucal? A resposta é simples: pois não se trata de uma questão de higienização, mas, sim, de mostrar que aos presos que para o Estado eles não possuem quaisquer direitos à dignidade”.
Quanto à questão de padronização, que alguns defensores desta arbitrariedade afirmam serem motivos suficientes para permitir esta prática ilegal, também não merece prosperar, basta lembrarmos que uma das principais formas de descrever uma pessoa é pelo seu cabelo e pelo seu porte físico; logo, não se trata de padronização. As roupas dos detentos têm essa função, e qualquer coisa além disto, feita de forma compulsória, não só é inaceitável, como também ilegal.
Outrossim, não se pode olvidar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, Tratado Internacional do qual o Brasil é signatário, em seu art. 5° diz que “Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”.
E o corte obrigatório do cabelo do preso, ao marcá-lo como bandido, dispensa dizer que é um tratamento degradante.
Por Liberato Póvoa
Fonte: www.dm.com.br